Simone Tebet: “Apoio a Lula é meu movimento de maior custo político”
Para a senadora e ex-candidata à Presidência, apenas uma troca de governo permitirá fazer justiça aos quase 700 mil mortos na pandemia
Terceira colocada na disputa presidencial no primeiro turno das eleições, com quase 5 milhões de votos, a senadora sul-mato-grossense Simone Tebet, de 52 anos, transformou-se na grande novidade da corrida presidencial. Com sólida trajetória política, tendo sido prefeita de Três Lagoas, vice-governadora de Mato Grosso do Sul, deputada e líder da bancada feminina no Senado, ela foi impulsionada por sua atuação enérgica na CPI da Covid, em 2021. Agora ao lado de Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno, Tebet diz que não pestanejou ao embarcar na candidatura petista, não condicionando seu apoio a cargos e conhecendo os riscos do posicionamento. “A decisão de apoiar o Lula em si não foi difícil, mas é o movimento de maior custo político dos meus 35 anos de política”, afirmou ela, em entrevista por telefone, em meio a uma concorridíssima agenda de aparições públicas em eventos concentrados nas regiões Centro-Oeste e Sudeste, sob forte influência do bolsonarismo. “Eu praticamente mergulhei num abismo, mas o fiz por convicção.” Abaixo, os melhores trechos da conversa.
Por que a senhora resolveu adotar uma postura tão ativa na campanha de Lula? Eu tenho as minhas divergências com o Lula, mas entendo que aquilo que nos diferencia é infinitamente menor do que o que nos une neste momento. A partir de um momento em que eu visualizo que um candidato é democrata e o outro não, há apenas uma alternativa. Diante disso, pela minha trajetória política, pelos ensinamentos que tive com grandes homens públicos do MDB, que são as minhas referências até hoje, de Ulysses Guimarães, passando por Tancredo Neves, Mario Covas e até meu pai, Ramez Tebet, não caberia para mim a omissão da neutralidade. Por isso que eu não só disse que apoiaria o presidente Lula, mas que também andaria pelo país, conversaria com os indecisos, aqueles que votaram em mim e no Ciro Gomes. Afinal, foram 8,5 milhões de votos nossos e isso é decisivo para o resultado de uma eleição apertada como esta.
Quais foram as condições que a senhora apresentou para apoiar a candidatura petista? Eu passei duas madrugadas elaborando o meu manifesto à população brasileira, para explicar exatamente o que eu entendia estar em jogo e de que lado eu estava. Então, a única coisa que ficou clara era que eu precisava ter a segurança de que um possível novo governo Lula estaria disposto a não só não cometer os erros do passado, como também ter consciência de que atravessará muitas dificuldades. Vai ter de governar com uma ampla frente, estar pronto para dialogar, aceitar propostas do centro democrático, seja na área da economia, um pouco mais liberal, seja até mesmo na pauta de costumes e de políticas públicas. Antes de qualquer coisa, eu disse para o presidente Lula que declararia meu voto e não aceitava conversar sobre cargos. Eu só precisava saber até que ponto um próximo governo do PT seria de diálogo e de moderação. Então, eu apresentei, tendo como guarda-chuva alguma âncora fiscal, pelo menos, cinco projetos que eu entendia prioritários. E todos foram acatados.
“Mais da metade de quem votou em mim já declarou voto em Lula. Diante desses episódios recentes de instabilidade e violência entendo que meu eleitorado quer a pacificação política”
Segundo as pesquisas, cerca de um terço dos seus eleitores ainda está indeciso ou vai anular o voto. O que a senhora tem a dizer a eles? As últimas pesquisas internas do PT mostraram que mais da metade das pessoas que votaram em mim no primeiro turno já declaram voto em Lula para o segundo turno. Diante desses episódios recentes de instabilidade, violência e de um clima de desarmonia absoluta, entendo que meu eleitorado quer a pacificação política. A sensação que eu tenho é que esse eleitor está vindo para o Lula. É justamente por isso que intensifiquei a minha caminhada no Sudeste, que é a região onde eu tive o maior porcentual de votos, sobretudo em São Paulo.
Há exatamente um ano foi entregue o relatório da CPI da Covid, em que a senhora teve participação ativa. A comissão parlamentar indiciou quatro ministros e outras 73 pessoas, além de duas empresas, por crimes relacionados à pandemia. Por que essas acusações não avançaram? Eu respondo assim: vote no Lula porque nós teremos a partir daí um procurador-geral da República que deixe de ser advogado particular do presidente da República, para cumprir com o dever de defender os interesses da sociedade brasileira. A CPI não cometeu nenhum equívoco, cumpriu sua missão. Levantou elementos probatórios, com indícios gravíssimos não só de corrupção, como de crime de omissão dolosa pelo atraso na compra de vacinas. Lamentavelmente, houve falta de iniciativa do procurador-geral. Ele simplesmente sentou em cima do processo, cometendo um crime de prevaricação. Diante desse episódio, só a eleição do presidente Lula para garantir que a gente possa investigar, dar paz e tranquilidade, aquilo que é o nosso dever e a nossa obrigação: fazer justiça em nome dessas quase 700 000 vidas perdidas, muitas delas fruto do atraso na compra das vacinas. Essa foi uma das questões que mais me indignaram nos últimos anos, uma das grandes revoltas que tive com o atual presidente da República, ao ver que, quando o Brasil mais precisou de seu chefe da nação, nós tivemos um presidente omisso, insensível, sem qualquer preocupação com a vida de seu povo. Então, é somente virando a página da história do Brasil em relação ao presidente Bolsonaro que nós vamos conseguir fazer justiça aos milhares de vítimas prematuras da Covid-19.
Como a senhora espera colaborar em um eventual governo Lula? Eu vou colaborar com o Brasil como eu sempre fiz. Não preciso de cargo, não preciso de dinheiro nem de ministério. A decisão de apoiar o Lula em si não foi difícil, mas sabia que era o movimento de maior custo político dos meus vinte anos de mandatos consecutivos e 35 anos de política. Eu sabia que seria a decisão mais importante e mais arriscada da minha vida política. Eu praticamente mergulhei num abismo, pulei de um penhasco político, mas o fiz por convicção, e não por cargo. Meu envolvimento maior ou menor na campanha só dependeria de um programa que visasse à educação e à saúde, que são as prioridades da minha vida como professora.
A disputa entre Bolsonaro e Lula não representa uma falha da sociedade e da própria política tradicional na geração de novas lideranças? Não creio que a culpa seja da população brasileira. A polarização fez com que deixássemos que o populismo tomasse a frente da política tradicional. Partidos com discursos rasos, populistas, nacionalistas, e personalidades do mesmo estilo roubaram espaços que eram da política tradicional. Eles encontraram dois fatores decisivos para isso: uma sensação de crise permanente, de que a vida das pessoas não melhora, aliada a um megafone chamado rede social. Da mesma forma como a política tradicional teve de conviver com partidos e personalidades populistas e nacionalistas de extrema direita no Brasil, a imprensa tradicional teve de conviver com fake news em redes sociais. O país está dominado por fake news, que estimulam a polarização e criam inimigos imaginários, destruindo pilares da democracia, estimulando o povo a se armar e a politização das Forças Armadas. Criam crises artificiais até para ocultar a incapacidade deste governo de resolver as crises reais como a recessão, a inflação, a fome, o aumento da desigualdade social e a má condução da pandemia. Diante disso, eu culpo a classe política e o centro democrático, que não tiveram a capacidade de resolver os seus próprios problemas.
Faltou união em torno de um projeto da terceira via? Não houve falha na organização. Houve uma contraposição de duas forças políticas muito poderosas. De um lado o atual governo, com a máquina na mão, o orçamento secreto e a interferência nos poderes, elegendo o presidente da Câmara e do Senado. Do outro lado um projeto de país, de passado, que veio para confrontar esse populismo do presente. O centro democrático foi sendo desconstruído por uma força que atuou fora das regras do jogo, utilizando-se de dinheiro público e de atitudes no mínimo suspeitas. O presidente Bolsonaro conseguiu, por meio de um esquema de corrupção institucionalizado, eleger os presidentes da Câmara e do Senado e se tornou um chefe do Poder Executivo com influência absoluta no Congresso Nacional. Diante disso, restou apenas uma viela, uma fresta para o centro democrático passar.
“Jamais defenderei cegamente quem quer que seja. Não é porque estou com o presidente Lula que vou defender os equívocos dele. Eu não faço isso nem com as minhas filhas”
Bolsonaro diz que a culpa do orçamento secreto não é dele, e sim dos congressistas. Como vê esse discurso? Eu estava lá, eu vi todos os atos. Vi que o Bolsonaro poderia ter vetado e simplesmente não ter empenhado o dinheiro. Quem tem a chave do cofre na mão é o chefe do Executivo. Quando ele não tem um Ministério do Planejamento e não planeja onde colocar o dinheiro, o dinheiro fica solto. Ao ficar solto, o Congresso Nacional viu uma saída para colocar essa verba em currais eleitorais e ganhar a eleição. Foi um combinado. Eu fui vítima do orçamento secreto, quando fui candidata à presidência do Senado. Ele foi utilizado para comprar apoios e conquistar votos para o candidato do governo, o Rodrigo Pacheco. Foi oferecido para mim para que eu desistisse da minha candidatura. Então, o dinheiro do orçamento público atuou ali e continua atuando. Agora, está todo mundo com medo, porque, a partir do momento em que o Lula ganhar a eleição, o Supremo Tribunal Federal vai para cima e eles vão ser os primeiros a dizer: “Vamos acabar com o orçamento secreto”. O próprio Congresso Nacional vai fazer isso, porque o intento, que era a reeleição de muitos parlamentares, já foi alcançado.
Em entrevista à TV Globo, o ex-presidente Lula chamou o agronegócio de “direitista e fascista”. Como a senhora vê essa declaração? Acredito que o presidente Lula tinha de ter a experiência e a maturidade suficientes para não entrar nesse jogo equivocado, até porque ele conviveu com o agronegócio. O setor foi o carro-chefe da economia brasileira no primeiro mandato dele, quando as commodities puxaram a balança comercial do Brasil para cima. Foi uma fala absolutamente infeliz e eu acredito que ele esteja arrependido. Jamais defenderei cegamente quem quer que seja. Não é porque estou com o presidente Lula que vou defender os equívocos dele. Eu não faço isso nem com as minhas filhas. Mas há grupos do agronegócio sérios ao lado dele e isso faz com que ele volte a olhar para essa atividade com o valor que ela realmente tem.
Confira a apuração do resultado do segundo turno das eleições 2022
Publicado em VEJA de 2 de novembro de 2022, edição nº 2813