Diariamente, o carioca gasta, em média, uma hora e 48 minutos para ir e vir do trabalho. Para os paulistanos, o sofrimento é apenas um pouco menor: uma hora e 36 minutos, em média. Os dados são de uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (FGV-RJ), que mostrou que esse tempo perdido nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo gera um prejuízo de 62,1 bilhões reais por ano.
Reunidos no Rio para o Velo-city, conferência internacional sobre transporte por bicicleta, que ocorreu em junho, cicloativistas brasileiros são categóricos ao afirmar que o próximo presidente da República precisa encarar a mobilidade urbana como política de Estado.
“É o grande desafio das cidades contemporâneas, em todas as partes do mundo. A opção pelo automóvel, que parecia ser a resposta eficiente do século 20 à necessidade de circulação, levou à paralisia do tráfego, com desperdício de tempo e de combustível. Além de problemas ambientais, como a poluição atmosférica e a ocupação do espaço público”, diz a arquiteta carioca Letícia Quintanilha.
“No Brasil, a frota de automóveis e motocicletas teve crescimento absurdo nos últimos dez anos graças a incentivos fiscais, como a redução do IPI. Na minha opinião, acho que o presidente eleito precisa pensar numa política de incentivo às bicicletas, para torná-las mais acessíveis”, afirma ela, que ainda não sabe se vai votar em Guilherme Boulos (PSOL) ou em Manuela D’Ávila (PCdoB).
Para a designer curitibana Yasmin Reck, o país avançou pouco desde a aprovação da Lei de Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU), sancionada pela presidente Dilma Rousseff (PT), em 2012, após 17 anos tramitando no Congresso, que prioriza o pedestre, o ciclista e o usuário de transporte público.
Ela, que tinha prometido a si mesma só votar em mulher, está encantada com o discurso do candidato do PSOL. “Entre as suas propostas, me chamou a atenção a que sugere a desapropriação de imóveis ociosos ou abandonados nas regiões centrais das cidades para construção de moradias populares. Durante décadas, os mais pobres foram jogados para a periferia. Ao defender o direito à moradia próxima ao trabalho e à oferta de serviços sociais, ele contempla a mobilidade urbana também”, acredita.
Também eleitora de Boulos, a jornalista Melissa Noguchi diz ter a certeza de que o candidato, por ter uma visão socialista e discurso de enfrentamento à desigualdade social, certamente vai estender a discussão à mobilidade. “Falar disso é debater também democracia. Devemos ter a liberdade de escolher como vamos nos deslocar. Os meios de transportes também são um direito! Quero poder decidir como vou circular por minha cidade, por exemplo. Hoje, isso é imposto, já que as opções são poucas. Moro em Belém (PA) e uso a bicicleta para ir a quase todos os lugares, mas, confesso, tenho um pouco de medo. Falta segurança pública e, principalmente, segurança no trânsito. O governante que ganhar as eleições de outubro, seja ele quem for eleito, precisa querer resolver isso”, diz ela.
Segundo Melissa, outro ponto que pode ser revisto são as aulas na autoescola. “Os aprendizes leem essa parte do Código de Trânsito (sobre ciclistas) por alto. Não é à toa que muitos motoristas desconhecem que precisam manter uma distância de 1 metro e meio ao passar ou ultrapassar uma bicicleta.”
Já a doutoranda em engenharia de transporte da Coppe/UFRJ Lorena Freitas lembra que a mobilidade urbana também demanda calçadas confortáveis, niveladas, sem buracos e obstáculos. Segundo pesquisas, um terço das viagens realizadas nas cidades brasileiras é feito a pé ou em cadeiras de rodas. “É preciso que o próximo eleito se preocupe em garantir um transporte público inclusivo de qualidade. No Rio de Janeiro, por exemplo, vemos que o acesso para pessoas com algum tipo de deficiência é um pouco melhor na Zona Sul. Nas outras regiões da cidade, contamos nos dedos os bairros que têm uma quantidade razoável de calçadas com rampas de acesso aos cadeirantes. Encontrar um ônibus com elevador para cadeirantes circulando por esses lugares é uma missão quase impossível. É dever do presidente conscientizar e estimular o engajamento da população nessa causa”, afirma.
“Seria fundamental garantir uma verba federal para subsidiar o transporte inclusivo. Mas uma fiscalização, para garantir que os recursos federais estejam realmente sendo usados para esse fim, é fundamental”, propõe ela, que vai votar em Manuela.
Já o designer carioca Leonardo Jansen diz que resolveu votar em Ciro Gomes (PDT) ao ouvir propostas do candidato, que defende transporte de massa qualificado. “Enquanto acreditarmos na necessidade de um carro para apenas uma ou duas pessoas irem trabalhar ou estudar, gastando combustível fóssil, vamos continuar matando o planeta e prejudicando a qualidade de vida. Ampliar as possibilidades de mobilidade dos cidadãos estimulando o uso do transporte coletivo, com melhorias na ligação entre eles, acho que seja mesmo o caminho para a construção de cidades sustentáveis e boas de se viver”, diz.
O empresário curitibano Yuri Breckenfeld também já decidiu votar no pedetista, mas por outros motivos além do transporte. Para ele, a promessa de fazer um ajuste fiscal foi o que mais chamou sua atenção. “Hoje, o pobre acaba pagando mais taxas. Não se trata de defender aumento de impostos, trata-se de justiça tributária”, afirma.
“Sem dúvidas, o Ciro é um candidato antenado e, claro, também vai pensar em mobilidade. Afinal, essa é uma tendência mundial. Pensar em soluções para o deslocamento das pessoas nas cidades deixou de ser uma bandeira política, partidária. Hoje, é uma questão de consciência.”