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Erika Hilton: ‘Nem todo conservador é fascista’

Em entrevista a VEJA, deputada trans eleita fala sobre pautas que pretende discutir na Câmara e propõe uma CPI da Verdade do governo Bolsonaro

Por Victoria Bechara 31 out 2022, 15h07

Em 2020, Erika Hilton (PSOL) conseguiu o feito de ser a primeira mulher trans eleita vereadora em São Paulo. Após dois anos de experiência legislativa na maior cidade do país, ela se candidatou a deputada federal, ficou entre as dez mais bem votadas do estado e agora se prepara para ocupar a vaga em Brasília a partir de 2023. A trajetória até aqui, no entanto, não foi fácil.

Erika nasceu em Franco da Rocha e cresceu na periferia de Francisco Morato, ambas cidades da região metropolitana de São Paulo. Aos 14 anos, foi expulsa de casa pela família, que era extremamente religiosa. Morou na rua e precisou recorrer à prostituição para sobreviver. “Quando o fundamentalismo, a prática política fantasiada de fé adentrou a minha família, a relação que eles tinham comigo foi transformada. A partir disso, minha mãe começou a ser culpabilizada por não ter me batido, por ter me criado sem pai, e a ser levada para o discurso de que a minha alma seria punida”, conta.

Em entrevista a VEJA, Erika Hilton falou sobre os planos para a Câmara dos Deputados — elencou propostas e disse que quer propor uma CPI da Verdade para investigar o governo Jair Bolsonaro. Ela também disse acreditar que, mesmo em um Congresso majoritariamente conservador, haverá diálogo para debater pautas progressistas. “Não serei uma deputada que falará apenas de questões LGBTQIA+. Sou maior e capaz de legislar sobre outros temas”, afirma. 

Você foi a primeira mulher trans eleita deputada federal por São Paulo. Estar na Câmara, por si só, já é muito representativo. Mas o que você pretende fazer, na prática, para representar a comunidade LGBTQIA+ em Brasília? A gente vai precisar discutir tudo aquilo que envolve a vida das pessoas LGBTQIA+, que não é apenas a questão do direito ao nome, ao uso dos banheiros, o casamento igualitário e o direito à adoção. Precisamos falar sobre a fome, o desemprego, a ausência de políticas de habitação, o teto de gastos, que também são exercícios legislativos de atendimento às demandas da população LGBTQIA+. É essa população que está nas ruas, que é expulsa de casa, que tem mais dificuldade na educação. Também falamos na construção de mais centros de cidadania e mais casas de acolhimento em todo o país, sonhamos com a federalização do programa Transcidadania. Vamos batalhar por essas pautas.

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Quanto o Brasil retrocedeu em relação às políticas públicas para pessoas LGBTQIA+ no governo Bolsonaro? O Brasil sempre foi omisso na produção legislativa de políticas para a população LGBTQIA+, mas durante o governo Bolsonaro nós entramos em um abismo. Não é a toa que uma das minhas propostas é fazer uma CPI da Verdade para investigar o quanto o Brasil retrocedeu em políticas públicas em todas as áreas. Não serei uma deputada que falará apenas de questões LGBTQIA+. Não me reduzirei. Sou maior e capaz de legislar sobre outros temas. O Brasil retrocedeu em tudo e, sem sombra de dúvida, retrocedeu no que diz respeito às políticas para a comunidade LGBTQIA+. 

O Brasil elegeu um Congresso mais conservador este ano. Como discutir pautas progressistas neste cenário? O Centrão se movimenta conforme a música que toca. Acho que através do diálogo será possível avançar. Apesar de ter um aumento do conservadorismo, nem todo conservador é fascista. É com esses conservadores que nós precisamos dialogar a partir do que diz a Constituição, a partir da necessidade de assegurarmos direitos básicos e civis, da defesa do estado democrático de direito. É apelando à Constituição e ao bom senso, até mesmo de conservadores, que nós pretendemos avançar em pautas importantes. 

E quais são essas pautas? O enfrentamento à fome, a derrubada do teto de gastos, a derrubada da PEC do congelamento na área da saúde. Essas são pautas que, para mim, são prioritárias. Além de políticas de habitação, enfrentamento ao desemprego, orçamento para a cultura, investimento na área de pesquisa, retomada das questões ambientais, que foram totalmente devastadas no governo Bolsonaro. 

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O deputado federal mais votado do país foi o Nikolas Ferreira (PL-MG). Quando ele se elegeu vereador em 2020, ele disse que a vereadora trans — também eleita deputada federal — Duda Salabert (PDT-MG) era um “homem de saia”. Como combater a  transfobia na Câmara? A gente ainda está entendendo como vamos lidar com os horrores que estão sendo colocados neste país. Precisaremos de um bom trabalho de base, de um bom diálogo com a sociedade. Mas ainda não temos uma resposta pronta para isso porque são muitas frentes capazes de nos fazer dialogar com o Brasil e enfrentar esses horrores da violência, do preconceito, da intolerância, da mentira. Estamos estudando quais são as melhores formas de enfrentar o ódio que se alastrou pelo país. 

Você contou que sofreu em casa por conta do fundamentalismo religioso, que também está muito atrelado à política hoje em dia. O fundamentalismo já existia antes do Bolsonaro, mas com a chegada dele tivemos uma crescente brutal. O Bolsonaro se utilizou disso para cooptar setores importantes da sociedade, para levar religiosos para o lado dele como se ele tivesse algum compromisso com a fé ou a religião. Mas o fundamentalista só tem compromisso com os seus próprios interesses, com o controle da sociedade, a implementação da sua política. É um projeto político macabro que vai na contramão de todos os princípios cristãos. 

A Câmara foi bastante influenciada pelo orçamento secreto nessa legislatura. Você já se posicionou contra algumas vezes. Como pretende enfrentar isso nos próximos anos? O orçamento secreto é algo difícil de ser diluído, mas precisa ser diluído. Com a eleição de Lula, teremos capacidade de começar uma discussão, pressionando também o STF para dar continuidade às ações que já estão tramitando. 

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Pretende buscar a presidência da Câmara ou de alguma comissão? A presidência provavelmente não. Mas talvez alguma comissão, estamos estudando algumas, como direitos humanos ou mulheres. 

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