Ufa, terminou! Não foi tarefa fácil assistir às dez sessões iniciais do julgamento do mensalão, ou, como preferem os petistas, da Ação Penal 470. Fiz por obrigação de ofício. Entenda-se, antes que um advogado invoque um “ato de ofício”, do ofício de historiador. Escrever um livro sobre este julgamento é uma experiência interessante. O mundo da justiça tem suas leis, códigos, gestos e uma linguagem próprias. A encenação – e é uma encenação – no tribunal, as togas, o plenário, as formas de tratamento, tudo parece conspirar para ocultar ao neófito – como eu – os meandros do julgamento. Em um país com uma profunda e enraizada tradição corporativa, tudo é feito para que os que não pertençam a corporação sejam simplesmente assistentes. Opinar? Não, isto é só para os especialistas. Criticar? Em hipótese alguma. Comentar a legislação? Como? Só os juristas é que conhecem as leis. Porém – e sempre há um porém, como diria Plínio Marcos – temos um belo paradoxo: a transmissão televisiva permite ao historiador entrar neste mundo.
Chamam atenção as frases feitas, não só dos defensores, como dos ministros. Um deles, disse que estava julgando “pessoas de carne e osso”. Usou diversas expressões latinas, porém teve enorme dificuldade de ler três linhas de uma frase na mesma língua, lembrando um bárbaro recém romanizado. Mas a pose que fez durante todos estes dias… Fez de tudo para parecer inteligente. Outro, questionou um defensor, que, educadamente, retrucou que a pergunta já estava respondida nos autos. Citou, inclusive, as páginas. Mas rubor não é com ele. Dois dias depois, numa festa, em Brasília, pronunciou palavras que até em um botequim causariam espécie. E, pior, ele pode permanecer naquela Corte por três décadas.
Leia também:
Infográfico: Entenda o escândalo do mensalão
Da novela das oito a Ruy Barbosa: o sarau do mensalão
Ao longo dos dias, confesso, foi dando uma saudade. Numa das sessões, adormeci. Sonhei que entre os defensores estava Sobral Pinto e vi sentado na cadeira de ministro Pedro Lessa. Mas logo acordei. Voltei à triste realidade brasileira. Estava na tribuna um advogado homenageando um ministro. Senti um certo asco. Como é possível elogiar quem vai julgar a sua causa? É ético? E o pior é que o elogio era absolutamente descabido.
Ainda não consegui entender porque a acusação teve 5 horas e a defesa sete vezes mais. E a ausência de ministros durante as sustentações orais? Por que o STF se preocupa tanto com as formalidades (na vestimenta, nas formas de tratamento) e não consegue começar uma sessão no horário previsto? Ah, são tantas perguntas que resolvi terminar com uma citação, até para ficar no espírito do julgamento. De Oswald de Andrade: “Nunca fomos catequizados. Vivemos através de um direito sonâmbulo. Fizemos Cristo nascer na Bahia. Ou em Belém do Pará. Mas nunca admitimos o nascimento da lógica entre nós.”
(*) Marco Antonio Villa, historiador, é professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR)