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Cláudio Castro: “Nossa legislação faz com que o crime acabe compensando”

Em meio a uma escalada de violência, o governador do Rio diz que as leis contra a bandidagem são brandas e busca dividir responsabilidades com o Planalto

Apresentado por Atualizado em 3 dez 2023, 16h08 - Publicado em 3 nov 2023, 06h00

O ex-vereador Cláudio Castro, 44 anos, foi alçado à cadeira de governador do Rio de Janeiro de maneira quase acidental. Em 2018, tornou-se vice de Wilson Witzel porque ninguém queria concorrer em uma chapa com exíguas chances de vitória. Sobrou então para Castro, que chegou ao Palácio Guanabara impulsionado pela onda bolsonarista, com Witzel à frente — e acabou escalando ao posto de número 1 depois do impeachment dele. Reeleito no ano passado em primeiro turno pelo PL, ele enfrenta o mais duro momento de seu mandato, deflagrado por uma acentuada crise na segurança pública. Os bandidos, mais profissionais do que nunca, vivem em constante afronta ao poder público, produzindo cenas intoleráveis. A escalada da violência o levou a bater à porta do governo federal, o que desencadeou a criação de um comitê de combate à lavagem de dinheiro e o envio de tropas da Força Nacional de Segurança e das Forças Armadas ao Rio. Cantor gospel nas horas vagas, o governador recebeu VEJA bem à vontade em seu gabinete, trajando jaqueta de nylon e tênis (a foto que ilustra a entrevista foi tirada em outra ocasião).

A recente onda de violência no Rio, marcada pelo assassinato de médicos em plena orla da Barra da Tijuca e pela queima de dezenas de ônibus paralisando a cidade, é um sinal de que a bandidagem está se sentindo livre para agir? Estamos vivendo uma situação grave, de forte atuação do crime organizado por todo o território brasileiro. Quando bandidos invadem o paiol do Exército e roubam mais de vinte metralhadoras de grosso calibre, como aconteceu em São Paulo, ou promovem ataques, tais como os vistos no Rio Grande do Norte e no Ceará, eles deixam claro que o problema é generalizado e precisa ser enfrentado nacionalmente, não apenas no Rio.

Seu governo liderou seis operações por dia, em média, ao longo de 2023, mas os bandidos não deram trégua. O que saiu diferente do esperado? Sou muito atacado por fazer operações policiais duras, mas elas são fundamentais para desarticular esses grupos e impedi-los de dominar territórios no estado. Grande parte das operações é motivada pela guerra entre facções. Aí a polícia entra em campo, como é esperado que faça. Só que isso representa uma parte de um assunto muito mais amplo. Precisamos reforçar o controle das fronteiras para inibir o acesso às armas pesadas e frear a lavagem de dinheiro, para asfixiar as quadrilhas. Do contrário, estaremos enxugando gelo.

E o que o está impedindo de agir nesta direção? Esbarramos em competências federais. A verdade é que nossa legislação faz com que o crime acabe compensando, porque não pune traficantes e milicianos como deveria.

O senhor está dizendo que a Justiça não está colaborando na batalha contra as quadrilhas? O cara comete um crime, porta arma de guerra, faz trabalho de milícia, de tráfico e, quando é preso, volta para casa depois de dois, três anos. Vale a pena, não? Os países que resolveram os gargalos da segurança não permitem uma progressão de regime como esta. Fui inclusive a Brasília para propor mudanças de legislação, de modo a endurecer as penas.

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Ao apontar o dedo para o Judiciário, não está se eximindo da responsabilidade sobre o que se passa no Rio? Ao contrário. Enquanto a culpa é jogada exclusivamente no colo do governo estadual, está claro que esse modelo de combate, em que só o estado está na linha de frente, não se revela eficiente. Nossa parte, a gente faz. Quando assumi, o salário dos policiais era o segundo pior do Brasil, hoje fica entre os três melhores. Comprei armas e coletes para todos os agentes, viaturas, e construí o maior centro de treinamento de policiais da América Latina.

“O crime se profissionalizou. O poderio bélico e financeiro das quadrilhas aumenta a cada dia no país inteiro. E o problema é do governador do Rio de Janeiro? Não, é de todos”

Nomear “inimigos públicos número 1”, como o senhor se refere aos líderes das facções no estado, e sair à sua caça não é ação de espectro limitado, uma vez que são logo substituídos? Às vezes, a pessoa pensa: “Olha lá os ônibus queimados, essa operação não deu em nada”. Mas é óbvio que ela desencadeia uma desarticulação das quadrilhas ao neutralizar o general que promove a guerra. Estou bem ciente, porém, de que é preciso ir além e, por isso, propus ao governo federal a criação de um comitê integrado para combate à lavagem de dinheiro e um reforço das Forças Armadas para atuar na Baía de Guanabara, nos aeroportos e fronteiras. O crime se profissionalizou. O poderio bélico e financeiro deles aumenta a cada dia. E o problema é do governador? Não, é de todos.

Por que chamar as Forças Armadas outra vez, considerando que elas estiveram no Rio em mais de trinta ocasiões desde a redemocratização e nunca se observou nenhum avanço real? Ao contrário do que ocorreu anteriormente, não pedi que as Forças Armadas fizessem o nosso trabalho, mas o que é de atribuição da União. Não estou empurrando o imbróglio para eles. Minha relação com o ministro Flávio Dino e com o secretário Ricardo Cappelli tem sido excepcional. Agora, a responsabilidade precisa, sim, ser dividida. O governo do estado não é culpado de tudo nem tampouco resolverá a crise sozinho.

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Uma ação no STF chegou a suspender operações nas comunidades durante a pandemia. Como recebeu a decisão? Certamente não era essa a intenção do Supremo, mas a imagem que acabou sendo passada para todo o Brasil era de que os criminosos poderiam vir para cá, uma vez que o Rio estava impedido de agir contra o crime. Doze líderes de facções de outros estados apareceram por aqui. O saldo não foi bom.

Há dois anos, o senhor implantou o Cidade Integrada, para levar o poder público para dentro das comunidades, mas houve denúncias de participação das quadrilhas e de corrupção da polícia no programa. Parece que os mesmos erros das Unidades de Polícia Pacificadora, as UPPs, do governo Sérgio Cabral, estão se repetindo. É essa sua avaliação? Agentes públicos podem ter se corrompido, mas é inegável que obtivemos alguns avanços, como coleta de lixo restabelecida, escolas reformadas e a volta de projetos sociais. Houve impedimentos judiciais para entrar nessas áreas, como havíamos planejado, e ficamos mais uma vez sozinhos. Hoje, estou confiante em que vamos devolver esses territórios à população.

Recentemente, o país assistiu na TV a cenas de ex-policiais ensinando táticas de guerrilha a traficantes, e as milícias são sabidamente formadas por agentes da lei. Integrantes da corporação não seriam também a causa do problema? Há policiais corruptos, assim como tem gente desonesta em todas as profissões. Esses agentes cooptados pelo crime merecem punições maiores, sem dúvida. Criminoso deve ser combatido, esteja ele de terno, de tênis ou de farda.

Circula nos corredores do poder fluminense que o senhor trocou o secretário da Polícia Civil por influência de deputados estaduais e até mudou a lei para permitir que um delegado com menos de quinze anos na ativa assumisse o cargo. Desse jeito, não está politizando a área? Não existe isso. Quem escolhe o secretário, garanto, sou eu.

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Por que o antecessor dele, que era escolha sua, permaneceu apenas duas semanas na cadeira? Houve uma questão pessoal por parte de José Renato Torres. Eu aceitei.

VEJA obteve a informação de que o senhor pediu a Torres que cedesse postos dentro da polícia a parlamentares. Isso ocorreu? Não. É fofoca de roda de político e de jornalista.

O atual secretário, Marcus Amim, já deu declarações de que a polícia deve atirar para matar. O senhor endossa? A polícia tem de fazer o uso moderado e necessário da força. Estamos trabalhando duramente para diminuir a letalidade policial, que também nos incomoda. Uma coisa é a pessoa dar sua opinião pessoal nas redes. Virou secretário, quem determina a postura sou eu.

A política de liberação de armas à população no governo Bolsonaro facilitou o acesso a armamentos pesados. Isso não dificulta o duelo contra o crime? A maior parte dos fuzis vem do tráfico internacional de armas, não dos caçadores e colecionadores que passaram a ter acesso a elas. A falta de controle de fronteira, dos portos e aeroportos contribuiu infinitamente mais para o aumento do poder de fogo da bandidagem. O cidadão de bem, dentro da razoabilidade, pode ter uma arma em casa, talvez não um fuzil.

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O senhor está próximo do presidente Lula? Eu não o conhecia, mas é uma figura dócil e me trata muito bem. Mesmo sob vaias, fui aos eventos do governo federal no Rio e o próprio presidente disse algo que considero correto: mesmo adversários na eleição, temos obrigação de trabalhar juntos.

“Com a mudança no ICMS, o estado deixou de ter uma situação fiscal estável. Não gostei das primeiras medidas apresentadas pelo Haddad, mas as conversas continuam”

Como vêm sendo as conversas com o ministro Fernando Haddad em torno da renegociação da dívida do estado? Entendo o lado dele, que também tem um rombo para administrar. Qualquer medida que nos ajude aumenta o déficit fiscal do governo federal e, por isso, Haddad está tratando o tema de maneira conservadora. Para este ano, com a mudança na arrecadação do ICMS, a perda na receita estadual será de cerca de 8 bilhões de reais. O valor é maior do que a parcela da dívida que eu desembolsei, de 4,5 bilhões.

Qual o impacto concreto disso? Enorme. Significa que o estado deixou de ter uma situação fiscal estável. O arranjo anterior funcionava muito bem. Estávamos equilibrados. Não gostei das primeiras medidas apresentadas pelo Ministério da Fazenda, mas as conversas seguem.

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Como anda a relação com Bolsonaro? A gente troca mensagens de vez em quando, principalmente para discutir questões partidárias. Ele é uma liderança importante, que elegeu a maior bancada do Congresso, ajudou na minha vitória e na dos governadores de Minas, Paraná, Goiás, Amazonas e Acre. Sem dúvida, continuará sendo um cabo eleitoral relevante, mesmo inelegível. Essas eleições vão testar a real força da direita.

Quem o senhor vai apoiar nas eleições para a prefeitura do Rio em 2024? Teremos candidato próprio. Há muitos nomes em estudo, entre eles o do ex-diretor da Abin, Alexandre Ramagem, e o do deputado federal Otoni de Paula, ligado à bancada evangélica. Nunca escondi de ninguém que o meu preferido é o deputado federal Dr. Luizinho, meu ex-secretário. Disputaremos com o prefeito Eduardo Paes.

A polícia o informou sobre um plano de atentado contra o senhor e sua família. Teve medo? O Gabinete de Segurança Institucional tem pessoal preparado para lidar com isso e reforçou minha segurança assim que o setor de inteligência da Polícia Civil identificou um plano de atentado. Essa reação é uma resposta de que estamos no caminho certo, combatendo de frente essas máfias para libertar a população do jugo do crime. Isso não me intimida e não recuarei.

Publicado em VEJA de 3 de novembro de 2023, edição nº 2866

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