Espionagem escancara briga pelo comando da segurança
Enquanto Saulo de Castro luta para reassumir cadeira, delegados pedem exoneração de Antonio Ferreira Pinto; cúpula da segurança sofre mudanças
Nos últimos três dias ocorreu uma verdadeira dança das cadeiras na cúpula da segurança pública de São Paulo. A mudança que mais chamou atenção: o ex-delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, Marco Antonio Desgualdo, foi afastado da direção do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). A troca ocorreu uma semana após o surgimento de um vídeo, de um minuto e nove segundos, que escancarou a disputa de poder na área. Não pelo conteúdo, mas pela forma como foi vazado do circuito interno de um shopping da capital: por policias se fazendo passar por agentes em missão oficial. A Secretaria da Segurança Pública (SSP) e o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público Estadual, abriram inquéritos para apurar quem ordenou a espionagem. E por que. As imagens são de um encontro entre o secretário da Segurança, Antonio Ferreira Pinto, e um jornalista da Folha de S.Paulo. Os responsáveis pelo vazamento, ao divulgarem o vídeo, associaram o encontro à uma reportagem publicada dias depois pelo jornal, uma denúncia contra o chefe de estatísticas da secretaria, Túlio Kahn – que acabou demitido pelo governador Geraldo Alckmin sob suspeita de vender informações sigilosas a empresas privadas. Em nota, a secretaria informou que Antonio Ferreira Pinto “entendeu necessário” o afastamento de Desgualdo do cargo de confiança que exercia “em razão das apurações preliminares apontarem seu envolvimento no episódio”. Após a saída de Desgualdo, caiu do comando do Departamento de Administração e Planejamento (DAP) da Polícia Civil o delegado Maurício Souza Blazek. Do Departamento de Identificação e Registros Diversos (Dird) saiu o delegado Élson Alexandre Sayão. Essas últimas duas mudanças, segundo a Polícia Civil, são meramente administrativas. Oposição – A briga na segurança paulista tem origem na atuação do secretário Ferreira Pinto contra a corrupção na polícia desde que assumiu a pasta, em março de 2009, ainda no governo de José Serra. Ferreira Pinto anexou a seu gabinete a corregedoria da polícia civil, demitiu 298 agentes e expulsou ou exonerou outros 324. Desde então, enfrenta dura oposição de setores da corporação, a ponto de o Sindicato dos Delegados do Estado (Sindpesp) ter protocolado, em 2 de março, um pedido de exoneração do secretário. Representantes do sindicato afirmam ter solicitado, por três vezes, audiência com o governador para reclamar do trabalho de Ferreira Pinto, sem antes pedir uma conversa com o secretário. Nenhum encontro foi agendado. “Ferreira Pinto é inábil”, argumenta o presidente do sindicato, George Melão. “Se há policiais envolvidos com escândalos, divulgam o nome e a imagem deles como se fosse o maior criminoso do mundo. A corregedoria exagera na dose.” Na visão dos delegados, o secretário “joga contra” a Polícia Civil, por ter carreira na Polícia Militar – em São Paulo, a animosidade entre as corporações levou a uma troca de agressões entre agentes das duas corporações, em outubro de 2008, nos arredores do Palácio dos Bandeirantes. Enquanto os militares protegiam o perímetro de segurança da sede do poder estadual, civis forçavam os bloqueios para marchar em protesto até o gabinete do governador. Ao menos 15 pessoas ficaram feridas. Candidato à sucessão – O embarque, em janeiro, de Saulo de Castro no primeiro escalão do governo estadual aprofundou o cisma na segurança pública. Saulo chefiou a pasta entre 2002 e 2006, durante o segundo governo de Alckmin. Encerrou sua atuação com o estado traumatizado após ataques da facção criminosa PCC, em maio de 2006. Na onda de violência, morreram 564 pessoas.
Saulo tem formação jurídica, atuou como corregedor-geral da administração estadual e como presidente da extinta Fundação do Bem-Estar do Menor (Febem). De forma surpreendente, Alckmin o nomeou secretário dos Transportes em janeiro de 2010. A atitude foi vista por aliados de Ferreira Pinto como uma ameaça velada. Uma mudança na cúpula da segurança poderia vir a qualquer momento. A partir do ingresso de Saulo, passaram a emergir denúncias contra a secretaria, que culminaram com a espionagem no shopping. Antes disso, o vídeo de uma jovem escrivã sendo despida por policiais da corregedoria caiu na rede – dois anos após a filmagem. Acusada de esconder dinheiro de suborno na calcinha, a mulher foi algemada e teve a roupa tirada à força. Saulo não é unanimidade entre os opositores de Ferreira Pinto, mas goza de certo prestígio. “Doutor Saulo foi infinitamente melhor que Ferreira Pinto, o pior secretário de todos os tempos”, opina o delegado George Melão. “Ele sempre deu uma grande força para as duas polícias. Quando havia acertos, ele elogiava.” Em nota, a Secretaria de Segurança associou os últimos acontecimentos à existência de “inconformismo de uma pequena parcela de policiais prejudicados com a austeridade da política de segurança” após a recondução de Ferreira Pinto ao cargo. O silêncio de Saulo – Saulo de Castro tem mantido um conveniente silêncio a respeito dos golpes recebidos por Ferreira Pinto. Ainda assim, um silêncio ruidoso. Em evento da secretaria dos Transportes, o primeiro após o vazamento do vídeo do titular da Segurança, Saulo embrenhou-se em meio a convidados para fugir da imprensa e destratou jornalistas. Abordado, disse que não falaria. Ignorou até mesmo o pedido do chefe, Geraldo Alckmin, para esclarecer dúvidas dos repórteres a respeito da secretaria de que é titular. Antes do fim da entrevista do governador, sumiu em meio a convidados do evento. Encontrado por jornalistas, indagou: “O que você quer, cara? Eu lá vou falar em cima do que o governador falou!?” Diante da insistência, respondeu com “sim” e “não” a questionamentos sobre transportes. E, antes que se concluísse uma pergunta sobre Ferreira Pinto, deu as costas aos jornalistas.