Após insinuações em live, MP do Rio diz que Bolsonaro deve fazer denúncia
Presidente citou suposto envolvimento de filho de um procurador do órgão com tráfico internacional de drogas; nota pediu, também, que ele prove o que disse
O Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) se manifestou por meio de nota nesta segunda-feira, 4, a respeito das ilações do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sobre um suposto envolvimento de um filho de algum dos membros da cúpula da promotoria estadual com tráfico internacional de drogas, feitas em transmissão ao vivo em suas redes sociais no último dia do ano passado.
O mandatário, no entanto, não apresentou provas sobre as declarações dadas na live. Competem ao MP do Rio duas investigações que atingem diretamente os filhos do presidente: a do provável esquema de corrupção no gabinete de Flávio Bolsonaro (Republicanos) durante seu mandato de deputado estadual na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj); e a que envolve um possível esquema de funcionários-fantasma no gabinete do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos). Ambos negam as acusações.
Agora senador, Flávio foi denunciado pela equipe de promotores do MP do Rio por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. A denúncia será avaliada pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio, ainda sem data definida. As investigações sobre Carlos estão em andamento na promotoria.
No comunicado divulgado hoje, o MP-RJ assegurou que as declarações do presidente em live não vão interromper as investigações em andamento.
Bolsonaro e os filhos não têm poupado esforços para estancar os inquéritos. As tentativas, no entanto, vêm sendo frustradas.
No último dia 31, aludindo a um “caso hipotético”, Bolsonaro questionou sobre os procedimentos do órgão na hipótese de aparecer uma delação premiada sobre um suposto caso de tráfico internacional de drogas envolvendo algum dos filhos de procuradores e promotores.
“Agora o MP do Rio, presta bem atenção aqui, imagine se um dos filhos de autoridades do MP do Rio fosse acusado de tráfico internacional de drogas: O que aconteceria, MP do Rio de Janeiro? Vocês aprofundariam a investigação ou mandariam o filho dessa autoridade para fora do Brasil e procurariam maneira de arquivar esse inquérito?”, indagou o presidente.
Em seguida, Bolsonaro enfatizou duas vezes o que seria um “caso hipotético”.
“Isso é um caso hipotético, vamos deixar bem claro. Se fosse um filho de vocês que tá na cúpula do MP do Estado do Rio de Janeiro acusado de tráfico internacional de drogas, acusado pela Polícia Civil, esse caso seria apurado – deixando bem claro, caso hipotético — esse caso seria apurado, ou o filho de um de vocês providenciaria mandar pra fora do Brasil pra esfriar o caso e providenciaria arquivar esse processo?”, disse.
A VEJA, a Polícia Civil do Rio de Janeiro informou que não há nenhuma investigação em andamento sobre suposto tráfico internacional de drogas de um filho de membro do MP-RJ.
A resposta do MP do Rio veio nesta segunda por meio de um comunicado: o órgão afirmou que as declarações do presidente não modificam as investigações em curso.
Além das apurações que recaem sobre os filhos do presidente, o MP do Rio investiga, também, o assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, em março de 2018. No mês passado, VEJA revelou com exclusividade que dois milicianos do Escritório do Crime se filiaram ao PSOL em 2016 – a suspeita da polícia é que eles se infiltraram para fins de monitoramento da legenda de Marielle.
“O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro informa que a fala do presidente da República (31/12) não altera em nada as investigações em curso. A instituição atua de forma técnica, ética, com observância aos princípios constitucionais e legais e com absoluta discrição”, diz a nota.
A promotoria estadual aconselhou, ainda, que Bolsonaro procure os canais apropriados para efetuar suas denúncias.
“Caso o Presidente da República ou qualquer outra pessoa vislumbre desídia, favorecimento ou prevaricação por parte de membro do MP-RJ deverá provocar a atuação dos órgãos de controle da instituição, entre eles o Conselho Nacional do Ministério Público e a Corregedoria-Geral do próprio MP-RJ. Vale destacar que o direito de petição está ao alcance de qualquer pessoa e é o instrumento constitucional a ser utilizado contra ilegalidade ou abuso de poder”, continua o texto.
O comunicado ainda alertou para uma eventual falsa comunicação de crime, ou seja, quando alguém reporta alguma denúncia caluniosa – que é tipificada pelo Código Penal brasileiro. “Ao ser formalizado [o suposto crime] permite a responsabilização dos respectivos autores caso a manifestação seja desprovida de provas, tendo o propósito, único e exclusivo, de macular a honra alheia”, encerrou.
Procuradas pela reportagem, a Secretaria de Governo e a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República ainda não se manifestaram sobre uma possível formalização de queixa por parte de Bolsonaro.