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GLO: Governo trouxe os militares porque dão visibilidade, diz especialista

Para o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ação nos portos e aeroportos é apenas um paliativo que pode até enfraquecer as polícias

Por Marcela Mattos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 12 nov 2023, 21h06
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  • Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
    Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública  (FBSP/Divulgação)

    Teve início na última segunda-feira, 6, a ação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) em portos e aeroportos do Rio de Janeiro e de São Paulo, e também em regiões de fronteira, numa tentativa de impor algum freio ao crime organizado. Com a medida, foram destacados 3.700 militares da Marinha, da Aeronáutica e do Exército que, junto com a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal, vão atuar em frentes de combate ao tráfico de drogas e de armas.

    A medida, assinada pelo presidente Lula, é uma resposta política “em nada inovadora” e uma maneira de mostrar para a população que alguma providência está sendo tomada, na avaliação de Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “É de novo um governo, seja ele de direita ou de esquerda, convocando as Forças Armadas para resolver problemas que seriam das polícias”, afirma Lima. Para ele, a ação integrada entre as forças é bem-vinda, mas falta uma política de longo prazo e um pacote que inclua, entre outras medidas, a reestruturação da carreira das polícias e um plano de combate às milícias. Confira abaixo outros trechos da entrevista.

    Qual a sua avaliação sobre o decreto da GLO em portos e aeroportos? Essa é uma medida inédita exatamente porque é muito específica no território. A gente tem de pensar em dois pontos importantes. Enquanto resposta política, enquanto forma de tentar mostrar para a população que algo está sendo feito, ela não é em nada inovadora e repete a receita de todos os governos de, na crise, chama os militares. Só que quando você olha para essa GLO em particular vai perceber que tem alguns elementos inéditos, a começar de ser só em portos e aeroportos, além de determinadas fronteiras. O que tem de diferente na essência? O fato de ser específica aos portos e aeroportos? Isso é fato. O resto a gente tem de acreditar, porque ou é segredo ou está sendo planejado. E, quando a gente questiona, eles criticam os especialistas.

    Os militares têm poder de polícia e estão preparados para atuar nesses locais? A lei determina que a Aeronáutica pode interceptar os aviões nos céus, onde ela tem o poder de polícia, mas não pode abordar o avião quando ele pousa. Marinha, idem, ela pode abordar em alto mar, nos limites marítimos. Mas na costa, se tiver na praia, de quem é a competência? São aquelas zonas de sombra. Então o governo quis fazer a GLO para tentar explicitar isso, mas não explicitou. Quis fazer uma GLO trazendo os militares porque isso dá visibilidade. O problema de segurança é um problema de interagências. Se você observar as declarações do Flávio Dino (ministro da Justiça), do Ricardo Cappelli (secretário-executivo do MJ), elas vão no sentido de criar uma força-tarefa, que é um diagnóstico acertado. Só que a opção de circunscrever só alguns locais faz sentido para um diagnóstico como se fosse um quadro de virose, mas que não se consegue definir qual é o vírus.

    Como assim? Os portos e aeroportos escolhidos são base para a ação principalmente do PCC. A fronteira ali em Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul, é um ponto nevrálgico onde se estima que passam 60% da cocaína que transita no território brasileiro, sendo que o Porto de Santos e o Aeroporto de Guarulhos são como um hub de distribuição para a Europa. Essas rotas estão na mão do PCC. Então, essa ação é basicamente de combate ao PCC. Ela não atinge o Comando Vermelho, cujas rotas vêm do Norte do país, da Amazônia. Elas não atingem as milícias, que até têm vínculos com o tráfico de drogas, mas se financiam explorando o domínio territorial armado, taxas, serviços e afins dos territórios. É uma ação que tende a ser efetiva apenas em certa medida.

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    Quais outras medidas deveriam fazer parte desse pacote de segurança? Se ele foi justificado pela crise do Rio de Janeiro, precisava vir com medidas que afetam o Rio, como ações na fronteira do Norte, na Amazônia, ações que têm a ver com a retomada do controle territorial armado das áreas de milícias. O governo federal não quer fazer o policiamento, não quer substituir a Polícia Militar e a Polícia Civil, e isso tá certo, é um problema do Cláudio Castro. Mas ele pode fazer uma ação para coibir a corrupção policial. E corrupção policial não se combate com recursos do próprio estado, porque você precisa muito da União para ajudar o ente federado. Não dá para dizer que a coisa está totalmente equivocada, mas é um paliativo. E, se o motivo era o Rio, esse paliativo está mal receitado. Além de tudo, pode ter o efeito contrário, de parecer que está enfraquecendo as polícias.

    Enfraquecendo? A minha grande crítica é que a medida acerta na interagências, mas foca só no combate aos pontos do PCC. Ao fazer isso, ela não vem acompanhada do anúncio da reestruturação e do aumento dos cargos da PF e da PRF. Se essas são atribuições da Polícia Federal, poderiam chamar os militares para uma ação interagencial para dar uma força inicial para conseguir vencer o obstáculo, mas também teria de estruturar e capacitar a Polícia Federal para dar conta das insuficiências principalmente de pessoal. A reestruturação, no entanto, está parada. Ela daria um sinal de que a PF é importantíssima. No entanto, se acaba quase que enfraquecendo a polícia, porque parece que os militares vão ser chamados para fazer o trabalho dela.

    Mas na prática é isso, não? Na prática é isso. Mas dizem: ‘Agora vamos trabalhar juntos’. É verdade, mas a mensagem é horrível. E o crime organizado sabe muito bem o que faz. Além disso, o governo fala que vai agir com inteligência, mas não detalha o plano, o lado operacional. Todo mundo diz que está fazendo operação de inteligência e nunca acontece nada, não tem o resultado.  É fundamental que o escrutínio público saiba que existe inteligência e que o poder público pode ser investigado. Mas esse discurso político de que está se trabalhando com inteligência faz com que a gente precise acreditar demais no Estado.

    E é possível acreditar? O decreto é sucinto, ninguém sabe direito como vai se dar a interação entre as forças. Está no fio do bigode. Fica assim: ‘Estamos fazendo operações de inteligência, mas não podemos contar porque isso não se conta. A gente está trabalhando interagência, mas não pode dizer porque tem que esperar o plano operacional’. Então é aquela coisa, a gente acredita, mas vai pagar para ver. O que eu tenho ouvido de muitos policiais, muitos operadores, é que é uma resposta política. Enquanto resposta política, tende a baixar a temperatura, jogar água na fervura, mas depois tudo continua igual. Não muda a estrutura, não muda as coisas. É de novo um governo, seja ele de direita ou de esquerda, convocando as Forças Armadas para resolver problemas que seriam problemas das polícias.

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