Uma das maiores surpresas da última disputa eleitoral, em 2018, quando pôs João Amoêdo no quinto lugar da corrida presidencial (2,6 milhões de votos), elegeu oito deputados federais, doze estaduais e o governador do segundo maior colégio eleitoral do país (Minas Gerais), o Novo enfrenta, dois anos depois, uma série de dificuldades geradas pelas próprias bandeiras que prometeu empunhar. Criada formalmente em 2015, na esteira da debacle dos partidos tradicionais, a legenda consolidou a sua identidade ancorada numa plataforma liberal e prometendo adotar na política e no setor público estratégias de eficiência do meio empresarial. Algumas iniciativas, porém, como abrir mão do fundo eleitoral, recusar coligações, impor regras duras para a abertura de diretórios municipais e, principalmente, exigir processo seletivo para escolher candidato, levaram a agremiação a lançar um número muito reduzido de concorrentes no pleito municipal de 2020. Com chapas “puro-sangue”, trinta filiados disputarão as prefeituras, número só maior que o dos nanicos-radicais-esquerdistas PCB, PCO e Unidade Popular. O presidente nacional do Novo, Eduardo Ribeiro, não se preocupa e diz que está tudo dentro do planejado. “A estratégia de crescimento é sustentável”, garante.
Embora seja uma atitude bastante digna tentar manter um diferenciado padrão moral, o exagero de determinadas posições faz o partido descartar até as regras básicas e absolutamente normais do jogo eleitoral. Nesse sentido, o caso de Minas é emblemático. É comum que os partidos se valham do peso político de seus governadores para impulsionar candidatos a prefeito e a vereador, que, por sua vez, acabam servindo de base para a eleição de deputados estaduais, federais, senadores e dos próprios governadores, um ciclo que se retroalimenta de dois em dois anos. Mas o Novo resiste a colocar a bola em campo. No estado que tem o maior número de municípios (853), a legenda terá três candidatos a prefeito: em Belo Horizonte, Contagem e Araxá, terra natal do governador, Romeu Zema.
A situação é ainda pior em outras grandes cidades do estado, como Juiz de Fora e Poços de Caldas, onde o Novo lançou somente nomes para a Câmara. Governistas sonhavam com candidatos em oitenta municípios, mas as exigências fizeram a meta minguar para trinta, depois dezenove, até chegar a cinco. “Nem o governador nem nós acreditávamos que seriam tão poucos”, lamenta o presidente do Novo em Minas Gerais, Ronnye Antunes. Em Juiz de Fora, que tem 573 285 habitantes, o processo seletivo não encontrou nenhum candidato a prefeito no padrão desejado. “A questão de o partido ter ficado muito restritivo me gerou um desconforto. Estou tendo de apoiar alguns poucos candidatos que eram do Novo, me ajudaram na campanha, acreditaram na causa e agora estão disputando por outro partido”, lamenta Zema, que empresta o seu prestígio a aliados no Patriota e no Podemos, entre outros.
Ironicamente, esse mesmo processo seletivo que tirou a sigla da disputa em alguns locais por falta de candidatos permitiu que fosse escolhido na maior cidade do país, São Paulo, um nome que acabou retirado do páreo pelo próprio partido — decisão depois derrubada pelo TSE, que liberou a campanha. O empresário Filipe Sabará foi aprovado no vestibular do Novo e, na convenção, teve a sua candidatura registrada, mas acabou suspenso após episódios que causaram desconforto. Primeiro, mostrou-se um simpatizante do governo Jair Bolsonaro. Depois, fez elogios a Paulo Maluf, evocando a lendária máxima do ex-prefeito do “rouba, mas faz”. Para complicar, apresentou um currículo com supostas inconsistências e ratificou a sua declaração de bens à Justiça Eleitoral — seu patrimônio saltou de apenas 15 686 reais para 5 milhões de reais. Após um puxão de orelha público de Amoêdo, o Novo suspendeu seus direitos de filiação. Sabará se diz perseguido por Amoêdo e por uma suposta “ala esquerdista” da sigla por ser de direita.
Se pode ser visto como uma tentativa louvável de não deteriorar o partido, o cuidado com a expansão desenfreada também teve o efeito colateral de não diversificar o perfil do Novo, que se mantém como uma legenda de ricos, brancos e diplomados. Entre os 620 que tentam ser vereador, prefeito ou vice, 21% são empresários ou diretores de empresa. Dos trinta candidatos a prefeito, 29 são homens (a única mulher é Juliana Benicio, de Niterói), 24 estão no Sul-Sudeste e vinte têm patrimônios superiores a 1 milhão de reais, o que aumenta a chance de financiarem as próprias campanhas. É o caso do doutor João Guilherme, médico e candidato à prefeitura de Curitiba, que investiu 445 000 reais do próprio patrimônio — que soma 13 milhões de reais. A radiografia das candidaturas inclui 80,8% de brancos (muito acima dos 47,8% da eleição como um todo) e 83,9% com ensino superior completo (média de 24,4% no geral).
Na opinião de especialistas, o Novo pode sobreviver por muito tempo como partido pequeno, de nicho, que sempre vai ter um eleitorado que gosta das suas bandeiras, que vota nele e elege alguns políticos, mas não vai além disso. “Ou fica assim ou se transforma, adotando uma postura mais pragmática”, diz o cientista político Cláudio Couto, da FGV. Essa é uma discussão que deve crescer dentro da sigla até a disputa de 2022, quando tentará renovar o mandato de Zema e de sua bancada parlamentar. Crescer ou não crescer, essa será a questão.
Publicado em VEJA de 7 de outubro de 2020, edição nº 2707