No momento em que o presidente Jair Bolsonaro sinaliza com mais clareza a disposição de voltar atrás no discurso de campanha para disputar a reeleição em 2022 e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), movimenta-se com desenvoltura para construir sua candidatura ao Palácio do Planalto, o ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República Gustavo Bebianno, primeiro a ser demitido por Bolsonaro, vê o tucano mais “preparado” que o presidente como gestor. Por isso e pelo que enxerga como “instabilidade desnecessária” e “inabilidade” política do governo, o advogado carioca disse a VEJA que votaria em Doria se a eleição fosse hoje e ele tivesse Bolsonaro como adversário – “acho que ele não vai disputar, porque foi um compromisso de campanha dele que não disputaria”, pontua sobre o ex-chefe.
Ex-presidente do PSL e amigo de longa data do empresário Paulo Marinho, suplente do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e novo presidente do PSDB no Rio de Janeiro, Bebianno participou de um jantar em homenagem a Doria há duas semanas, na casa de Marinho – a mesma mansão que serviu como estúdio de gravação da campanha de Bolsonaro em 2018. O advogado nega, contudo, que tenha sido convidado por Doria para se filiar ao partido – ele reconhece ter recebido “sondagens” de algumas siglas.
“Doria é um cara que começou de baixo e que se fez. Tenho muita admiração por ele e enxergo nele um pacote muito grande de competências. Como gestor, como inciativa, como visão de mundo, acho que ele tem tudo para emplacar no futuro uma Presidência. Sempre o enxerguei como uma excelente opção para o Brasil, mas como ele não se viabilizou nas últimas eleições, ficou de fora, eu não tive nem que parar para pensar nesse dilema. Mas em termos de como executivo, gestor, de fato Doria tem mais bagagem, mais preparo [que Bolsonaro]”, avalia.
Demitido por Bolsonaro depois de um processo de fritura pública capitaneado pelo filho Zero Dois, Carlos Bolsonaro, Bebianno vê o ex-chefe como carismático e corajoso, sobretudo no enfrentamento ao PT, predicados que, em sua avaliação, poderiam fazê-lo “se transformar em um grande estadista”. O ex-ministro pontua, contudo, que “uma sucessão de equívocos de escolhas e muito foco em coisas miúdas que não interessam”, além da influência de Carlos, prejudicam o presidente.
Depois da demissão de Gustavo Bebianno, o expediente de queimar aliados se repetiu e outros integrantes do governo foram “fritados” publicamente por Bolsonaro ou Carlos antes de pedirem demissão ou serem demitidos. São os casos do ex-ministro da Secretaria de Governo, general Carlos Alberto dos Santos Cruz, e dos ex-presidentes do BNDES e dos Correios, Joaquim Levy e general Juarez de Paula Cunha.
“Por conta dessa instabilidade desnecessária e essa inabilidade que o Brasil todo percebe no trato com o Congresso e as instituições, hoje, a preço de hoje, eu votaria no Doria”, diz Gustavo Bebianno.
Com dificuldades de articulação política, Bolsonaro tem sofrido derrotas no Congresso – da retirada do Coaf do Ministério da Justiça e Segurança Pública à derrubada do decreto que facilitou o porte e a posse de armas, tema caríssimo ao presidente, passando pela devolução da atribuição de demarcar terras indígenas à pasta da Justiça.
A resposta do bolsonarismo online, insuflada por vezes pelos próprios Bolsonaro e Carlos, vem na forma de ataques a parlamentares, sobretudo aos presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP), tachados como expoentes da “velha política”. Ex-presidente do PSL, Bebianno observa à distância o comportamento errático das bancadas da legenda e diz não ver articulação sequer no partido.
“É muito preocupante essa falta de interlocução porque, na falta dela, o que sobra são ataques que enfraquecem as instituições, acabam tornando os ânimos mais acirrados. Parte da população acaba embarcando nesse conceito de que de um lado há instituições podres e do outro lado, os salvadores da pátria”
Diante da desarticulação do Planalto, o Congresso prepara uma agenda de propostas para a Economia, liderada por Rodrigo Maia. Ele recentemente classificou o governo como “fábrica de crises” e teve atritos com o ministro da Economia, Paulo Guedes, a respeito da reforma da Previdência.
Interlocutor frequente de Maia antes de sua demissão, Bebianno vê o presidente da Câmara mais próximo do liberalismo rezado na cartilha de Guedes do que Bolsonaro. “O presidente já não tem tanto essa visão econômica e está indo no vácuo do Paulo Guedes”, diz.