A criação da figura do juiz de garantias na Justiça brasileira, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro no fim de dezembro, tem até o próximo dia 23 de janeiro para ser implementada nos tribunais do país. Enxertada pelo Congresso no pacote anticrime do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, a despeito da vontade dele, a medida inclui nos processos um juiz que se encarrega da condução do inquérito até a decisão sobre denúncia do Ministério Público. Depois, um juiz de instrução assume a ação e se responsabiliza por ela até a sentença.
Embora autoridades como o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, não vejam dificuldades para a implementação da medida, apesar do tempo curto, algumas entidades ligadas à magistratura, sobretudo a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), preveem problemas no processo.
O maior empecilho apontado é o número insuficiente de juízes e o principal efeito, a criação de despesas com as quais os judiciários estaduais e o federal não poderiam arcar. Diante das dificuldades, a Procuradoria-Geral da República opinou que o prazo para implementação do juiz de garantias “não é suficiente”. “Assim, é importante que o CNJ oriente os Tribunais a estabelecerem cronogramas de implantação durante o ano de 2020.”
Veja abaixo os principais problemas ao juiz de garantias:
Número insuficiente de magistrados
Segundo levantamento do Conselho Nacional de Justiça, o Brasil tem um déficit de 20% nos postos de juiz, o equivalente a 4.400 vagas, enquanto 19% das comarcas estaduais e 20% das subseções da Justiça federal possuem apenas um magistrado. A necessidade da atuação de dois juízes desde o inquérito até a conclusão do processo implicaria, segundo a AMB, na contratação de ao menos mais de 2.000 novos magistrados estaduais e federais, a um custo estimado pela associação em 1,1 bilhão de reais por ano.
Rodízio de juízes
Para os casos em que houver apenas um juiz em uma comarca estadual ou subseção federal, a lei sancionada por Bolsonaro prevê “rodízio”: o magistrado de outra jurisdição atua como juiz de garantias em processos sob a jurisdição do colega, e vice-versa. Custos extras com deslocamento e diárias dos magistrados, sobretudo em estados com grandes distâncias entre comarcas, são apontados como dificuldade nestes casos. Ao criticar o rodízio, o ministro Sergio Moro escreveu que, para ele, “é um mistério o que esse ‘rodízio’ significa. Tenho dúvidas se alguém sabe a resposta”.
Processos não digitalizados
Ainda sobre o rodízio de juízes, a Associação de Magistrados Brasileiros cita processos que ainda não tenham sido digitalizados, isto é, tramitem só em papel, como outro problema. A associação aponta que o transporte das ações gerará gastos “com os quais muitos tribunais não podem arcar”.
Em memorando ao CNJ, a PGR afirma que “parece aconselhável, portanto, que os tribunais estabeleçam um cronograma de implantação de juiz de garantias concomitante com a existência de 100 % de processos judiciais e inquéritos policiais em formato eletrônico”.
Audiências de custódia
A insuficiência de juízes também se torna um problema à implementação do juiz das garantias, conforme a AMB, à medida que as audiências de custódia, nas quais presos são levados ao magistrado para decidir pela continuidade ou não da detenção, só podem ser realizadas presencialmente. Segundo a associação, sem a possibilidade de audiências por videoconferência, a condução de pessoas presas a um juiz de garantias em outra comarca também geraria despesas extras, a exemplo da escolta.
Para a PGR, “para a efetiva implementação do juiz de garantias é importante que todos os atos dos tribunais prevejam o uso de videoconferência em todas as audiências, inclusive, as de custódia”.
Processos com ritos próprios
A existência de processos com ritos próprios, diferentes dos comuns, como os oriundos da Lei Maria da Penha, os abertos em juizados criminais ou os do Tribunal do Júri, também é citada como limitante à implementação do juiz de garantias. No caso da lei criada para punir violência contra a mulher, por exemplo, os magistrados das varas especiais, impedidos de atuar na fase do inquérito, não poderiam decretar medidas de urgência para proteger vítimas. A AMB e a PGR pedem que o juiz das garantias não atuem processos como estes.