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Octavio de Lazari Júnior, presidente do Bradesco: “Os ricos têm de pagar”

Para o executivo-chefe do banco, quem possui melhor condição financeira deve contribuir com mais impostos para ajudar na retomada da economia

Por Alessandra Kianek Atualizado em 4 jun 2024, 14h37 - Publicado em 15 Maio 2020, 06h00

Ocupar a presidência de um grande banco durante uma crise sem precedentes não é tarefa fácil. De um lado, alinham-se as pressões da sociedade com a economia à beira do colapso para que tais instituições venham em seu socorro. Do outro, acionistas ciosos de manter o histórico de lucros e dividendos exigem a manutenção da rentabilidade. É nessa posição que se equilibra Octavio de Lazari Júnior, executivo-­chefe do Bradesco, o segundo maior banco privado do Brasil. Aos 56 anos, 42 deles passados dentro da instituição financeira, o economista acaba de completar dois anos no cargo que já foi de ícones das finanças nacionais como Amador Aguiar e Lázaro Brandão. E, com a pandemia provocada pelo coronavírus, pela primeira vez viu sua rotina profissional mudar. Passou a trabalhar no escritório de sua residência, de onde conversou com VEJA por videoconferência, e só vai à sede do banco, em Osasco, uma vez por semana. Lazari acredita que uma das saídas para a crise que o país começa a enfrentar é o aumento de impostos dos mais ricos — o que inclui a instituição que dirige. No entanto, deixa claro que o rebaixamento da taxa Selic não diminuirá os juros dos cartões de crédito e do cheque especial dos brasileiros. “O risco de conceder crédito aumentou muito”. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Vivenciamos a maior crise que a atual geração já viu, um mal que começou pela saúde e agora ataca a economia. Qual deveria ser o papel da iniciativa privada neste grave momento? Sabemos que o poder público não terá o capital necessário para fazer todos os investimentos indispensáveis daqui para a frente, e por isso a iniciativa privada deverá participar de forma mais ativa, para que possamos resolver problemas sérios em nosso país, como o sistema de saúde, a educação e o saneamento básico. Todos nós precisaremos nos doar um pouco mais no futuro, assim que passar o problema da Covid-19, para conseguirmos retomar o ajuste fiscal do governo. A carga tributária do país já é elevada, mas aqueles que têm um pouco mais deverão contribuir mais para ajudar os necessitados. Assim, poderemos resolver o problema fiscal — a herança que teremos pela frente.

Quando o senhor fala em “contribuir um pouco mais”, refere-se ao pagamento de mais impostos? Sim, talvez os mais ricos tenham de contribuir com 1 ponto porcentual a mais de imposto, assim como os bancos e as grandes empresas devam pagar alíquota de 21% em vez de 20% (tributação sobre o lucro), por um período predeterminado, para que possamos ajudar a economia a se recuperar. Mas isso é apenas para os que podem. É o futuro que nos aguarda, não temos como fugir.

No balanço financeiro do Bradesco do primeiro trimestre, o banco quase dobrou provisões contra a inadimplência. Qual a razão desse aumento? Em meados de março, começamos a perceber que a curva de inadimplência aumentava e o saldo da carteira de crédito desacelerava. Olhando para trás, para o que aconteceu nas crises de 2008 e 2015, e projetando para o futuro, entendemos que não deveríamos esperar o segundo trimestre e que era a hora de aumentar a provisão, para 5,1 bilhões de reais. Houve um impacto grande, o lucro do banco caiu 40%, mas era importante para preservar sua saúde financeira. Afinal, temos um dever fiduciário com mais de 50 milhões de clientes. Dependendo da extensão desta crise, talvez tenhamos de fazer provisões adicionais no segundo trimestre. Do ponto de vista do aumento da inadimplência, o quadro que projetamos neste momento é de que esta crise será para os bancos pior que as de 2008 e 2015.

“Neste momento, os cortes na Selic não vão impulsionar o crescimento nem a demanda. O risco aumentou muito com a pandemia, e a influência nos juros se tornou marginal”

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O sistema financeiro brasileiro não está sólido o suficiente para suportar esses níveis elevados de inadimplência? Eu garanto que está. Quanto tempo faz que não se ouve falar que um banco brasileiro quebrou? Na crise de 2008, não tivemos nenhum problema. Entre 2015 e 2016, na Lava-Jato, os cinco maiores bancos perderam mais de 500 bilhões de reais e nenhum quebrou. Hoje, temos balanços sólidos, só que não sabemos o que vem pela frente. Se esse quadro não se materializar, essas provisões voltarão para o resultado do banco.

Com essa previsão de aumento da inadimplência, como ficarão os juros bancários? As linhas em andamento, as que estamos prorrogando, as de folha de pagamento ficarão com as mesmas taxas de juros dos contratos originais. Agora, para dinheiro novo, os juros deverão subir um pouco, em função do risco, que aumentou. Nesses casos, teremos de ser mais conservadores e rigorosos na concessão de crédito. Às vezes, ao dar liquidez demais a uma empresa, ela pode quebrar. É preciso dosar o volume de crédito que se concede, porque a diferença entre o remédio e o veneno é justamente a quantidade.

O spread bancário hoje já não seria alto o bastante? Quando a gente olha o spread das operações de crédito, o do cheque especial e o do cartão de crédito são dois pontos fora da curva, por causa da inadimplência, da carga fiscal e da dificuldade de recuperar o dinheiro. Se olharmos as operações que mais cresceram nos bancos, elas não têm spread alto. O crédito imobiliário, por exemplo, deve deixar uma margem de 1% ao ano. Se olharmos o balanço das instituições financeiras, o spread bancário no Brasil é, em média, de 10% ao ano, não é alto.

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Como o senhor vê a redução de 0,75 ponto porcentual na taxa Selic realizada na última reunião do Copom? E qual a influência desse corte nos juros bancários? Foi uma redução acima do esperado, mas entendo que o Banco Central viu espaço para isso acontecer, pois a inflação está sob controle. Entretanto, cortes adicionais não vão impulsionar o crescimento econômico nem a demanda neste momento de crise. A influência nos juros é marginal, uma vez que o risco aumentou muito com a pandemia.

O Banco Central anunciou a regulamentação do open banking, em que o cliente pode carregar seu histórico bancário de uma instituição para outra e que deve começar a funcionar em novembro. Como o senhor avalia o sistema? Neste momento de crise, não vejo isso como uma questão urgente. Talvez pudesse ser deixado para o próximo ano. É preciso corrigir assimetrias, porque os grandes bancos pagam 90% dos investimentos para construir esses históricos, enquanto todos os menores e as fintechs vão usufruir o benefício sem ter nenhum custo. Talvez o maior investimento previsto neste ano dentro do Bradesco seja exatamente nessa área. Não é justo todo o custo ficar conosco e o benefício com as fintechs. Nós temos uma estrutura grande de análise de crédito, de cadastro, de tecnologia, de custos de armazenamento de dados, para poder dar esse atendimento ao cliente. Graças a Deus que, neste período de crise, temos um sistema bancário robusto, com 80% dele nas mãos de cinco grandes bancos, e não nas mãos de 3 000 fintechs. Imagine como seria distribuir os recursos de combate à crise se você não tivesse com quem falar rapidamente e com capacidade de fazer funcionar? Os bancos precisam ser respeitados por tudo o que fizeram na história.

O senhor acredita que essa abertura de dados bancários possa aumentar a concorrência e provocar uma queda nas taxas de juros? A concorrência vai aumentar, com certeza. Quem regula a taxa de juros é o mercado. Se o meu concorrente começa a praticar taxas menores, eu tenho duas opções: acompanho ou fico fora do mercado. A concorrência tem de existir e o open banking é uma evolução, mas deve ser dosado corretamente para, em primeiro lugar, preservar a solidez do sistema financeiro e, em segundo, respeitar os investimentos que fizemos ao longo de todos esses anos. Em 2019, os cinco maiores bancos pagaram 70 bilhões de reais em impostos, e isso deve ser colocado na balança.

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Não bastassem os choques na saúde e na economia, assistimos no Brasil à ascensão da tensão política, com saída de ministros, disputas entre poderes. Como o senhor vê o comportamento do presidente da República, Jair Bolsonaro? A democracia que vivemos em plenitude no Brasil deve ser respeitada, e a beleza dela está justamente na divergência de opiniões. Se não fosse assim, não seria democracia. Temos de respeitar as opiniões divergentes, caso contrário, não crescemos como país, como cidadãos, como empresas. Deve existir um equilíbrio, a dosagem correta, das ações para a área da saúde e da economia para que possamos passar por este período. Entretanto, tenho certeza de que o conflito agora não traz benefício para ninguém. O momento carece de união para combater esse inimigo em comum que é o vírus. Depois, aí sim, recuperamos a economia, o emprego.

“O conflito que existe hoje no país não traz benefício para ninguém. O momento carece de união para combater o vírus. Depois recuperamos a economia, o emprego”

O que mais a equipe econômica deveria fazer para combater os impactos da crise? Tem se falado muito em emissão monetária. Seria uma saída? Como economista, não acredito na emissão de dinheiro. Para emitir, é preciso ter lastro. Está na memória o legado que isso deixou para o Brasil no passado: hiperinflação, desemprego e descontrole absoluto. Para que a economia se restabeleça, o governo terá de mexer ainda mais na parte fiscal, com o objetivo de ajudar as pessoas mais necessitadas. Isso significa que todo aquele benefício de 800 bilhões de reais de economia em dez anos conseguidos com a aprovação da reforma da Previdência será consumido no combate aos efeitos da Covid-19.

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A equipe econômica prevê um rombo fiscal neste ano de mais de 600 bilhões de reais e o aumento da dívida pública para mais de 90% do PIB. De que forma o governo poderá retomar as rédeas do ajuste fiscal? Neste momento, devemos dar prioridade à saúde. Passada esta fase, o governo terá de tomar medidas. Será preciso cortar despesas e implementar uma arrecadação de impostos mais justa, com o crescimento sendo impulsionado pela iniciativa privada. Não acredito que será uma recuperação em “V”, na qual a retomada é tão rápida como a queda, mas sim de uma forma mais gradual. Se o governo tiver a sabedoria de colocar os recursos no lugar certo, gerar a atratividade das empresas que serão privatizadas e não pesar a mão do Estado no imposto, teremos condições para retomar o crescimento, com qualidade e de longo prazo.

Quais são as lições que esta crise deixará para a sociedade? Nós nos voltamos para aquilo que há de mais básico para o ser humano: a preservação da vida. Antes, pensávamos no futuro. Agora, vivemos um dia de cada vez. Haverá grande transformação na forma como trabalhamos. Sobretudo, vamos repensar nossos hábitos de consumo, focar o que é efetivamente necessário, e criar um modo de vida mais sustentável para as futuras gerações.

Publicado em VEJA de 20 de maio de 2020, edição nº 2687

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