Desde o fim do ano passado, alguns dos mais tarimbados caciques da política nacional se reúnem, fazem cálculos e tentam resolver impasses regionais para avançar numa ousada empreitada de tirar do papel a criação de um conglomerado partidário. As negociações envolvem lideranças do PP, do União Brasil e do Republicanos. A ideia é juntar as três siglas numa federação, o que daria origem à mais poderosa força de centro do país, dona da maior bancada de deputados e senadores do Congresso e ponto de parada obrigatória para qualquer acordo político, seja ele em âmbito nacional ou estadual. O projeto é tão ambicioso quanto difícil de executar e esbarra em entraves paroquiais, na disputa de poder entre os próprios dirigentes envolvidos, mas é tratado como uma prioridade que precisa ser definida o mais breve possível.
Por meio dessa modalidade, dois ou mais partidos se unem como se fossem um só, registram um estatuto e um programa únicos, são comandados por um presidente e precisam atuar coesos em nível nacional e regional por no mínimo quatro anos. PP, União Brasil e Republicanos juntos reuniriam 149 deputados e dezessete senadores, teriam direito a um fundo eleitoral na casa do bilhão de reais e somariam o maior tempo de propaganda no rádio e na televisão. Uma estrutura como essa ganharia um protagonismo imenso nas mais diferentes esferas do poder. Só para se ter uma ideia, hoje, separados, os três partidos comandam cinco ministérios importantes no governo Lula, mesmo após terem se alinhado à candidatura derrotada de Jair Bolsonaro em 2022, caso do PP e do Republicanos, ou se mantido neutros, como o União. Para conquistar apoio no Congresso, foi inevitável dividir espaço com as três legendas.
A curto prazo, a meta da federação passa principalmente pela eleição à presidência da Câmara, prevista para fevereiro do ano que vem. Arthur Lira (PP-AL), o atual presidente, quer eleger seu sucessor (veja na pág. 22). O conglomerado seria decisivo nessa empreitada. A longo prazo, o projeto de poder é mais abrangente. Articuladores não escondem a intenção de tornar a federação o fiel da balança nas eleições de 2026, o que possibilitaria ao grupo até mesmo, eventualmente, pleitear a vice na disputa à Presidência da República — uma quebra de paradigma do chamado Centrão, historicamente mais dedicado a eleger parlamentares e barganhar votos em troca de cargos e verbas. “Não concebo uma federação composta de 150 deputados não indicar ao menos o vice, seja de um candidato de esquerda ou de direita, tanto faz. Seremos muito maiores do que qualquer outro partido, inclusive o que vai encabeçar a disputa”, projeta uma liderança à frente das tratativas.
O pragmatismo, como se vê, também dita a regra do grupo. Tanto que o senador Ciro Nogueira, ex-ministro de Jair Bolsonaro e presidente do PP, não esconde a pretensão de ser candidato a vice em uma chapa de direita. Lula já percebeu essa movimentação e procura se aproximar ainda mais das lideranças da federação. No início de fevereiro, o presidente convidou o deputado Marcos Pereira, comandante do Republicanos, para acompanhá-lo numa viagem a São Paulo. O petista fez questão de reservar um espaço especial para o parlamentar na sua cabine particular, ao lado de figuras como Fernando Haddad, ministro da Fazenda, e Rui Costa, chefe da Casa Civil, enquanto outras autoridades foram alocadas na parte de trás da aeronave. Foi uma deferência planejada. Depois do voo, Marcos Pereira elogiou o presidente e, ao narrar a viagem, disse que Lula é “agradável” e “dá atenção” aos congressistas. O deputado é candidato a presidir a Câmara no lugar de Arthur Lira.
O gigantismo da federação também impõe dificuldades para que ela saia do papel. Na última semana, Ciro Nogueira e Marcos Pereira se reuniram para tratar do tema e avaliar a situação do União Brasil. A legenda está em pé de guerra, ameaça expurgar seu presidente, o deputado Luciano Bivar, e está envolta em ameaças de escândalos com potencial de virar caso de polícia — o que a impede de negociar, ao menos por ora, qualquer plano futuro. A confusão, por outro lado, pode acelerar o movimento. Bivar é apontado como um dos principais entraves para a união partidária, enquanto seus sucessores endossam a parceria. Assim, a ideia é que PP e Republicanos acelerem as negociações e formalizem a federação no mais tardar até o fim deste ano e deixem o ingresso do União Brasil para um momento de maior estabilidade na legenda. “Uma federação como esta se tornaria o maior bloco político de centro da história e daria estabilidade ao nosso país”, diz o presidente do PP e principal entusiasta da ideia. Em questões de poder, tamanho é documento.
Publicado em VEJA de 1º de março de 2024, edição nº 2882