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Marina Silva: “O maior desafio do governo Lula é o desmatamento zero”

Ex-ministra do Meio Ambiente diz que não existe mais espaço para os chamados desenvolvimentistas

Apresentado por Atualizado em 11 nov 2022, 10h10 - Publicado em 11 nov 2022, 06h00
Marina Silva -
Marina Silva – (Lucas Lima/UOL/Folhapress/.)

Marina Silva já integrou uma lista de cinquenta personalidades que podiam ajudar a salvar o planeta. Dentro do possível, bem que ela tentou fazer sua parte. Como senadora, apresentou quase uma centena de projetos de lei em defesa da Amazônia. No governo Lula, como ministra do Meio Ambiente, se opôs ao Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), um pacote de obras que incluía a construção de duas gigantescas hidrelétricas no coração da floresta. Sem sucesso (as hidrelétricas foram construídas), pediu demissão do cargo em 2008, denunciando que a pauta ambiental não era uma prioridade da gestão petista. Anos mais tarde, em 2014, pela segunda vez se candidatou à Presidência da República. Na época, aparecendo como uma ameaça real à reeleição de Dilma Rousseff, a ex-ministra foi abatida por uma duríssima campanha difamatória promovida pelo PT, o precursor, segundo ela, da disseminação de fake news. Por causa desses episódios, se afastou do partido e de seus dirigentes — até recentemente, quando anunciou apoio a Lula, subiu no palanque com os antigos desafetos e comemorou a vitória do ex-presidente. Aos 64 anos, eleita deputada federal por São Paulo, Marina diz que não tem e nunca teve a pretensão de salvar o planeta. Nesta entrevista a VEJA, a ex-ministra fala de sua reaproximação com o PT e Lula, não descarta a possibilidade de assumir um cargo no novo governo e explica por que o Brasil tem todas as condições de ser protagonista de um projeto de desenvolvimento sustentável.

A senhora deixou o Ministério do Meio Ambiente rompida com o governo Lula, a quem acusava de interferir indevidamente na pauta ambiental. Se arrepende das críticas? Minha relação pessoal com o presidente Lula nunca foi rompida. Naquela época, quando houve pressões contra medidas de redução do desmatamento na Amazônia, eu disse que preferiria perder o pescoço a perder o juízo. E não perdi o juízo. Sempre disse que estava aberta ao diálogo, que veio agora com o compromisso público do presidente Lula com o fortalecimento da democracia, o combate às desigualdades e o desenvolvimento sustentável. Hoje temos propostas para o resgate atualizado da agenda socioambiental perdida.

Quais as questões mais relevantes dessa agenda? Pensar na política ambiental brasileira como diretriz de todo o governo, e não só de um setor ou de um ministério, como era na minha época como ministra do Meio Ambiente. Também temos de investir em atividades públicas sustentáveis, como agricultura de baixo carbono, reflorestamento de milhões de hectares, geração de energia com redução de CO2, criação de unidades de conservação de terras indígenas e viabilização de uma autoridade nacional para riscos climáticos. E, não menos importante, reconstruir instituições como o Ibama, alvo de desmonte no governo Bolsonaro.

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“Foi a primeira vez que tivemos um presidente antiambientalista com ministros antiambientalistas. Esse foi o único governo em que não houve ganho no meio ambiente. Só destruição”

A senhora fala em pautas programáticas, mas já apoiou de Lula a Aécio. Eu insisto em alianças programáticas desde 2010. Na lógica da alternância de poder, que eu defendo como saudável para a democracia, eu declarei meu voto no Aécio em 2014. Hoje eu não o apoiaria, tanto pelo que se revelou na Lava-Jato quanto, principalmente, pelo que se revelou agora. Se Tancredo Neves estivesse vivo, ele ia ter muito desgosto de ver o Aécio com o Bolsonaro.

A senhora foi acusada pela campanha de Dilma Rousseff em 2014 de trabalhar para tirar comida do prato do brasileiro, o que era fake news. Agora aparece ao lado dela no palanque de Lula. Não é uma contradição? Depois daquele ano, eu e Dilma nunca mais tivemos contato. Só agora no segundo turno nos encontramos e celebramos a vitória do presidente Lula. Nós acabamos de ter uma eleição com um presidente (Bolsonaro) que não reconhece a derrota e que considera manifestações na frente dos quartéis. Estamos vivendo uma situação impensável de ver a democracia ameaçada. É um novo tempo e espero que tudo que aconteceu nesse segundo turno nos permita nos reinventar.

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Essa reinvenção passa pela ideia de tentar pacificar um país conflagrado? Nós precisamos de reconciliação. A história não deve ser de revanchismo. Eu prefiro que essa situação limítrofe em que nos encontramos seja a argila para construirmos um novo vaso, o vaso da democracia, um ecossistema saudável e plural. Temos a oportunidade de uma frente ampla em que os vários setores se juntam com a exceptiva de colocar ali os seus anseios e desejos e de expressar seus projetos políticos, mesmo que seja para se viabilizar politicamente no futuro, como é o caso da Simone Tebet. Não estou dizendo que ela vai fazer isso, mas é legítimo. É um momento novo que só confirma a minha tese de que a política é um processo vivo.

Nesse processo vivo, aceitaria voltar a ser ministra do Meio Ambiente? Isso é uma decisão do presidente eleito e, neste momento, qualquer manifestação de sim ou não é presunçosa. Primeiro que não se pode se colocar na fila de ministros quando se está genuinamente ajudando pelo programa, e não por cargos. Segundo, não se pode dizer não para algo que não foi chamado. Ele não chamou ninguém. Só se é chamado quando o presidente torna pública essa convocação.

Como define o Lula que vai assumir o comando do país? É pretensioso definir uma pessoa com uma trajetória tão densa e com tantas nuances na sua história pessoal e política. Vejo um homem disposto a reinventar relações políticas e dar as contribuições necessárias para os temas mais importantes que o Brasil tem de enfrentar, como o combate à fome. O Brasil era a oitava economia do mundo e hoje vive uma crise econômica sem precedentes, com 120 milhões de pessoas em situação de vulnerabilidade social. Agora o país pode dar um passo à frente na melhoria da qualidade política e ajudar a democratizar a democracia.

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As denúncias de corrupção dos antigos governos do PT a incomodam? A corrupção é combatida com ferramentas e instrumentos que excluem a expectativa de impunidade. No governo do presidente Lula, a Polícia Federal, o Ministério Público e o Tribunal de Contas fizeram o seu trabalho com toda a autonomia. Eu sempre repito que pessoas virtuosas criam instituições virtuosas para lhes corrigir quando falharem suas virtudes. Eu fico tranquila em saber que na nossa sociedade temos instituições que vão me interditar, para o meu próprio bem e de toda a sociedade, se porventura falhar.

Como enfrentar o embate natural com os chamados desenvolvimentistas? Até pouco tempo atrás, socialistas, comunistas, capitalistas, conservadores e progressistas, todos eram desenvolvimentistas. O planeta está dizendo que ele tem um limite e, por isso, a visão linear de uso indefinido da biodiversidade não cabe mais. Precisamos de um desenvolvimento sustentável e talvez o Brasil seja o país que reúne as melhores condições para ser o pioneiro nesse projeto viável. Sustentabilismo não é engessar a economia. É criar um novo ciclo de prosperidade. Os partidos do campo da esquerda e da centro-esquerda estão fazendo uma inflexão necessária para a agenda da sustentabilidade. A partir de agora não tem mais como ser desenvolvimentista.

E como conciliar isso à necessidade de grandes obras? O Brasil tem o compromisso de reflorestar cerca de 12 milhões de hectares de florestas. Isso em si já gera cerca de 260 000 empregos diretos. Temos condições de ter no Brasil uma matriz energética 100% limpa, sem precisar de carvão, de petróleo e gás. Isso é da noite para o dia? Não. Trata-se de uma transição. É por isso que a Petrobras não vai ser só uma empresa de petróleo, mas uma empresa de energia. Imagina tirar os nossos agricultores da berlinda de serem o tempo todo tratados como destruidores da floresta.

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“O maior desafio do governo Lula é atingir o desmatamento zero. Temos de convencer as pessoas de que a floresta em pé é muito mais rentável do que destruída”

Nessas políticas de meio ambiente há espaço para parcerias com a iniciativa privada? Trabalhar com entes privados não é um dogma, mas precisamos de critérios. Existem sistemas de concessão e uma avaliação de quem está apto para essa parceria. Não podemos, por exemplo, privatizar parques e torná-los restritos com custos altos para a sociedade. O problema é que tudo no governo Bolsonaro foi feito de forma Tabajara. Ele acabou com o orçamento do Ministério do Meio Ambiente, do Ibama e do ICMBio, colocou a pasta da Agricultura para cuidar do serviço florestal e ainda tentou mudar a legislação para assegurar garimpo em terra indígena. A política de Bolsonaro era não ter política ambiental nenhuma. Foi a primeira vez que tivemos um presidente antiambientalista com ministros antiambientalistas. Foi o único governo em que não houve ganho nenhum no meio ambiente. Foi só destruição.

Em nome de um suposto risco de internacionalização da Amazônia, Bolsonaro afastou parcerias internacionais. Como recuperar apoios e investimentos? A soberania sobre a Amazônia é inquestionável para os países que a detêm, e o Brasil detém a maior parte. Essa retórica usada por Bolsonaro é apenas um pretexto para não proteger a Amazônia. Os mais de 3 bilhões de dólares em recursos do fundo da Amazônia estão parados, mas vão voltar agora que o governo do presidente Lula tem um compromisso com a agenda ambiental e credibilidade internacional. O que ameaça a soberania do Brasil não são os pesquisadores, as ONGs e os indigenistas. O perigo é fazer vistas grossas ao garimpo ilegal, ao tráfico de armas e ao tráfico de drogas.

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Qual a mensagem que o Brasil deve passar na COP27? A mensagem do Brasil na COP já está posta na prioridade que foi dada pelo presidente Lula em sua campanha em relação à mudança climática, ao combate ao desmatamento, à proteção dos biomas, aos povos originários e a levar o Brasil a ter uma agricultura de baixo carbono. Vamos mostrar que temos condições de continuar sendo uma potência agrícola e, ao mesmo tempo, uma potência ambiental, florestal e hídrica. Voltaremos a ter protagonismo global como sempre tivemos.

Qual deve ser a prioridade zero do futuro governo na área ambiental? O maior desafio do governo Lula é atingir o desmatamento zero. Temos de convencer as pessoas de que a floresta em pé é mais rentável do que destruída. Os governos têm a obrigação de persistir em um caminho. O que não dá é para avançar e depois voltar atrás. Há um Brasil fenecendo, que é o Brasil que o Bolsonaro quer, mas também tem um Brasil germinando para depois florescer.

Publicado em VEJA de 16 de novembro de 2022, edição nº 2815

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