A maior parte dos saques efetuados pelo ex-policial militar Fabrício José Carlos de Queiroz, ex-motorista de Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), monitorados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), foi feito em uma agência bancária do Banco Itaú na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), onde o filho do presidente eleito Jair Bolsonaro é deputado estadual e Fabrício foi seu assessor.
Ao todo, segundo relatório do Coaf, o ex-motorista sacou na mesma agência 159.983,71 reais em 36 operações ao longo de 2016, a maior parte delas em retiradas de até 5.000 reais — que podem ser feitas diretamente no caixa eletrônico. O segundo maior volume de saques (45.000 reais) se deu em outras duas agências também no centro do Rio, seguidos de 42.250 reais sacados em duas agências na Avenida das Américas, na Barra da Tijuca, bairro onde a família Bolsonaro tem residência.
“A conta teria apresentado aparente fracionamento nos saques em espécie, cujos valores estão diluídos abaixo do limite diário. Foi considerado fator essencial para a comunicação pela possibilidade de ocultação de origem/destino dos portadores”, afirma o relatório do Coaf.
O órgão também chamou atenção para uma concentração de saques em espécie nos guichês de atendimento também com indícios de fracionamento devido valores diluídos abaixo do limite diário na mesma data em locais próximos. O relatório destaca dez transações “aparentemente fracionadas” que totalizaram 49 mil reais na agência da Alerj e outra na Rua da Assembleia, no Centro do Rio.
O relatório foi produzido no âmbito da Operação Furna da Onça, que levou à prisão dez deputados estaduais do Rio em 8 de novembro. Flávio, que foi eleito senador pelo RJ nas eleições de outubro, não é investigado pela operação. Entretanto, todos os servidores da Alerj tiveram suas contas analisadas pelo Coaf a pedido da Polícia Federal.
O Coaf, órgão vinculado ao Ministério da Fazenda que atua na prevenção à lavagem de dinheiro, alertou o Ministério Público Federal (MPF) sobre uma movimentação suspeita de 1.236.838 reais na conta de Queiroz entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017. O montante foi considerado incompatível com o patrimônio e renda do ex-motorista. No documento, foram listadas as transferências de servidores que passaram em diferentes momentos pelo gabinete de Flávio.
As movimentações não representam nenhuma ilegalidade, mas o Coaf explica que elas são suspeitas por três razões: 1) “pagamentos habituais a fornecedores ou beneficiários que não apresentam ligação com a atividade ou ramo de negócio da pessoa jurídica”; 2) “movimentações em espécie realizadas por clientes cujas atividades possuem como característica a utilização de outros instrumentos de transferência de recursos, tais como cheques, cartões de débito ou crédito”; e 3) “movimentação de recursos incompatível com o patrimônio, a atividade econômica ou a ocupação profissional e a capacidade financeira do cliente”.
Dia de pagamento
Mais da metade dos depósitos em espécie recebidos em 2016 por Fabrício Queiroz foi feito no dia do pagamento dos funcionários da Alerj ou até três dias úteis depois. De acordo análise do relatório do Coaf, 34 das 59 operação financeiras seguiram o mesmo padrão. O restante ocorreu em até uma semana. A maior parte dos depósitos em espécie (92 mil reais em 18 operações) se deu em uma agência no bairro Rio Comprido.
O jornal O Estado de S. Paulo identificou que quinze depósitos em espécie na conta de Queiroz ocorreram nos mesmos dias de pagamento dos servidores da Alerj em 2016. Essas datas variaram a cada mês, por causa da crise do Rio, que levou a atraso nos salários, mas foram mapeadas em cruzamento do relatório do Coaf com o cronograma de pagamentos da Assembleia fluminense. Outros dezenove depósitos na conta de Queiroz ocorreram em até três dias úteis após os funcionários terem recebido seus vencimentos.
Os valores depositados mensalmente também se repetem ou são aproximados. Investigadores analisam se há padrão nas ações, em valores ou periodicidade. O jornal Folha de S. Paulo publicou nesta terça-feira, 11, que, logo após receber os valores, Queiroz realizou saques em espécie em quantias aproximadas às que haviam entrado em sua conta.
O Coaf não se manifesta sobre relatórios produzidos para a Polícia Federal por razões de sigilo bancário. Segundo um porta-voz da instituição, o conselho apenas recebe informações bancárias, compila os dados e produz relatórios para os órgãos de investigação. A validade do relatório foi confirmada pelo Ministério Público Federal.
Depoimento
Fabrício Queiroz ainda não se manifestou. Ele deve depor na semana que vem no Ministério Público do RJ, que investiga o caso. Na última sexta-feira, Flávio Bolsonaro disse ter conversado com o ex-motorista. “Ele me relatou uma história bastante plausível [para a origem do dinheiro] e me garantiu que não teria nenhuma ilegalidade nas suas movimentações”, afirmou.
Em nota, a assessoria do senador eleito ressalta que ele não é investigado. O texto afirma ainda que o deputado “segue à disposição para prestar esclarecimentos às autoridades, se instado for” e “espera ver, dentro dos trâmites legais, a completa resolução do caso pelas autoridades competentes”.
(Com Estadão Conteúdo)