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‘Bolsonaro traiu os evangélicos’, diz conselheiro de Sergio Moro

Para o advogado Uziel Santana, coordenador do núcleo da campanha do ex-juiz voltado ao eleitor cristão, presidente não inspira confiança

Por Rafael Moraes Moura Atualizado em 11 dez 2021, 11h57 - Publicado em 11 dez 2021, 10h08
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  • A Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) é uma entidade que reúne 800 membros em todo o País e passou a ganhar mais protagonismo político na principal arena jurídica do País ao longo dos últimos anos, culminando com a polêmica decisão do ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), que autorizou a realização de missas e cultos em todo o País em plena Páscoa. A decisão do ministro foi tomada na análise de uma ação movida pela própria Anajure, que também acompanha com lupa temas da chamada “pauta de costumes”, como a discussão da “ideologia de gênero” nas escolas. Com canal direto com o Palácio do Planalto, a entidade passou a firmar posição e assumir publicamente a defesa de nomes para postos estratégicos do Judiciário, como o do pastor presbiteriano André Mendonça para o STF e o da advogada eleitoral Maria Claudia Bucchianeri para uma vaga no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

    Por isso é de chamar a atenção os últimos movimentos do advogado sergipano Uziel Santana, que se afastou da presidência da Anajure, se descolou de Jair Bolsonaro — em quem votou em 2018 — e aceitou a missão conferida por um amigo pessoal, o ex-ministro Sergio Moro, para coordenar um núcleo da campanha do presidenciável dedicado ao eleitorado evangélico. “Bolsonaro traiu os evangélicos”, diz Uziel, escancarando a perda de apoio do chefe do Executivo num segmento que foi crucial para a sua vitória na última eleição presidencial.  Professor da Universidade Federal de Sergipe, Uziel recebeu na última quarta-feira, 8, a Ordem do Mérito de Rio Branco, por seu trabalho com refugiados do Iraque e da Síria, em solenidade que contou com a presença do próprio Bolsonaro. Abaixo os principais trechos da entrevista de Uziel concedida a VEJA.

    Qual a diferença dos projetos de Moro e Bolsonaro para os evangélicos? 
    O segmento evangélico não é gado de homens, é rebanho de Deus. Por isso mesmo, ao contrário do bolsonarismo, o projeto de Moro considera os evangélicos na medida da sua importância histórica, cultural e social, não como cidadãos sem capacidade crítica que depositam suas esperanças em um mito.

    Moro tem mais chances que o ex-presidente Lula de “arrebanhar” votos de evangélicos arrependidos com Bolsonaro?
    Acredito que sim, porque uma grande parte do segmento evangélico ficou órfão depois de tudo que aconteceu no governo Bolsonaro. Não temos hoje uma liderança na Presidência que inspire a confiança necessária de que estamos dentro de um projeto de Brasil com início, meio e fim. Com Moro, temos a possibilidade de fazer do segmento evangélico, e cristão em geral, braço cooperativo do Estado. É impossível o Estado realizar todo o serviço de educação, saúde, filantropia, atendimento aos grupos mais vulneráveis.

    Como isso funcionaria na prática?
    Num eventual governo Moro, as igrejas e organizações religiosas em geral, as que realizam assistência social, terão democraticamente o mesmo acesso a verbas públicas disponíveis para o chamado terceiro setor, mesmo que sejam de um grande líder de São Paulo ou de um pequeno pastor do interior de Sergipe. Isso vai ser mais democratizado.

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    Até aqui, como tem sido a recepção de lideranças evangélicas a Moro?
    Impressionante. Muitos presidentes de denominações têm me dito que, depois dos graves erros do governo Bolsonaro, um grande sentimento de frustração tomou conta das suas igrejas. Havia uma esperança num projeto de transformação da sociedade e das estruturas de poder. Mas tudo isso ruiu na medida em que o próprio presidente não se demonstrou hábil para levar este projeto de transformação adiante. Ao contrário, voltou, sem receios, ao fisiologismo e patrimonialismo políticos.

    Quais foram os principais erros cometidos por Bolsonaro?
    O presidente foi eleito com base num tripé conjuntural: o combate à corrupção, tendo em vista tudo que a Lava-Jato revelou, a desconstrução dos valores cristãos e a necessidade de ruptura com a velha política, a do ‘toma lá da cá’. No entanto, nos primeiros meses do seu governo, ele logo abandonou a pauta de combate à corrupção, sabotando o pacote anticrime proposto por Moro. Em seguida, apesar de não propor pautas que são contra os valores cristãos, em temas como liberdade religiosa, retrocedemos. Mesmo temas mais conservadores como o homeschooling, promessa de campanha, até hoje dormita em alguma gaveta do Congresso sem apoio do Executivo. Por fim, aderiu de peito aberto ao fisiologismo de políticos que não têm nenhum compromisso com a coisa pública. Além disso tudo, esse discurso de ruptura institucional, como aconteceu meses antes e na véspera do Sete de Setembro, foi como a cereja do bolo para conservadores democráticos perceberem que o bolsonarismo é uma ideologia política tão desagregadora quanto o lulopetismo.

    Bolsonaro também fracassou no enfrentamento da pandemia.
    Sim. Poderia ter agido como um grande líder em união com governadores e prefeitos, mas perdeu essa oportunidade ao simplesmente incentivar um acirramento de ânimos entre os poderes. Tanto é assim que aquele famoso discurso dele de chamar a Covid-19 de “gripezinha” foi criticado por quase todo o segmento evangélico, inclusive a Anajure. Em suma, Bolsonaro perdeu a oportunidade de unir o país na pandemia. E as esperanças que tínhamos de um projeto de governo que visava aos melhores valores da sociedade acabou naufragando com o desembarque dos melhores quadros que tinha por perto, como o caso do Moro.

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    A indicação de André Mendonça para o STF não foi um importante aceno eleitoral de Bolsonaro para a população evangélica?
    É importante, mas não devemos pensar que Mendonça está a serviço de um governo ou de líderes religiosos. Também não creio que isso seja uma garantia de que grupos evangélicos estarão com o presidente da República. Todo mundo sabe que em algum momento o governo abandonou literalmente Mendonça na caminhada por votos no Senado, a ponto de ele ter a menor votação da atual composição do STF. Diante do que vimos, podemos assentir que foi a Frente Parlamentar Evangélica, junto com partidos como o Podemos e o apoio decisivo da primeira dama, Michele Bolsonaro, que garantiram a vitória dele.

    O senhor se arrepende de ter votado em Bolsonaro em 2018?
    Em 2018, nós votamos na única opção que tínhamos pra derrotar um modelo de governo que estava assentado na corrupção. Nesse sentido não me arrependo do voto que dei, mas em 2022 — e isso nós temos dito a alguns líderes pentecostais e neopentecostais — não vamos ter uma única opção mais à direita. Agora temos um projeto de um conservador equilibrado, moderado e democrático.

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