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Bruno Dantas: “Equilíbrio das finanças públicas não pode ser abandonado”

O presidente do TCU diz que reação das instituições evitou abalos à democracia e que é preciso atenção ao uso correto dos recursos públicos

Apresentado por Atualizado em 9 dez 2022, 10h29 - Publicado em 9 dez 2022, 06h00

O advogado Bruno Dantas assume o comando do Tribunal de Contas da União a partir da próxima semana. Em tempos não muito remotos, isso teria pouquíssima ou quase nenhuma relevância — o que não é o caso agora. Por décadas, o TCU se comportou como repartição inoperante, cabide de emprego para apaniguados e abrigo de políticos em fim de carreira. A leniência com os governos de turno, afinal, era marca registrada. Escândalos magníficos como o dos anões do orçamento ou mais recentes, como mensalão e o petrolão, por exemplo, ficaram completamente à margem dos radares da instituição. O ponto de inflexão foi o impeachment de Dilma Rousseff em 2016. A presidente teve o mandato cassado depois que a Corte rejeitou a prestação de contas do governo. Com isso, a oposição percebeu que tinha em mãos uma poderosa arma para enfrentar o Executivo. Na gestão de Jair Bolsonaro, o tribunal chegou a ser acusado de ativismo, diante de um leque grande de investigações — atos golpistas de 7 de Setembro, contratos privados do ex-juiz Sergio Moro e até denúncia de assédio sexual na Caixa Econômica. Em entrevista a VEJA, o novo presidente do TCU fala sobre essas (muitas) atribuições, diz que a reação das instituições impediu retrocessos durante o atual governo e afirma que a Corte e os contribuintes precisam estar atentos ao uso correto dos recursos públicos.

O senhor assume a presidência do TCU no momento em que grande parte das instituições foi colocada em xeque por movimentos extremistas. Qual papel o tribunal pode ter daqui em diante? Um dos papéis principais do TCU é atuar como player no equilíbrio constitucional-institucional, auxiliando no trabalho de outras instituições no combate à grande corrupção, uma chaga em democracias novas, como a brasileira. Mas também é atribuição do tribunal induzir no cidadão a responsabilidade de fiscalizar seus governantes. Pretendo criar um ranking nacional de transparência dos municípios com indicadores para que o brasileiro comum possa cobrar o prefeito, o vereador, o secretário municipal. Precisamos estar abertos para que, a partir da participação popular em fiscalizações, a sociedade nos diga: “Vocês deveriam olhar aquilo, vocês deveriam concentrar o olhar neste assunto”.

O Brasil acaba de assumir a presidência da Organização Internacional de Instituições Superiores de Controle, que tem status de órgão consultivo da ONU. O que se pode esperar da participação brasileira? Como presidente desta organização, a Intosai, estamos aproximando nossa agenda da agenda da ONU para que tenhamos clareza do que é possível fazer na prática em temas como desenvolvimento sustentável, erradicação da pobreza e da fome, meio ambiente e equidade de gênero, por exemplo. O que o Brasil tem feito com razoável sucesso é a fiscalização de uma carteira de projetos de infraestrutura para que o investidor, ao olhar para aquele ativo, perceba que não se trata de um governo que quer vender de qualquer jeito, e, sim, que isso ocorre com o aval de uma instituição séria, como o TCU, com reconhecimento internacional e usando métricas internacionalmente aceitas.

“O Brasil mostrou que tem uma sólida rede de blindagem institucional, formada pelo Supremo, pelo Congresso, pelo TCU e pelo TSE, capaz de impedir qualquer tentativa de arranhar a democracia”

O ativismo do TCU nos últimos anos foi necessário? Não acho justo falar em ativismo porque não é o tribunal que acorda de manhã e decide que vai fiscalizar determinada coisa. Há mais ou menos seis anos, houve um movimento em que o próprio Congresso começou a dar mais atribuições à Corte, determinando, por exemplo, que opinássemos sobre a prorrogação antecipada de concessões ou o modelo e preço de privatizações. Antes disso, em 2012, a partir de uma revisão com países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), concluímos que o TCU não exercia satisfatoriamente seu papel e passamos a colocar mais critério, por exemplo, na questão da prestação de contas do presidente da República.

Depois da rejeição das contas de Dilma Rousseff, o tribunal não passou a ter responsabilidade também pelas consequências políticas de suas decisões? Quando o TCU analisa as contas do presidente, emitimos um parecer prévio, uma perícia, mas o juiz, que é o Congresso, não está vinculado às nossas conclusões. Em 2015, o que houve foi que, a partir de uma fragilidade na prestação de contas, o Congresso se apropriou daquele relatório e o utilizou para as finalidades políticas que nós todos conhecemos. O TCU em nenhum momento disse que a presidente Dilma cometeu crime de responsabilidade.

Neste momento o governo eleito faz as contas para pagar o Bolsa Família ainda sem garantia de previsão orçamentária. O que fazer? Antes de ser substituído pelo Auxílio Brasil, por exemplo, o Bolsa Família custava ao Orçamento 30 bilhões de reais. Com esse valor por ano, o programa contribuía para a redução do nível de pobreza em 1,7%. Com os mesmos 30 bilhões de reais, a desoneração da cesta básica, que atinge salmão, bacalhau e caviar, reduz a pobreza em 0,1%. É preciso focalizar a política em quem precisa. O governo tem esses dados, mas quando o TCU aprova um relatório de auditoria ou de fiscalização, ele diz para a sociedade brasileira que as coisas poderiam ser mais eficientes, principalmente porque vivemos um momento de restrições fiscais.

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Qual deve ser o ponto de equilíbrio entre a plataforma de campanha do presidente eleito e o cumprimento do teto de gastos? Um componente que precisa ser avaliado é a necessidade de o Brasil ter uma âncora fiscal que transmita previsibilidade àqueles que financiam a dívida pública. É óbvio que o programa do presidente eleito e chancelado pelas urnas prevê mais investimentos em programas sociais, e isso será considerado pelo TCU, se formos provocados. Mas o tribunal não é um oráculo onde as pessoas chegam com perguntas sobre o que fazer para governar. Quem venceu a eleição tem legitimidade para implementar seu programa, mas isso não significa que possam ser abandonados princípios civilizatórios, como o equilíbrio das finanças públicas.

Existe algum argumento que possa dar sustentação técnica à existência do orçamento secreto no Congresso? Não acho que o secretismo seja um problema. O problema são o volume dos recursos e a falta de critério de distribuição. Ao olharmos a destinação desses recursos, a conclusão a que chegamos é de que não houve nenhum investimento estruturante porque tudo foi canalizado para obras como a pavimentação de uma rua aqui, outra ali. Não seria problema destinar os recursos para cidades específicas se elas realmente precisassem. É bom ressaltar que o tribunal não é nem a favor nem contra determinado modelo. Não faz as leis. Ele as aplica, aponta as distorções e envia ao Congresso.

O senhor considera que a democracia brasileira esteve sob ameaça? Não acho que em algum momento houve ameaça à democracia, mas nós identificamos movimentos na sociedade, ora espontâneos, ora incentivados por atores políticos, de ataque às instituições. E as instituições deram uma demonstração superlativa de resiliência e de compreensão do momento histórico. Houve uma reação proporcional às agressões. Isso nos permitiu chegar agora, a poucos dias para a posse do novo governo, ao momento máximo de uma democracia, que é a alternância de poder.

O senhor inclui o presidente da República entre esses incentivadores? O presidente da República tem um estilo próprio, que, ao longo de quatro anos, muitas vezes serviu como mote para manifestações populares. Nas conversas que ele teve com as instituições, repetia inúmeras vezes que nunca teve a intenção de atacá-las, mas esse discurso precisa também ter projeção na prática política. O que percebemos é que o que há de pior são os assessores, os auxiliares bajuladores que tentam adivinhar o que o chefe quer.

O senhor se refere aos militares? Nessa hora, pouco importa se é civil ou militar. Uma ideia não brota apenas em mentes que seguiram determinadas carreiras do serviço público. Eu não consigo imaginar o que teria acontecido se as instituições não tivessem reagido porque elas existem para agir. O Brasil mostrou que tem uma sólida rede de blindagem institucional, formada pelo Supremo Tribunal Federal, pelo Congresso Nacional, pelo Tribunal de Contas da União e pelo Tribunal Superior Eleitoral, capaz de impedir qualquer tentativa de arranhar a democracia.

“Quem venceu a eleição tem legitimidade para implementar seu programa, mas isso não significa que possam ser abandonados princípios como o equilíbrio das finanças públicas”

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Quando um integrante do TCU publica em um grupo de WhatsApp mensagens golpistas, como foi o caso do ministro Augusto Nardes, não se pode dizer que o próprio tribunal tem suas vivandeiras? A ação do Poder Judiciário tem sido acertadamente implacável contra as vivandeiras alvoroçadas aludidas pelo general Castello Branco nos anos 60. Empresários e militantes que atualmente patrocinam movimentos minoritários para tentar fabricar uma crise antidemocrática artificial devem ser processados e presos. O próprio ministro Augusto Nardes admitiu em nota seu embaraço com o conteúdo do áudio divulgado e apresentou retratação pública condenando movimentos golpistas.

O senhor acredita em pacificação real do país após a mudança de governo? Sempre defendo a ideia de que as instituições são maiores e mais importantes que os indivíduos, mas no presidencialismo não há como negar que o temperamento do presidente da República acaba projetando influxos para a sociedade. O presidente Jair Bolsonaro sempre fez questão de exaltar uma característica sua, que era de não fugir de conflitos. O presidente eleito Lula também sempre expressou uma característica, mas a de pacificar conflitos. Então, acredito, sim, em pacificação.

Parte da opinião pública ainda critica a volta de Lula ao cenário político por causa dos casos de corrupção no passado, ainda que os processos contra ele tenham sido anulados. Como avalia esse cenário? Eu não cuido de pessoas, eu cuido de atos. A pessoa foi chancelada pelas urnas do Brasil e não cabe a mim essa avaliação. O que nós vamos fazer é analisar cada ato de governo, como ocorreu com todos os presidentes que foram eleitos e que tomaram posse no Brasil.

Como se sabe, o algoz na Justiça de Lula foi o ex-juiz Sergio Moro, eleito agora senador. Por qual razão o TCU iniciou uma investigação sobre ele por causa de um contrato em uma consultoria da iniciativa privada? No caso dos processos que avaliam o comportamento do ex-juiz houve um pedido do Ministério Público para que o assunto fosse investigado. Só cabia ao tribunal examinar. Não há juízo de valor emitido sobre o comportamento de Moro porque o caso ainda está sob avaliação.

Publicado em VEJA de 14 de dezembro de 2022, edição nº 2819

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