Na história recente do Brasil, há uma farta coleção de casos anedóticos de corrupção. De assessor de deputado flagrado com a cueca forrada de dinheiro a investigado jogando notas de cinquenta reais pela janela com a chegada da Polícia Federal. De tesoureiro de partido pedindo “pixuleco” a dinheiro escondido em caixa de vinhos. O roteiro da malandragem no país tem poucas variações: em geral, o agente público é corrompido em prol de interesses privados. Mas eis que, fugindo à regra, surge em Brasília um caso curioso de um político pagando propina.
Essa nova vertente de corrupção veio à tona no escândalo do Ministério do Trabalho. Em março, VEJA revelou um esquema de arrecadação de propinas e fraudes em processos de registros sindicais. A denúncia foi investigada na Operação Registro Espúrio, diversas pessoas foram presas pela Polícia Federal e, na semana passada, a Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou uma denúncia contra uma organização criminosa que atuava na pasta. Entre os 26 acusados, estão líderes e membros do PTB e do Solidariedade.
Em meio às investigações, um integrante da quadrilha resolveu contar tudo o que sabia para a Polícia Federal. O ex-coordenador de Registro Sindical do Ministério do Trabalho Renato Araújo Júnior, apadrinhado pelo PTB, fechou um acordo de delação premiada com a Polícia Federal em que revelou como funcionava a engrenagem da corrupção e das fraudes na pasta. Além de atirar em seus companheiros de partido, a testemunha contou que “alguns políticos chegaram a efetuar pagamentos a servidores”. Isso mesmo: políticos pagaram propina.
Um dos exemplos citados pelo delator é o do deputado federal Bebeto Galvão, do PSB da Bahia. Renato Araújo conta que, em meados de 2017, reuniu-se com o parlamentar em seu apartamento funcional em Brasília, na companhia de outro servidor do Ministério do Trabalho. Nesse encontro, sem cerimônia, Bebeto Galvão entregou 15 000 reais em dinheiro vivo, sendo 10 000 reais entregues para Renato e o restante ao seu colega de trabalho. Em troca dessa grana, o deputado do baixo clero, que não tinha qualquer influência na pasta, solicitou que uma entidade de trabalhadores da construção pesada conseguisse uma determinada autorização. Procurado, Bebeto Galvão nega que tenha feito qualquer pagamento irregular e diz que nunca recebeu Renato em sua casa. “Só estive com ele uma vez, numa mesa de um debate”, afirma o deputado.
A delação de Renato Araújo foi crucial para os investigadores reforçarem as provas levantadas contra a organização criminosa que atuava no Ministério do Trabalho. O acordo do servidor foi homologado pelo ministro Edson Fachin, responsável pelos processos da Operação Registro Espúrio no Supremo Tribunal Federal. Além de dissecar a fraude em processos sindicais, a testemunha revelou outras falcatruas como desvios de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). As denúncias feitas pelo servidor estão sendo investigadas pela Polícia Federal. Ao que tudo indica, outros fatos esdrúxulos poderão vir à tona em breve, ampliando o repertório da corrupção no Brasil.