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Após queda de Salles, há poucos sinais de mudança na política ambiental

Governo tem a chance de corrigir a desastrosa política que transformou o país no vilão do planeta

Por Eduardo Gonçalves Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 13h33 - Publicado em 25 jun 2021, 06h00
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  • ANTIMINISTRO - Salles, em defesa dos madeireiros: a saída foi causada pela preocupação com as duas investigações no STF -
    ANTIMINISTRO - Salles, em defesa dos madeireiros: a saída foi causada pela preocupação com as duas investigações no STF – (Reprodução/Twitter)

    Por causa de uma lente ideológica distorcida e de interesses políticos de curto prazo, o governo Bolsonaro tem provocado prejuízos enormes ao investir em falsas dicotomias. Assim tem sido durante a crise sanitária, marcada desde o início pela maior preocupação com a economia, algo explicitado mais de uma vez pelo presidente, sempre de olho em obstáculos que podem dificultar sua reeleição. Como resultado da resistência em relação às medidas necessárias, como a vacinação em massa e célere, não se preservaram vidas, tampouco os empregos. Problema semelhante ocorre na área do meio ambiente, na qual as regras de exploração e uma rigorosa fiscalização passaram a ser vistas como entraves ao desenvolvimento do agronegócio — embora não sejam excludentes, muito pelo contrário. Apesar de não faltarem sinais nessa direção, o presidente Jair Bolsonaro até hoje não entendeu que a preservação de biomas como a Floresta Amazônica tornou-se um importante ativo nas relações internacionais e tem hoje muito mais valor do que um avanço predatório sobre essas riquezas. Graças a esse tremendo equívoco, o país passou de exemplo positivo na área ambiental para ser visto no exterior como um grande vilão. Aos olhos do mundo, o Brasil transformou-se numa nação que age contra a conservação, desmatando a floresta e protegendo gente que atua na ilegalidade, como madeireiros e garimpeiros criminosos. Um desastre.

    Por suas atitudes, conduta e falas (quem não se lembra do “passar a boiada”, dito naquela fatídica reunião de ministério?), a personificação dessa política catastrófica foi o ministro Ricardo Salles. Em pouco mais de dois anos à frente da área, Salles desmantelou órgãos de controle como o Ibama, dificultou a aplicação de multas, demonizou ONGs, posou orgulhoso ao lado de suspeitos de cometer graves infrações e colheu recordes de desmatamento na Amazônia, que perdeu nos trinta meses de sua gestão uma área de cerca de 20 500 quilômetros quadrados, o equivalente ao território de Israel. Embora tenha acumulado prestígio junto à ala ideológica do governo, passou recentemente a ser visto como ameaça ao Palácio do Planalto ao se tornar alvo de duas investigações no STF por suspeita de corrupção, prevaricação e favorecimento a empresários. A pressão sobre ele aumentou em maio, quando a PF bateu às portas de endereços ligados a Salles em busca de provas. O ministro tentou ainda resistir no cargo, mas acabou entregando os pontos na última quarta, 23, quando pediu exoneração do posto.

    NOVO TITULAR - Leite, com o presidente: conselheiro por mais de duas décadas de entidade ruralista -
    NOVO TITULAR - Leite, com o presidente: conselheiro por mais de duas décadas de entidade ruralista – (//Reprodução)

    Cada vez mais acuado com as investigações, o ex-ministro parou de fazer aparições públicas, sumiu por alguns dias do gabinete em Brasília e não participou de reuniões importantes do Conselho da Amazônia. Mas os rumores de uma possível saída haviam diminuído nos últimos dias, quando o presidente decidiu sair em sua defesa. Bolsonaro convocou o então ministro a ir à recente motociata em São Paulo e, na terça 22, fez rasgados elogios ao subordinado em um discurso: “Você faz parte dessa história, Ricardo Salles, desse casamento da agricultura com o meio ambiente, foi um casamento quase perfeito”. A separação repentina, porém, foi inevitável. Conforme revelou a coluna Radar, de VEJA, o presidente aceitou a exoneração após receber a informação de que uma leva de novas provas contra Salles (sigilos bancários e telefônicos) havia sido enviada ao STF e poderia contaminar o governo. Com a sua demissão, o caso deve mudar de instância, de investigadores e pode poupar o governo daquilo que seria um dos maiores constrangimentos desta gestão: uma possível prisão de Salles (isso num momento em que o governo está fragilizado pela suspeita de que Bolsonaro teria feito vistas grossas às denúncias de negociação heterodoxa de compra da vacina indiana Covaxin).

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    DESTRUIÇÃO - Área desmatada (ao lado) e visão aérea de garimpo ilegal no coração da Amazônia: o afrouxamento da fiscalização multiplicou os danos -
    DESTRUIÇÃO - Área desmatada (ao lado) e visão aérea de garimpo ilegal no coração da Amazônia: o afrouxamento da fiscalização multiplicou os danos – (Caio Guatelli/Carlos Fabal/AFP)

    Nos últimos dias haviam crescido as especulações de que o delegado Franco Perazzoni, responsável pelo inquérito, poderia pedir a prisão de Ricardo Salles por tentativa de obstruir as investigações. Para piorar, o ministro do STF Alexandre de Moraes ainda teria emitido sinais de que poderia aceitar uma solicitação nesse sentido. Um fato concreto ajuda a corroborar a tese. De forma inesperada, Perazzoni chegou a ser dispensado do cargo de chefe da Delegacia de Repressão à Corrupção e Crimes Financeiros do Distrito Federal no dia 17, por decisão da direção da instituição. Dentro da corporação, o movimento foi interpretado como uma retaliação por parte do governo, pois ele ainda estava em processo de ser promovido, o que não aconteceu. Para estancar a pressão e um desfecho desfavorável, o ministro Salles, então, teria decidido sair de cena. Com o seu desligamento, o inquérito agora sai das mãos de Moraes e migra para algum juiz federal de Brasília. Detalhe: no mesmo dia em que pediu demissão, Salles correu para informar oficialmente ao STF que não era mais ministro.

    Para além da questão ética, sua saída pode se tornar uma ótima notícia para o governo também na esfera ambiental. Os efeitos da desastrosa política de Salles já eram sentidos em vários setores — proprietários rurais e banqueiros — que antes apoiavam a gestão de Bolsonaro. Em junho de 2020, 29 grandes fundos de investimento, que administram nada menos que 4,1 trilhões de dólares, enviaram uma carta às embaixadas pedindo ação contra o desmatamento na Amazônia. Os gestores citavam nominalmente Ricardo Salles, que, segundo o texto, “usou a crise da Covid-19 a fim de pressionar pela desregulamentação ambiental”. De lá para cá, as evidências de que as decisões da pasta só trariam prejuízo ao agronegócio apenas aumentaram. Um estudo coordenado por pesquisadores brasileiros e publicado em maio na revista científica Nature Communications indicou que o crescente desmatamento na região poderia causar um prejuízo de até 5,7 bilhões de reais por ano até 2050. De acordo com o artigo, a devastação aumenta a falta de chuva e perda de biodiversidade na porção sul da Floresta Amazônica, culminando na queda de produtividade e, consequentemente, da receita das atividades ligadas ao campo.

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    FLECHADAS - Manifestação no Congresso: acusação de tirar direitos indígenas -
    FLECHADAS - Manifestação no Congresso: acusação de tirar direitos indígenas – (Sergio Lima/AFP)

    No mundo ideal, a saída de Salles deveria vir junto com sinais do governo de que haverá uma correção na rota da política ambiental. Infelizmente, os primeiros sinais emitidos pelo Palácio do Planalto foram decepcionantes. Quem assumirá o cargo é Joaquim Leite, considerado braço direito de Salles na pasta. Ainda não está claro se o substituto pretende mudar a linha de atuação no ministério, mas a expectativa lá dentro é baixa. Servidores do Meio Ambiente dizem, inclusive, que a escolha dele foi um pedido do agora ex-ministro a Bolsonaro, que o teria acolhido sem contestar. “Mais do mesmo”, diz um agente que atua há mais de dez anos no Ibama. A impressão é corroborada por Marina Silva, que chefiou o Meio Ambiente entre 2003 e 2008. “Fica muito difícil de ter uma perspectiva real de mudança quando o ministro que foi nomeado estava na Secretaria da Amazônia, na base de apoio direta a Ricardo Salles”, afirma.

    arte Desmatamento

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    De fato, ambos são bastante ligados. Os dois já se conheciam há alguns anos, quando trabalharam juntos na Sociedade Rural Brasileira (SBR). Salles era advogado da entidade e Leite atuava como conselheiro da instituição. Sua família, aliás, é uma das pioneiras em produção de café no interior de São Paulo. Consta em seu currículo que ele foi proprietário e administrador da fazenda Alvorada, no interior paulista, de 1991 a 2002. Foi Salles quem o tirou da iniciativa privada e o nomeou como diretor do Departamento Florestal do ministério, em 2019. Depois, ele ascendeu na pasta ao assumir a Secretaria da Amazônia e Serviços Ambientais, criada no ano passado. O novo titular do Meio Ambiente passou 23 anos como conselheiro da SRB, que desde o anúncio do nome de Salles foi simpática ao ministro. Em 2018, o então presidente da entidade, Marcelo Vieira, enviou uma carta a Jair Bolsonaro aplaudindo a escolha e exaltando “competência” e “conhecimento” do agora ex-ministro para “conciliar o crescimento do agronegócio às exigências de uma produção sustentável e de acordo com o Código Florestal”.

    Não ficou ainda claro se Bolsonaro vai bancar até o fim a aposta em Leite ou se o novo titular terá apenas um mandato-tampão. Independentemente do nome, o fundamental é a correção rápida de rumos. A pressão de fora talvez possa ajudar na mudança. No cenário internacional, a luta pela defesa do meio ambiente e contra o aquecimento global passou na última década de uma questão secundária para o centro da discussão diplomática e econômica mundial. Nos Estados Unidos, Joe Biden assumiu as rédeas do governo com um projeto ambicioso em prol do planeta. Antes mesmo de completar seis meses no cargo, o democrata reverteu as principais ações de seu antecessor, Donald Trump. Em abril, na Cúpula de Líderes sobre Clima, promovida virtualmente por seu gabinete, prometeu cortar em 50% as emissões de gases de efeito estufa de seu país em nove anos e atingir a neutralidade em 2050.

    NA MIRA - Salles e Bolsonaro no recente encontro promovido pelos Estados Unidos: a pressão sobre o país aumentou -
    NA MIRA – Salles e Bolsonaro no recente encontro promovido pelos Estados Unidos: a pressão sobre o país aumentou – (Marcos Corrêa/PR)
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    Biden ainda nomeou o experiente John Kerry como seu enviado especial para o clima. O Brasil, aliás, se tornou um dos alvos principais de Kerry, que, mais do que a promessa do fim do desmatamento ilegal até 2030 feita por Bolsonaro, quer ver resultados palpáveis ainda este ano, antes de liberar qualquer apoio financeiro. “A volta dos EUA e de sua liderança ao debate sobre a crise climática é uma chamada global para o aumento da ambição e pode contribuir para uma postura mais firme da liderança empresarial em torno da neutralidade de carbono”, diz Daniela Lerario, da Governança do Sistema B, movimento de empresas comprometidas com o meio ambiente.

    Afinal, o capitalismo verde promete: segundo estudos da ONU, se posta em prática já, a redução do efeito estufa tem potencial para gerar um ciclo de progresso capaz de injetar mais 26 trilhões de dólares — um PIB americano — na economia global até 2030. É mais um bom motivo para o Brasil entrar urgentemente no jogo da preservação e atuar de forma séria para começar a limpar o nome do país da lista de vilões ambientais. Que os trinta trágicos meses de Ricardo Salles sirvam ao menos de lição.

    Com reportagem de João Pedroso de Campos, Julia Braun e Caíque Alencar

    Publicado em VEJA de 30 de junho de 2021, edição nº 2744

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