Uma das mais aguardadas pautas do governo é a da agenda ambiental. Já na campanha eleitoral, Lula se comprometeu a alterar o rumo das políticas públicas ambientais do Brasil, que passou por um desmonte ao longo do governo Bolsonaro.
Após 100 dias de governo, pode se observar foco na reestruturação e retomada de órgãos relacionados à questão ambiental, bem como o uso da pauta como meio de reinserção do Brasil no debate e nas relações de cooperação internacional.
A Agenda Verde no Brasil do ponto de vista internacional
O governo Lula utilizou a COP-27 como o primeiro compromisso internacional direcionado à agenda ambiental. No evento, Lula reforçou a importância da sustentabilidade para a retomada da imagem exterior do Brasil e estabeleceu alguns compromissos, como zerar o desmatamento até 2030, fortalecer os órgãos de fiscalização e monitoramento e combater o garimpo ilegal, além de citar a necessidade de promover a transição energética.
Uma das principais iniciativas do início do governo na retomada das parcerias internacionais focadas na questão ambiental foi a recuperação do Fundo Amazônia, cuja finalidade principal é captar doações para investimentos não reembolsáveis em ações de combate ao desmatamento.
Após a vitória de Lula na eleição presidencial, Noruega e Alemanha anunciaram a retomada de sua contribuição ao Fundo; meses depois, Estados Unidos e países da União Europeia sinalizaram interesse em contribuir com o fundo.
Outro ponto fundamental na imagem internacional do governo foi o enfrentamento da crise humanitária na Terra Indígena Yanomami, resultado da exploração de garimpo ilegal na região. O novo governo agiu com celeridade, criando estratégias de bloqueio terrestre, naval e aéreo para expulsar os garimpeiros do local, anunciando, inclusive, o lançamento do programa Amazônia Mais Segura, sob o financiamento do Fundo Amazônia.
Proteção ambiental e crescimento econômico
A preocupação internacional com a pauta verde e o fortalecimento paulatino da agenda ESG também têm sido explorados pela ministra Marina Silva para reposicionar o Brasil com relação à pauta ambiental. Nesse sentido, a ministra tem enfatizado a complementariedade entre o desenvolvimento econômico e preocupação ambiental, ainda visto como antagônicos em diversos setores da sociedade.
Exemplo desse foco é o projeto almejado pela ministra de transição para uma agricultura de baixo carbono e descarbonização da matriz energética. De acordo com projeções da Organização das Nações Unidas para a Alimentação com a Agricultura (FAO), por volta de 90% do crescimento agrícola das próximas décadas deverá vir de um aprimoramento da produtividade, e não da simples expansão de áreas para produção. A transformação na estrutura produtiva do setor agropecuário é fundamental para a diminuição de emissão de carbono brasileira.
Acerca da descarbonização da matriz energética global, o Brasil aparece como bem-posicionado na corrida pela produção do hidrogênio verde, considerado uma das melhores apostas para a descarbonização da energia global. Em um estudo recente, a BloombergNEF colocou o Brasil como o único país capaz de oferecer o H2V a um preço competitivo até o ano de 2030. Além disso, recentemente o governo teve uma vitória política com a reoneração da gasolina e do etanol no início do ano. Ao reonerar o etanol R$ 0,45 a menos que a gasolina, além de garantir a competitividade do etanol frente ao combustível de origem fóssil, o governo reforça o caixa pelo lado das receitas.
Transversalidade da pauta ambiental
A transversalidade norteou a agenda ambiental do novo governo Lula desde antes da posse, indicando a necessidade de inserção das preocupações ambientais em todo o conjunto das políticas públicas e não apenas no interior do Ministério do Meio Ambiente. Uma amostra dessa concepção é a criação de diferentes departamentos e secretarias em outras pastas ministeriais, como a Diretoria da Amazônia e Meio Ambiente da Polícia Federal e a Secretaria de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria no interior do Ministério do Desenvolvimento.
A transversalidade e seriedade com o tratamento da agenda pode ser observada nas nomeações nos órgãos relacionados ao Ministério do Meio Ambiente. Além de haver indicados com nomes incontroversos no mercado, eles deverão atuar sob diferentes prismas dentro do governo. É o caso, por exemplo, de nomeações como da economista e doutora em ciência política Ana Toni e do biólogo João Paulo Capobianco e do ex-prefeito paulista e ex-deputado federal Rodrigo Agostinho (PSB), empossado como presidente do Ibama.
A retomada dos órgãos relacionados ao meio ambiente
Rodrigo Agostinho (PSB), empossado como presidente do Ibama, afirmou que atualmente o Ibama conta com apenas 53% do quadro de servidores necessários para cumprir a agenda ambiental. O desmonte da instituição pode explicar a alta de 60% nos índices de desmatamento, de acordo com o Observatório do Clima. Intervenções análogas ocorreram no Inpe, cujo presidente foi exonerado por Bolsonaro após a divulgação de um relatório que indicaria um aumento de 88% nos níveis de desmatamento da Amazônia. Por fim, a Funai também passou por corte de verbas e imposição de barreiras à demarcação de terras indígenas, cujo resultado foi o aumento de 30% de assassinatos de indígenas.
Dessa forma, entre os principais desafios encontrados pelo novo governo no tocante à pauta ambiental está a reconstrução das instituições responsáveis pelo monitoramento e proteção dos biomas brasileiros. Nesse sentido, tem se observado um esforço para recuperar a credibilidade e funcionalidade desses órgãos. A Funai, por exemplo, foi remanejada para o interior do Ministério dos Povos Indígenas, e possui pela primeira vez em seus 50 anos de história uma indígena como presidente. O Ibama, por sua vez, anunciou recentemente a contração de 2 mil brigadistas para a contenção de incêndios na Amazônia.
Mariana Palandi e Felipe Novaes são economistas da Tendências Consultoria