Na tarde da última quarta, 13, na sede do Partido Liberal (PL), em Brasília, Eduardo Bolsonaro foi a estrela de uma cerimônia com a presença de seu pai, Jair Bolsonaro, o presidente da sigla, Valdemar Costa Neto, o líder da bancada na Câmara, Altineu Côrtes, e outros parlamentares. A ocasião serviu para oficializar uma função que o deputado federal já vinha exercendo informalmente há algum tempo: a de chanceler da direita. Na ocasião, o Zero Três foi empossado no cargo de secretário de Relações Internacionais e Institucionais do PL. Para algumas alas do partido, o movimento foi visto como um gesto do cacique Valdemar Costa Neto para apaziguar o apetite da família por um naco maior de poder na sigla. Independentemente da motivação, é fato que o deputado federal se orgulha de seus contatos no exterior, com destaque para os republicanos americanos e, sobretudo, Donald Trump. Na nova função, além de estreitar as relações com o novo governo de lá, Eduardo Bolsonaro articulará a criação de um grupo com partidos conservadores estrangeiros. “Pretendo fazer um trabalho mensal rodando o país inteiro. E com muita possibilidade de viajar para o exterior, aprender com os erros e acertos dos nossos aliados, saber quais são as pautas que eles propõem”, disse o deputado a VEJA.
As possibilidades de uma carreira internacional desse tipo para o Zero Três se abriram de vez após a vitória de Trump nos Estados Unidos. Eduardo acompanhou a apuração dos votos na casa do republicano, em Mar-a-Lago, um resort de luxo na Flórida, com o ex-ministro do Turismo Gilson Machado. O deputado também conectou o presidente eleito ao pai em uma rápida ligação de vídeo, na qual Trump convidou Bolsonaro para participar da posse em Washington, em janeiro de 2025. O capitão confirmou presença, mas sua ida ainda é incerta, já que seu passaporte foi apreendido em fevereiro, em meio às investigações sobre a tentativa de golpe. Caso queira viajar, o ex-presidente teria de formalizar o pedido ao Supremo Tribunal Federal. As relações entre as famílias Bolsonaro e Trump não são novas. Em 2019, Eduardo participou da primeira visita oficial de seu pai à Casa Branca.
Mais do que a vitória de um líder mundial da direita, os bolsonaristas comemoram a possibilidade de Trump, junto com o empresário Elon Musk, fazer pressão sobre questões nacionais como a discussão sobre regulação das redes sociais, os “excessos” do Judiciário e, sobretudo, a recuperação dos direitos políticos de Bolsonaro. Apesar de toda essa euforia, a verdade é que no Judiciário ninguém se mostra preocupado com isso. Espera-se alguma possibilidade de barulho panfletário, mas, obviamente, sem chances de obter resultados práticos. Na contramão das esperanças bolsonaristas, o que deve andar a curto prazo é a finalização do relatório da Polícia Federal sobre a participação e responsabilidade do ex-presidente na tentativa do golpe. Há uma promessa de que o relatório final será entregue até o fim de novembro, o que deixará o caso pronto para uma eventual denúncia criminal por parte da Procuradoria-Geral da República. Apesar disso, Eduardo Bolsonaro ainda acredita numa reviravolta, não por influência de Trump, mas, sim, por decisão dos tribunais daqui, que, segundo o deputado, cedo ou tarde terão de corrigir “injustiças”, como a da cassação dos direitos políticos (leia a entrevista).
No território americano, a influência da vitória trumpista poderá ter reflexos aqui de formas diferentes, segundo o Zero Três. Na visão do deputado, a vitória dos republicanos, que devem ter maioria no Congresso, tem potencial para facilitar o avanço de um projeto de lei que impede a entrada nos Estados Unidos de quem tenha violado a liberdade de expressão de cidadãos americanos. Para os bolsonaristas, que não raro projetam desejos que a realidade não consegue entregar, a aprovação da medida atingiria em cheio o ministro Alexandre de Moraes, por causa da suspensão do X (o antigo Twitter) no Brasil.
A atuação de Eduardo Bolsonaro como chanceler da direita brasileira não se restringirá aos Estados Unidos. Desde o ano passado, ele vem buscando fortalecer relações com movimentos conservadores em diferentes países. O deputado articula a criação de um grupo internacional chamado “Aliança pela Liberdade”, cujo objetivo é organizar e alinhar as pautas desse espectro político mundo afora. Uma cerimônia para oficializar a iniciativa está prevista para a terceira semana de janeiro, com a assinatura de um documento em Portugal. De acordo com o ex-ministro Onyx Lorenzoni, que participa das articulações com partidos europeus de extrema direita, o projeto já conta com o apoio do partido Chega!, de Portugal, e do Vox, da Espanha. Além disso, estão em andamento conversas na Itália, Hungria, Holanda, Sérvia, Alemanha e França. O Partido Republicano dos Estados Unidos também teria visto a iniciativa com bons olhos.
A ideia é que a Aliança seja um contraponto ao Foro de São Paulo, organização que reúne partidos e movimentos de esquerda na América Latina. “Vamos preparar e formar futuros quadros”, diz Onyx Lorenzoni. Faz parte ainda dos planos de Eduardo Bolsonaro a produção de documentários com viés conservador. Não deixa de ser natural para o chanceler da direita utilizar uma das mais tradicionais armas da diplomacia: a conquista de corações e mentes.
“Lula não vai ficar tão confortável”
Em entrevista a VEJA, Eduardo Bolsonaro falou sobre o impacto da vitória de Trump no Brasil, incluindo a possível influência dele na reabilitação política do pai do deputado federal.
Quais serão as mudanças que um novo governo de Trump provocarão no mundo? Os impactos já começam a se mostrar. Primeiro, você tem o Hamas pedindo um cessar-fogo doze horas após a eleição. Na sequência, o Putin disse que está pronto para sentar em uma mesa de negociação a Ucrânia e o governo chinês falou que pretende ter uma coexistência pacífica com os Estados Unidos.
E as perspectivas para o Brasil? Acredito que o Lula vai conter seu discurso, não vai ficar mais tão confortável. De maneira hipócrita, ele desejou boa sorte ao novo presidente americano, embora saibamos que ele continua achando o Trump nazista e fascista. Quero crer agora que o desgoverno Lula vai colocar a mão na cabeça e pensar no brasileiro, agindo de maneira pragmática nas relações com os americanos.
A vitória de Trump consolidou de vez uma onda forte da direita no mundo. Na sua opinião, por que o eleitorado está se voltando para essa direção? As minorias não estão mais se identificando com as pautas da esquerda. Trump acertou o discurso com relação à economia e geopolítica mundial, enquanto a esquerda errou ao dar ênfase à agenda woke. As pautas de Deus, pátria, família e liberdade representam a maioria dos brasileiros. Se nós tivermos liberdade de expressão e eleições íntegras, ninguém segura. E a esquerda sabe disso. Acreditamos que o Trump também terá uma política forte na questão da transparência eleitoral.
Acredita numa possível influência de Trump na pressão pela retomada dos direitos políticos de seu pai? Eu nunca tive qualquer tipo de conversa sobre essa questão nos Estados Unidos. O que nós buscamos no Brasil não é nenhum privilégio, buscamos resgatar os direitos políticos que foram injustamente cassados por poucas figuras do Judiciário. Estou falando especificamente do Alexandre de Moraes. Matérias da imprensa falam que devem acelerar o indiciamento de Bolsonaro. Se isso for verdade, tudo voltará à tona: as eleições de 2022, a censura, as ordens para bloquear perfis conservadores. Os americanos cada vez mais estão cientes disso e o Trump vem forte em cima dessa pauta da liberdade de expressão.
Elon Musk, que fará parte do staff do novo governo, vai ter influência nessa pauta? O que move o Elon Musk é essa luta pela liberdade. Vários projetos já estão circulando dentro do Congresso americano, como o que proíbe a autoridade que desrespeita a liberdade de expressão de um cidadão americano de entrar nos Estados Unidos. Nada impede que Trump leve isso para dentro de seu governo e coloque em um pacote anticensura. É inevitável a gente imaginar que isso vai atingir em cheio as autoridades brasileiras que pensam em regular as redes sociais, a pretexto de combater o chamado discurso de ódio e fake news. Moraes comprou briga com muita gente dentro do governo americano. Provavelmente nunca imaginou que poderia ter esse revés. Agora essas pessoas estarão em uma posição privilegiada de poder com a administração Trump.
Colaborou Isabella Alonso Panho
Publicado em VEJA de 15 de novembro de 2024, edição nº 2919