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Rubens Ometto: ‘Se tudo parar, nem álcool em gel será produzido’

Em meio à polarização sobre priorizar a saúde ou a economia no combate ao coronavírus, o empresário pede saída de curto prazo contra a recessão

Oferecimento de Atualizado em 4 jun 2024, 15h05 - Publicado em 3 abr 2020, 06h00

A discussão sobre como enfrentar o caos econômico criado pela crise do novo coronavírus (Covid-19) tornou-se um tema polêmico entre os grandes representantes do PIB nacional. Para alguns empresários, evitar as mortes decorrentes da disseminação da doença deve ser a prioridade máxima, pois seria possível resgatar a economia num segundo momento. Para outros, é fundamental para o país um ponto de equilíbrio entre o confinamento e a manutenção da atividade econômica. Em meio a essa discussão, VEJA entrevistou por videoconferência o empresário Rubens Ometto, acionista das empresas Raízen, Comgás, Cosan e Rumo, que atuam no ramo de combustíveis, açúcar e logística e, juntas, faturam 80,1 bilhões de reais ao ano. Consciente da necessidade de priorizar a saúde, Ometto, contudo, está bastante preocupado com uma severa recessão e faz um alerta: “Sem ajuda, as pequenas companhias dificilmente voltarão a ser sustentáveis”.

Em sua visão, por que a crise chegou aonde chegou? O que explica esse tombo tão grande da economia? De fato, isso tudo nos pegou de surpresa. Toda essa crise econômica foi acelerada pela discussão entre a Arábia Saudita e a Rússia em torno do preço do petróleo. Quando começou o problema do novo coronavírus, ficou claro que iria sobrar petróleo no mundo. Os dois países devem ter chegado à conclusão de que, se baixassem os preços, outros produtores que têm custo mais alto de extração, como é o caso dos Estados Unidos com o óleo de xisto e até o do Brasil com o pré-sal, conseguiriam barrar o avanço dos concorrentes. Isso vai gerar um prejuízo enorme à Petrobras e a toda a cadeia do etanol brasileiro.

Esse valor de 20 dólares o barril é sustentável? Não acredito que ele se mantenha a longo prazo. A indústria de óleo de xisto está altamente endividada, por isso os investimentos devem cair rapidamente. Quando a produção diminuir, os preços provavelmente voltarão ao equilíbrio, próximo a 40 dólares o barril — o suficiente para viabilizar o etanol brasileiro.

Quais os impactos disso para o Brasil? A Petrobras refina 75% de toda a gasolina que o país consome. O resto é importado. Com a crise, porém, o consumo de combustível despencou 40%. Isso vai forçar a Petrobras a reduzir o preço da gasolina e do diesel a um nível tão baixo, para competir com a importação desses derivados, que poderá inviabilizar todo o plano de privatização das refinarias, em que eu até estava de olho.

Isso é bom para o consumidor, não é? O país viveu por anos uma política energética catastrófica sob o comando da ex-presidente Dilma Rousseff. O setor estava voltando a se equilibrar em meio a preços internacionais e a uma demanda maior por combustíveis limpos. Sou liberal na economia, seguidor das doutrinas da Escola de Chicago, mas o que estamos vivendo é uma guerra. Toda uma cadeia, a do etanol, que emprega 1 milhão de pessoas, está em risco.

Qual a saída para enfrentar esse problema atual? Uma solução temporária, que dure ao menos até o fim da pandemia, é o aumento da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) sobre os combustíveis. Não pode ser por muito tempo, só até essa guerra acabar, mas que possa garantir a estabilidade do preço da gasolina e do diesel.

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“O que acontecerá se as indústrias química, do plástico e do açúcar interromperem suas atividades? Nem tudo pode parar. Assim, nem álcool em gel será produzido”

Como vê o enfrentamento da crise pelo governo? O foco está no problema médico, o que está certo. Temos de entender a doença, arrumar as vacinas e os remédios para diminuir a velocidade do contágio. Mas as medidas econômicas, que são importantes para preservar as engrenagens do crescimento, estão sendo deixadas de lado. As soluções que vinham sendo implementadas e sugeridas visam ao longo prazo, enquanto precisamos de algo imediato. Começo a perceber que nosso sistema inteiro está parando, e isso pode ser desastroso. Por exemplo, os transportadores da nossa empresa de logística não têm mais local onde comer durante as viagens, então passamos a entregar comida a eles. É dessa engrenagem que estou falando: um caminhoneiro não poderá fazer um frete se não houver restaurantes para se alimentar no caminho. Mais do que isso: o que acontecerá se as indústrias química, do plástico e do açúcar interromperem suas atividades? Entende? Nem tudo pode parar. Assim, nem álcool em gel será produzido.

Então o senhor concorda com os posicionamentos do presidente, que sugerem que o confinamento deve ser parcial, restrito aos grupos de risco, e não total, como acontece em algumas cidades brasileiras? Cada um tem seu ponto de vista, mas eu particularmente gosto da opção por um confinamento seletivo. Vejo que há várias opiniões diversas a esse respeito, e considero todas válidas. O que acho é que os atores políticos precisam se entender. O presidente, os governadores e os poderes Legislativo e Judiciário. Toda conversa entre eles desanda. Não querem o melhor para o país? Então, precisam se entrosar e deixar as ambições políticas de lado. Depois que esse problema passar, aí sim, todo mundo poderá ir para o octógono em 2022.

Acredita que haja oportunismo de algumas lideranças na forma como está sendo conduzido o combate à crise, do lado sanitário e do lado econômico também? Com certeza há oportunismo no enfrentamento. Veja os partidos de esquerda, que entraram com uma queixa-crime contra o presidente. Isso interessa a quem neste momento? Está cada vez mais claro que há alguns interesses particulares sendo colocados à frente dos interesses do povo. Eles não estão preocupados em esclarecer a população, mas em deixar Bolsonaro em uma posição desfavorável. Vejo isso não só em políticos de esquerda, que vivem a política 100% em sua vida, mas até em alguns veículos de imprensa. Está na hora de o país se unir, de trabalhar melhor para o povo. Este é o momento ideal para que isso aconteça.

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Nas últimas semanas, aumentou o coro daqueles que pedem o impeachment de Bolsonaro. Não só os partidos de esquerda, mas os panelaços também voltaram. Há oportunismo? É um absurdo qualquer brasileiro ir nessa direção. Vamos vencer a batalha primeiro. Não sei a intensidade dos panelaços, quanto são significativos, mas é uma falta de patriotismo daqueles que pedem o impeachment neste momento. Não pensam no mal que estão fazendo ao país.

O senhor foi o maior doador nas últimas eleições. Entre os candidatos que receberam dinheiro estão o governador João Doria, de São Paulo, e o ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni. De alguma forma, está decepcionado com a gestão deles? Não tenho nenhuma grande decepção com eles. Sempre apoio pessoas que podem fazer um bom trabalho para o Brasil. E deixo claro que em nenhum momento fiz as doações com algum interesse pessoal — apesar de achar pretensioso pensar que tudo o que sugiro está certo, todos os meus pedidos vão no sentido do que considero ser melhor para o país. Gosto, no entanto, de estar perto de quem pode fazer a diferença.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, tem confrontado os posicionamentos do Palácio do Planalto. Acha que isso pode ser produtivo? Acho que no Congresso estão grandes líderes. Tanto o Maia, na Câmara, quanto o Davi Alcolumbre, no Senado. O fato de ele não pensar igual a Bolsonaro é ótimo, afinal, se os dois mancarem para o mesmo lado, cairão juntos. Maia é uma pessoa equilibrada, de centro, que não deixaria de ajudar em uma discussão tão importante quanto a de agora. O Congresso tem aprovado rapidamente as demandas do Executivo no combate à pandemia, principalmente no aspecto econômico. Obviamente, é necessário maior entrosamento entre o Legislativo e o Executivo.

As reformas econômicas acabaram sendo deixadas de lado em meio à crise. Isso pode prejudicar o país na retomada? Com a crise atual, ninguém conseguiria se concentrar na discussão das reformas — e é necessário muito debate. Assim, é preferível que se deixe isso para o futuro, para que todos continuem com a cabeça focada no que é urgente. Projetos aprovados de afogadilho podem prejudicar o país em vez de ajudá-lo. Então, é melhor esperar a crise passar.

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O senhor tem contribuído com o governo para o enfrentamento do problema? Tenho participado de alguns grupos de trabalho com o ministro Paulo Guedes (da Economia) e o presidente Jair Bolsonaro. Minha sugestão primordial é a flexibilização da cobrança de impostos, uma forma a mais de dar fôlego às companhias.

“Como produzimos boa parte das matérias-primas do mundo, entre itens agrícolas e minerais, a tendência é que o país se beneficie na retomada econômica”

Esta crise é diferente da que o mundo viveu em 2008? A crise anterior era financeira e foi resolvida com medidas implementadas pelos bancos centrais mundo afora. Nesta há um inimigo oculto. Esses remédios que o Banco Central está dando — baixar juros e oferecer capital de giro — chegarão muito tarde às empresas para que consigam manter os empregos. A ajuda precisa chegar antes. As pequenas companhias até conseguem segurar-se por trinta ou sessenta dias com capital de giro, mas depois dificilmente voltarão a ser sustentáveis. Para que essas medidas do BC surtam efeito, o estímulo precisa ser tão grande que poderá prejudicar a economia no futuro.

Qual o papel dos grandes empresários neste momento? Às vezes, veem-me como um sujeito frio. Mas é preciso guardar um distanciamento para poder tomar decisões corretas. Cuidamos primeiramente dos nossos. Demos uma declaração a nossos funcionários de que não vamos demitir ninguém nesta crise — vamos manter todos os empregos. Eles precisam ter tranquilidade para trabalhar. Caso contrário, ficarão preocupados com a doença e também com a vida — não é possível trabalhar assim. Além disso, mantivemos todos os nossos investimentos na construção de ferrovias e na expansão do setor de gás. Acredito que o papel do empresário, hoje, é garantir que a roda continue funcionando, sem querer levar vantagens nisso — como tenho visto às vezes no meu setor. Se destruirmos as engrenagens, a economia não será capaz de se regenerar.

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Em sua visão, como estará o Brasil no fim desta crise ? O Brasil vai apresentar um crescimento forte, assim como o resto do mundo. Uma vez passada a crise, nossas projeções mostram um aumento do produto interno bruto ao ritmo de 5% ao ano. A demanda que ficou reprimida vai exigir a entrega de um alto volume de produtos básicos. Como produzimos boa parte das matérias-primas do mundo, entre itens agrícolas e minerais, a tendência é que o país se beneficie na retomada econômica.

Publicado em VEJA de 8 de abril de 2020, edição nº 2681

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