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Governo arde a céu aberto e Bolsonaro indaga: o que tenho feito de errado?

Numa quarta marcada pela agonia, ministros vivem constrangimento no Congresso, presidente joga álcool na fogueira e mercado fica com nervos à flor da pele

Por José Benedito da Silva Atualizado em 29 mar 2019, 02h25 - Publicado em 28 mar 2019, 03h00

O governo Bolsonaro derrete a cada dia. Nesta quarta-feira 27, o derretimento veio em forma de uma longa agonia, parte dela transmitida ao vivo pela TV, que exibiu nomes de peso da gestão acossados por membros do Congresso durante discussões sobre temas relevantes.

A agenda já era perturbadora. Nada menos que cinco ministros estavam convidados pelo Legislativo para expor, a parlamentares desconfiados, o que afinal o governo pretende fazer com o mandato que obteve nas urnas.

E não foram quaisquer ministros. Paulo Guedes (Economia), Sergio Moro (Justiça), Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Vélez Rodríguez (Educação) e Luiz Henrique Mandetta (Saúde), todos à frente de pastas de primeiro escalão, foram para o debate.

Não deu para cantar muita vitória. O fato de cinco ministros desse calibre estarem tendo que explicar o que pretendem fazer evidencia uma certa fragilidade política do governo e a animosidade de parlamentares com o titubeio um tanto frenético que marca o início da gestão Bolsonaro.

Guedes, o mais importante deles, chegou a discutir com uma senadora (Kátia Abreu) e disse, quase em tom de desânimo, que, se a reforma da Previdência – o canto da sereia para o mercado – não passar, não tem como continuar no cargo.

“Se o presidente ou a Câmara ou ninguém quer aquilo (aprovar a reforma), eu vou me sacrificar ao trabalho dos senhores? De forma alguma, eu voltarei para onde sempre estive”, afirmou.

Moro foi questionado sobre o seu pacote anticrime e também disse que, se mudarem a proposta retirando dela o combate à corrupção, não concordaria. Teve de ouvir que a prioridade será dada a iniciativa semelhante do agora ministro do Supremo Alexandre de Moraes, que já ocupou seu cargo – e que não toca no tema.

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O ex-juiz da Lava Jato chegou a dizer que topava que fosse assim, desde que levassem em conta também os pontos sugeridos em seus projetos e não contemplados pelo antecessor, entre eles o combate à corrupção.

Vélez aumentou a desconfiança sobre sua capacidade para o cargo e se enrolou em algumas perguntas – apelou até ao conterrâneo Pablo Escobar, o célebre traficante, para defender a militarização das escolas.

Também não tinha muito o que mostrar, já que gastou o seu tempo até agora nomeando e demitindo auxiliares, numa barafunda constrangedora, ou tentando emplacar pautas ideológicas que nem de longe tocam nos principais problemas da educação.

O mesmo pode-se dizer de Ernesto Araújo, outro auxiliar cujas credenciais para a função são cada vez mais questionadas. Na Comissão de Relações Exteriores da Câmara, disse que não houve golpe em 1964 e que a tomada de poder pelos militares foi um “movimento necessário”.

Virou alvo de ironia do deputado Glauber Braga (PSOL-RJ), que disse que preferia que as perguntas fossem respondidas “pelo ministro nomeado, e não pelo ministro de fato”, numa alusão à participação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), presidente da comissão e cada vez mais influente em questões de política externa do governo.

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Um pouco melhor se saiu Mandetta, mas é mau sinal que tenha gastado boa parte de seu tempo reforçando que não vai acabar com um programa criado na gestão petista, o Mais Médicos. 

O tom geral nas inquirições aos ministros foi de desapontamento, incredulidade e até hostilidade. Isso no período em que deveria estar ocorrendo a tradicional lua-de-mel com o Congresso.

E o capitão? O capitão estava provocando confusão com estudantes do Mackenzie ao marcar uma visita ao palco de um célebre confronto durante a ditadura numa semana em que ele achou que era de bom tom pedir que a população e os militares comemorassem o aniversário do golpe de 1964.

Passou pelo constrangimento de ver uma juíza federal lhe intimar para explicar que tipo de festa cívica, afinal, estava propondo aos brasileiros. Ainda não respondeu.

Com os protestos se desenhando desde a véspera da visita, cancelou a agenda na universidade – o que esvaziou, mas não impediu as manifestações – e se refugiou em um habitat onde se sente seguro: o Comando Militar do Sudeste.

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Mas ele ainda faria mais para incendiar a fogueira que, aos poucos, mas numa velocidade assustadora, vai consumindo o seu governo.

Achou, por exemplo, que tudo bem manter acesa a polêmica institucional com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que se arrasta há dias, em torno da inexistente articulação política de sua gestão.

Disse que entendia a irritação de Maia e que o outrora aliado estava abalado por “questões pessoais”, em referência à prisão do padrasto da esposa do deputado, o ex-ministro Moreira Franco, pela Lava Jato.

Maia foi com os dois pés na faixa presidencial. “Abalados estão os brasileiros, que estão esperando desde 1º de janeiro que o governo comece a funcionar. São 12 milhões de desempregados, 15 milhões de brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza e o presidente brincando de presidir o Brasil”, disse.

Bolsonaro rebateu, dizendo lamentar e até mesmo duvidar que o deputado, peça-chave na reforma da Previdência, tivesse dito o que disse. “É uma irresponsabilidade”, declarou.

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O mercado, que já gritou vivas ao novo mandatário, sentiu o golpe e disparou o alerta: o Ibovespa caiu quase 4% e o dólar chegou ao valor mais alto desde outubro, mês do triunfo eleitoral de Bolsonaro.

Não se sabe se há algum cálculo político no comportamento errático do governo, mas o fato é que, sem precisar da oposição, a gestão desmorona sob os olhares perplexos até de quem apoiou (ou ainda apoia) o projeto bolsonarista.

Um exemplo claro veio dos evangélicos, setor da sociedade que catapultou Bolsonaro ao poder e que, segundo recente pesquisa Ibope, é responsável pela maior fatia da população que ainda está com o governo. 

Recém-eleito presidente da bancada evangélica, o deputado Silas Câmara (PRB-AM) afirmou, assim que tomou posse no cargo, também nesta quarta-feira, que é contra qualquer negociação do grupo que envolva participação no governo.

“A frente se afastará, por completo, de atuação política direta com o Executivo e voltará a ser a frente dos evangélicos em defesa da família, da vida e dos princípios cristãos”, anunciou.

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E olhe que foi um dia em que os filhos do presidente, até então as maiores fontes de confusão, não deram o ar da graça. Talvez estejam guardando algo para esta quinta-feira, nunca se sabe, mas o fato é que não botaram lenha na fogueira. 

Entre tantas sandices ditas e feitas, de manhã até a noite pela trupe bolsonarista, a frase do dia acabou sendo essa, proferida pelo presidente em entrevista na TV Bandeirantes: “O que eu tenho feito de errado?”.

Alguém precisa esclarecer isso com urgência ao capitão.

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