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Nacionalismo suave

O chanceler Ernesto Araújo ameniza antagonismos com a China e reconhece que a tentativa de Juan Guaidó de derrubar Maduro na Venezuela foi uma frustração

Apresentado por Atualizado em 25 jun 2019, 16h23 - Publicado em 21 jun 2019, 07h00

Arrolado entre os ministros mais “ideológicos” do governo — ao lado de Damares Alves, dos Direitos Humanos, e de Abraham Weintraub (e seu antecessor Vélez Rodríguez), da Educação —, Ernesto Araújo, 52 anos, colecionou alguns tropeços na pasta das Relações Exteriores desde que tomou posse. Entre outros percalços, o chanceler irritou o setor agropecuário com declarações contrárias à China e decepcionou a bancada evangélica por não transferir a embaixada brasileira em Israel para Jerusalém, uma promessa de campanha do presidente Jair Bolsonaro. Ao sentar por pouco mais de uma hora com a reportagem de VEJA, no seu gabinete no Palácio Itamaraty, Araújo mostrou sua formação de diplomata: conciliador, procurou minimizar conflitos e atritos. Rechaçou a possibilidade de intervenção militar na Venezuela e disse que a tão debatida embaixada brasileira em Jerusalém ainda está “em estudo” — reafirmou, aliás, o compromisso brasileiro com a solução de dois Estados, um israelense e um palestino. O chanceler só se agitou na cadeira quando instado a responder sobre a interferência dos ministros militares no Itamaraty. Na entrevista a VEJA, defendeu Olavo de Carvalho — que o indicou para o cargo — e falou sobre China e terraplanismo.

Seus críticos dizem que o Brasil está perdendo protagonismo na arena internacional. O senhor se responsabiliza por isso? O Brasil já vinha perdendo protagonismo, e essa é uma das coisas que tentamos inverter. Não buscamos o protagonismo pelo protagonismo, mas buscamos influenciar mudanças em foros e situações importantes para o país. Tentamos recuperar a atividade produtiva da nossa política externa e creio que estamos conseguindo inverter essa tendência de queda. Na América do Sul, o Brasil está na vanguarda do processo para uma mudança democrática na Venezuela, e na construção do Prosul, uma nova entidade que substitui a Unasul para tentar consolidar a economia de mercado na região. Mas o maior destaque foi a conquista dos apoios necessários para a entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O processo de adesão ainda não começou, mas já está todo armado.

Juan Guaidó, presidente autodeclarado da Venezuela, fez uma tentativa frustrada de derrubar a ditadura de Nicolás Maduro. O Brasil não mostra otimismo exagerado quanto às possibilidades de Guaidó redemocratizar o país? Houve, sim, uma frustração com aquela tentativa de conquistar o poder de maneira mais rápida por meio da convocação de grupos militares na Venezuela. Mas naquele momento ficou demonstrada uma possível fratura na cúpula militar venezuelana, por causa de uma série de conchavos que não sabemos exatamente como foram feitos. E isso significou um ganho político. Não foi um passo definitivo, mas foi mais um passo. Trata-se de um ganho lento.

Todas as opções estão na mesa em relação à Venezuela? Da nossa parte, só trabalhamos com a hipótese dos meios diplomáticos e políticos. Não é necessária uma intervenção militar porque há uma construção política que está ganhando corpo e criando raízes com a atuação de Juan Guaidó e a continuação do apoio internacional.

Em algum momento o senhor conversou com o presidente sobre a possibilidade de intervenção militar na Venezuela? Não.

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“Admiro muito o presidente Trump. Ele oferece a perspectiva de revalorização da nação como um espaço político fundamental. Chamam de nacionalismo, mas é mais do que isso”

O governo de Jair Bolsonaro investiu muito no alinhamento com Donald Trump. Isso não cria um risco no caso de uma vitória democrata nas eleições de 2020? Existem convergências com o governo Trump, e há uma série de ações que tentamos implementar por conta dessa afinidade — como o apoio americano para a entrada do Brasil na OCDE. Se vier um governo com menos afinidade, veremos como fazer. Essa perspectiva não me preocupa, até porque há várias visões no Partido Democrata.

Haveria afinidades, digamos, com um governo de Joe Biden? Não queria comentar porque admiro muito o presidente Trump, por uma série de visões que, até onde sei, não estão presentes no pensamento do Joe Biden. Trump oferece a perspectiva de revalorização da nação como um espaço político fundamental. Chamam de nacionalismo, mas é mais do que isso. É uma visão de mundo que compartilho em grande medida porque acho que ela é boa para o Brasil e para outros países. Não vemos o mesmo tipo de atitude em várias correntes democratas, mas isso não quer dizer que não se possa trabalhar com elas. Estamos criando diversas ações permanentes na relação com os Estados Unidos.

A entrada do Brasil na OCDE poderia ser obstruída? Espero que não, porque essas coisas se baseiam no interesse compartilhado. Tanto o Brasil tem interesse em aderir à OCDE quanto os Estados Unidos em ver o Brasil lá. O mesmo vale para o acordo de salvaguarda tecnológica e de aliado preferencial extra-Otan. Não vejo os democratas retroagindo nessas questões.

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A aproximação do Brasil com Israel e o aceno de uma futura embaixada brasileira em Jerusalém não trazem um ônus desnecessário para o comércio com os países árabes? Essa é uma falsa percepção, uma visão muito abstrata. Na prática, não é assim. Nossa realidade é de aprofundamento também da relação com os países árabes, sem nenhum prejuízo para os nossos negócios. Estamos criando várias oportunidades. O chanceler do Marrocos esteve aqui recentemente para tratarmos da questão agrícola, assim como o dos Emirados Árabes.

Representantes da Frente Parlamentar Evangélica reuniram-se com o senhor recentemente. Eles pressionaram pela abertura da embaixada em Jerusalém? Não vieram pressionar, não. Foi uma ideia que surgiu de uma conversa minha com o presidente da frente, Silas Câmara, para falarmos sobre a ampla agenda de objetivos comuns que temos. É muito benéfico que exista o interesse da bancada evangélica em Israel, pois dá raízes a esse relacionamento que só trará benefícios para o Brasil.

Em relação ao conflito Israel-Palestina, o Brasil ainda defende a solução dos dois Estados? É a nossa posição, da qual não saímos. Se houver toda a armação política para permitir a convivência pacífica de Israel com o Estado Palestino, será a solução que todos consideramos produtiva e promissora. Precisamos sair do engessamento da questão Israel e Palestina, pensar em novas perspectivas e ideias.

A embaixada brasileira será instalada em Jerusalém neste governo? Continua em estudo. No momento, queremos trabalhar com o que temos agora para abrir o escritório de comércio e investimentos na cidade.

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O setor de agronegócios manifestou, no início do governo, receio por suas opiniões sobre a China. O que mudou na sua posição sobre o país asiático? Nunca houve um atrito com a China. Houve interpretações de que uma declaração ou outra que eu dei poderia resultar em algum problema, o que nunca se materializou. A minha visão coincide com a de todo o governo: a China é um parceiro econômico de primeira linha, com o qual queremos não só continuar como aumentar os negócios. O Itamaraty também apoia o esforço da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, de ir até a China para tentar abrir novos mercados. Outros pensaram que a aproximação com os Estados Unidos seria vista como um problema pela China, mas isso não nos foi passado de forma nenhuma por quem quer que fosse.

Mas o senhor declarou que o Brasil não pode “vender a alma” para exportar minério de ferro e soja para a China. Mantenho inteiramente minha convicção de que no relacionamento com qualquer país o Brasil tem de manter seus valores e princípios, e não sacrificar sua visão de mundo.

A China é uma ameaça para o Brasil? Não. Vemos a China como um parceiro econômico de primeira grandeza, que de maneira nenhuma nos cerceia na capacidade de defender nossos valores.

Em artigos, o senhor já criticou a imigração ilimitada que estaria minando a identidade europeia. O Brasil imporá alguma trava à imigração? Não pensamos em travas. A imigração está sob controle. A crise da Venezuela cria uma pressão muito grande, sobretudo em Roraima, mas não vamos impor limites. A imigração é extremamente bem-vinda, sempre de acordo com as nossas leis e a nossa identidade. No caso da Europa, o que vemos é uma imigração maciça e que em muitos casos cria certo desafio à identidade nacional dos países europeus.

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O governo concedeu isenção de vistos a americanos, canadenses, australianos e japoneses. A medida teve os resultados esperados? Existem números muito claros a partir da reserva e compra de passagens, que aumentou em 250% desde a medida. É um ganho efetivo e imediato: fala-se em 1 bilhão de dólares por ano em ingresso adicional pelo turismo.

“Para mim, a Terra é redonda. Mas talvez a intenção do professor Olavo seja chamar atenção para a necessidade de entender melhor o método científico. A ciência precisa de questionamento”

Há interferência dos militares no Itamaraty? Essa não é uma questão que se coloca dessa maneira. Temos um governo que procura ser coeso. É uma das grandes inovações do presidente Bolsonaro: tentar fazer com que o governo funcione como uma equipe, e não cada ministério isoladamente, como é a tradição no Brasil. Temos uma agenda ampla entre Itamaraty e Ministério da Defesa, por exemplo.

O vice-presidente Hamilton Mourão recentemente elogiou o secretário-geral do Itamaraty, Otávio Brandelli, que seria uma “força de moderação”. Também pediu mais pragmatismo na política externa. Foi uma ingerência na sua pasta? Não quero interpretar declarações do vice-presidente, com quem tenho um excelente relacionamento, aliás. Talvez haja a percepção equivocada de que existem diferenças de política externa entre mim e o secretário-geral. Não existem. Tudo é um esforço coerente e que converge para as nossas diretrizes, que são traçadas pelo presidente.

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O senhor já ouviu alguma orientação do filósofo Olavo de Carvalho sobre política externa? Não, nunca discutimos nada tão específico. É sempre intelectualmente instigante conversar com o professor Olavo. Mas tenho falado com ele muito raramente.

Recentemente, Olavo de Carvalho levantou a discussão sobre terraplanismo nas redes sociais. Qual sua avaliação do tema? Para mim, a Terra é redonda. Mas é importante que haja esse espírito de questionamento. Talvez a intenção do professor Olavo seja chamar a atenção das pessoas para a necessidade de entender melhor o que é o método científico, e que a ciência precisa de um questionamento permanente. As pessoas devem ter os olhos abertos para o que é a evolução da ciência, sem se pautar por dogmas, que são contrários ao espírito científico.

Publicado em VEJA de 26 de junho de 2019, edição nº 2640

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