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Romeu Zema: “O Brasil se transformou no país das pautas irrelevantes”

O governador reeleito defende Bolsonaro, critica a possibilidade de o PT voltar ao poder e afirma que a classe política perde tempo com temas pequenos

Apresentado por Atualizado em 14 out 2022, 09h36 - Publicado em 14 out 2022, 06h00

Na eleição de 2018, o empresário Romeu Zema surpreendeu ao derrotar os candidatos do PT e do PSDB, então os partidos dominantes em Minas Gerais, e conquistou o governo do estado em sua estreia na política. Quatro anos depois, foi reeleito ainda no primeiro turno, com 56% dos votos válidos, mesmo se mantendo longe da polarização que embalou a disputa presidencial. Agora, com mandato renovado para comandar o segundo maior colégio eleitoral do país, ele anunciou o apoio a Jair Bolsonaro, com quem diz ter muitas diferenças, mas compartilha a pauta reformista que, segundo Zema, o presidente tenta implantar. Inegavelmente, pesaram também na decisão as divergências profundas dele com o PT, de quem herdou o comando de um estado à beira da insolvência. Em entrevista por vídeo, o governador fala de Bolsonaro, de Lula, do futuro do Novo — que não teve o mesmo desempenho que ele nas urnas — e das reformas que acha que deveriam ser a prioridade na atual campanha eleitoral, em vez dos ataques, das fake news e dos temas morais. “O Brasil se transformou no país das pautas pequenas”, diz. Confira os melhores trechos da conversa.

Surpresa há quatro anos, reeleito no primeiro turno em 2022. A que o senhor atribui o seu sucesso eleitoral? Assumimos um estado arrasado pelo desgoverno PT/Fernando Pimentel. A folha salarial não tinha sequer data para ser paga. O 13º era quitado em dez meses, você acabava um, já estava na hora do outro. E o pior é o que foi feito com as prefeituras, que não recebiam os repasses constitucionais do estado. Isso levou a uma situação caótica, tanto que prefeitos, em vez de pagar a folha, passaram a dar cestas básicas para os servidores sobreviverem. Alguns renunciaram por não aguentar a pressão. Cidades pequenas tinham um posto de saúde, que foi desativado. Medicamentos de uso contínuo, como a insulina, deixaram de ser oferecidos. A nossa gestão arrumou a casa. Eram 21 secretarias, deixamos doze. Equilibramos as contas. Em 2021, pela primeira vez em onze anos tivemos equilíbrio orçamentário. Pusemos a folha salarial e o 13º na data correta. Neste ano começamos a investir. O que fizemos foi reerguer o estado, sem escândalo nem corrupção. A economia de Minas, que representava 8,8% da nacional, agora responde por 9,3%, porque quem quer investir aqui é tratado a pão de ló.

Mas o orçamento ainda prevê um déficit de 3,7 bilhões de reais para 2023. Além disso, o estado vai entrar no regime de recuperação fiscal da União, como o senhor queria. Isso não vai exigir algum sacrifício? Com a adesão ao programa, vamos ter um déficit inferior ao previsto. Em vez de pagar a dívida vencida em cinco anos, teremos trinta anos. O compromisso é o de não gastar mais do que arrecadamos. Mas, diferentemente das fake news que circularam na eleição, será possível contratar funcionários e dar reajuste anual, porque haverá um fluxo de caixa mais equilibrado do que com o pagamento de um valor maior da dívida.

“Desenvolvimento econômico é como uma maratona. Você precisa de muita disciplina, determinação, e só vai ver o resultado a longo prazo. Mas tem muito vendedor de milagre na esfera política”

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O senhor precisou ir ao STF para conseguir aprovação na adesão ao regime porque a assembleia nem sequer analisou o seu pedido. O senhor espera vida mais fácil agora? Com toda a certeza. Quatro anos atrás, eu fiz uma campanha-solo, peguei o meu carro, fiquei dez meses viajando pelo estado, percorri 60 000 quilômetros e caminhei sozinho com um grupo pequeno de candidatos do Novo. Agora, foi diferente. Nós tivemos alianças com diversos partidos e estamos iniciando esta nova gestão com uma base de parlamentares muito superior à passada. O que mais nos prejudicou foi a Mesa Diretora, porque os nossos projetos nem sequer foram analisados, eles simplesmente foram engavetados, como se fosse algo para que o nosso governo não pudesse ser bem-sucedido.

Seu partido, o Novo, elegeu apenas três deputados e não atingiu a cláusula de barreira. Qual é o futuro da sigla? Sigo acreditando nos princípios do Novo. É uma legenda propositiva. Um dos grandes problemas que temos no Brasil é que a maioria da classe política e dos partidos é de camaleões, mudam de cor, de formato, de acordo com a situação. O Novo, faça sol ou chova canivete, mantém suas propostas. Acredito nessa coerência. Tivemos uma eleição atípica, com puxadores de votos nas extremidades. O nosso presidente, Eduardo Ribeiro, está avaliando o que é melhor, se alguma fusão com outra sigla, mas já há um movimento para que o Novo continue sendo esse partido que é, diferente da grande maioria. Continuarei no Novo, porque é o partido em que acredito.

O centro político teve uma eleição muito ruim, com 8% dos votos no primeiro turno. Por que ele foi tragado pelos extremos? Parece que o eleitor tem tido uma propensão a acreditar em salvadores da pátria. Desenvolvimento econômico é como disputar uma maratona. Não se improvisa, você precisa de muita disciplina, determinação, e só vai ver o resultado a longo prazo. Mas tem muito vendedor de milagre na esfera política. Nós temos método, metas de trabalho e não somos suscetíveis aos cantos da sereia que aparecem todos os dias.

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Parte dos mineiros praticou o voto “Luzema” — optou pelo senhor para governador e por Lula para presidente. Não teme desagradar a esse eleitor com o apoio a Bolsonaro? Eu estou aqui para apoiar a proposta que julgo melhor, não estou preocupado com ganho eleitoral. Então, eu não tenho medo. Tenho medo é de o PT voltar e provocar os estragos que já fez. Eu era presidente de uma empresa e os anos 2015 e 2016 foram os piores da minha vida como executivo. Tive de demitir 2 500 funcionários única e exclusivamente por causa do PT. O mundo crescia e o Brasil deu marcha a ré. A maior recessão da história e ainda complementada com corrupção e escândalos. Então, não é isso que eu desejo para os mineiros, os brasileiros, os meus filhos, para ninguém. O PT teve a chance de provar que poderia dar certo, ficou no governo por catorze anos e mostrou que não conseguiu edificar nada de concreto. Teve todas as oportunidades para fazer reformas, levar adiante uma série de melhorias, e ao que assistimos foi clientelismo, emprego para a companheirada, privilégios e uma política de favores.

Lula disse que mineiro não é gado e que o senhor poderia sentir remorso. Teme retaliação caso ele seja eleito? Eu temo é ele vencer. Retaliação eu não temo, porque estamos fazendo um bom trabalho. Se ele tivesse um pouco de contato com os prefeitos de Minas, talvez entendesse melhor que quem tratou o povo como gado foi a gestão do PT, que ele endossou. Tanto que Fernando Pimentel se candidatou a deputado federal e não foi eleito. Em 2018, Dilma foi candidata a senadora e ficou em quarto lugar. E me estranha muito que Lula venha a Minas e não coloque os dois no palanque. Não é estranho?

Quais foram os acertos de Bolsonaro? Eu tenho as minhas diferenças com o presidente, que não são poucas, mas as minhas diferenças com o PT são totais. Com Bolsonaro, o que nós temos alinhado é uma pauta reformista. Ele conseguiu fazer uma reforma da Previdência, que na minha opinião deveria ter sido mais profunda. Busca levar adiante as privatizações, que são benéficas ao país. Tem tentado criar um ambiente menos hostil para investimentos, para quem gera empregos, que é exatamente o que estamos fazendo em Minas. Mas temos nossas diferenças. Conduzi o combate à pandemia delegando essa função a minha equipe de técnicos do setor. Não sou profissional da saúde, como vou recomendar tratamentos, protocolos?

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Por que essa agenda liberal que o senhor compartilha com Bolsonaro não avança? Há uma resistência muito grande da classe política, que sempre se aproveitou dessa estrutura para distribuir cargos. Uma parte expressiva dela não tem interesse por privatizações e vende falsamente que elas serão prejudiciais para o consumidor.

Como o senhor vê a campanha tomada por ataques, fake news e pautas de costumes? Com muita tristeza. O Brasil se transformou no país das pautas pequenas, irrelevantes. Como há uns seis meses, quando queriam rever a PEC da Bengala (sobre aposentadoria de ministros do STF). Por que não colocam para analisar as reformas tributária e administrativa? Não, sempre aflora um problema que já está resolvido, pequeno, que não tem impacto para a sociedade, para os que mais precisam. E aquilo que vai pavimentar o caminho em relação ao futuro fica engavetado. Há quantas décadas essas reformas — inclusive a política, que também seria bem-vinda — não entram na pauta? Isso só mostra que boa parte da nossa classe política está preocupada em ter um holofote, em ganhar a eleição, e não em resolver o problema do cidadão, que continua penando num país pobre, que patina, que não se desenvolve, que tem crescido bem abaixo da média mundial.

“O PT teve todas as oportunidades para fazer reformas, levar adiante uma série de melhorias, e ao que assistimos foi clientelismo, emprego para a companheirada, privilégios e uma política de favores”

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O que o senhor acha desse ambiente de crise quase permanente entre as esferas de poder? Parece-me que está dentro desse contexto de ruído, de criar polêmicas, atritos, para ter holofotes. Fazer uma reforma tributária é meio árido, você precisa de especialistas. É algo que não está acessível a grande parte da população, mas é o que vai fazer a diferença lá na frente. Então, parece que isso tudo está dentro de uma visão imediatista. O contexto é que, se não está em um dos polos, não consegue chamar atenção.

O STF e o Congresso ganharam mais musculatura nos últimos anos. Acha que eles agora têm poderes demais? No Brasil, nós temos invasões constantes de um poder nas atribuições de outro. Em alguns momentos, o Congresso não tem a ousadia de votar certos temas e acaba sobrando para o Judiciário. E o Executivo acaba às vezes se tornando refém do Legislativo. O nosso sistema político carece de aperfeiçoamentos, é bastante disfuncional. E tudo isso gera essas invasões, um entrando na seara do outro.

A democracia corre algum risco? Estamos na quarta década após a redemocratização do país e vejo as nossas instituições cada vez mais fortes.

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O senhor tentará liderar um projeto nacional em 2026? Eu me vejo é querendo fazer um excelente segundo governo, muito melhor do que o primeiro. Nada nos dá mais credibilidade do que boas realizações. Política tem muito conchavo, muita reunião, muito cafezinho, muita bajulação e pouco resultado. E o povo está querendo ver emprego, arroz com feijão no prato.

Mas tem vontade de ser presidente da República? Eu era empresário e nem sequer passava pela minha cabeça ser candidato. O futuro a Deus pertence. Não sei como vai ser em quatro anos.

Publicado em VEJA de 19 de outubro de 2022, edição nº 2811

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