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“Se a destruição do ambiente continuar, questões sociais ou econômicas não farão sentido”

Para o diplomata Rubens Ricupero, a questão ambiental deveria ser foco central da Rio+20. Ele também defende modalidades de geração de fundo que não fossem vindas de doação dos países

Por Marco Túlio Pires
Atualizado em 6 Maio 2016, 16h44 - Publicado em 8 mar 2012, 10h41

A questão ambiental deveria ser seria o centro das atenções da Rio +20, a conferência das Nações Unidas sobre o clima e biodiversidade que ocorre entre os dias 13 e 22 de junho no Rio de Janeiro. Essa é a opinião do diplomata brasileiro Rubens Ricupero. “É preciso ter mais foco nas discussões”, disse ao site de VEJA durante o simpósio organizado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de São Paulo) entre os dias 6 e 7, em São Paulo, para discutir temas relacionados a Rio +20. O foco, na opinião de Ricupero, deveria ser a gravidade da destruição do meio ambiente.

Ricupero e colegas – como o físico José Goldenberg, da USP e Fabio Feldmann, ex-deputado federal ambientalista, agora consultor de desenvolvimento sustentável – formaram um grupo informal para chamar atenção do governo e da sociedade para essa gravidade.

“Se a destruição do ambiente continuar no ritmo em que está, não fará sentido falar sobre questões econômicas ou sociais”, critica o embaixador, que também já foi ministro do Meio Ambiente e da Fazenda durante o governo Itamar Franco e secretário-geral da Unctad, principal órgão da ONU que lida com questões de mercado, investimentos e desenvolvimento.

Em 1992, durante a Rio-92, Ricupero foi o responsável pelo capítulo de finanças do documento resultante da reunião. O trecho definiu porcentagens, metas e como seriam financiadas as medidas de contenção da degradação do meio ambiente e biodiversidade. Atualmente, o embaixador é diretor da Faculdade de Economia e Relações Internacionais da FAAP (Fundação Armando Alvares Penteado), em São Paulo.

O grupo do qual Ricupero faz parte pretende redigir um documento com a intenção de mobilizar a opinião pública frente à gravidade da situação ambiental do planeta. O documento passará pela análise de cientistas e do Fórum de Ex-Ministros do Meio Ambiente, criado para discutir o novo código florestal, ainda em tramitação.

O embaixador reconhece que a Rio +20 não é a conferência adequada para se falar sobre mudanças climáticas e biodiversidade – esses dois assuntos possuem suas conferências próprias – mas a ideia é que a questão seja tratada com transparência e honestidade pelas lideranças. “A gravidade da questão ambiental não pode ficar implícita nas reuniões da Rio +20”, disse. “Ela precisa ser o ponto central que guia as discussões.”

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Por que o grupo do senhor decidiu criar um documento sobre o meio ambiente? Queremos apresentar uma posição da sociedade civil, principalmente nas esferas científica e ambiental, sobre o andamento dos preparativos da Rio +20. Os países estão preparando uma agenda que, ao nosso ver, não inclui uma advertência sobre a gravidade dos problemas ambientais nesse momento. Existem questões louváveis sob análise, mas insuficientes.

Quais questões são essas e por que elas são insuficientes? Querem melhorar o modo como a questão do meio ambiente é tratada. Isso poderia vir por meio de uma nova organização mundial de meio ambiente ou o aperfeiçoamento dos programas já existentes. Outro ponto discutido é a fixação de metas para o desenvolvimento sustentável dos países. Porém, falta o ponto fundamental que é a condição disso tudo: estamos assistindo a uma deterioração, não a um progresso, em matéria de mudança climática e preservação das espécies. Isso compromete todo o resto. Não adianta falar em desenvolvimento sustentável se vamos ter daqui alguns anos a elevação média de temperatura em 2 graus. Alguns especialistas afirmam que esse valor já é intolerável do ponto de vista da extinção de espécies. Se trabalharmos com os piores cenários, de 5 graus por exemplo, a situação é ainda pior.

O documento pretende unir as questões de biodiversidade e clima, hoje tratadas separadamente na ONU? Não. Sugerimos que a dificuldade atual seja enfrentada com honestidade. Quase 100% dos cientistas especialistas em pesquisas do clima afirmam que há um problema ambiental sério no mundo. Se isso realmente está acontecendo, que a situação seja tratada com a gravidade necessária. Queremos uma manifestação da sociedade civil mostrando que há uma visão alternativa ao problema ambiental.

Os países ainda não entendem que o problema é grave? A Rio +20 vai apresentar a visão oficial dos governos, o resultado de uma negociação onde cada um quer incluir suas preocupações e evitar outras. O documento final vai incluir tantos temas acumulados há décadas em relação à situação econômica e social do mundo que tudo passou a ser prioridade. E se tudo é prioridade, não temos foco e agenda fica diluída. O resultado é sempre o mínimo denominador comum acordado entre as nações. Achamos que essa abordagem é incorreta.

Qual seria a abordagem correta? A preocupação precisa iniciar na questão ambiental. Isso não quer dizer que ela é mais importante que o social. O problema é que se o ambiente for tratado de maneira desastrosa, como atualmente é tratado, não vai haver o social, nem o econômico. O que nos separa da última era glacial (entre 110.000 e 10.000 anos atrás) é uma diferença de 5 graus. A temperatura média da Terra hoje é de 15 graus, incluindo a temperatura dos oceanos. Por isso cada grau é importante. Se tivermos mais 5 graus de aquecimento na média global, não sabemos o que vai acontecer. Não há experiência histórica que possa prever isso. O ambiente é a condição de possibilidade dos outros pilares, o econômico e o social. Eles não existem sem o ambiente.

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Em termos práticos, quais instrumentos devem ser criados para tratar a questão do ambiente? A Rio +20 tem o que se chama de rascunho zero, denominado “O Futuro que queremos”. Ele prevê uma das coisas que nosso grupo defende, que é a criação de indicadores e metas que permitam avaliar o progresso ou retrocesso do mundo na questão ambiental. Não temos um sistema mundial que permita verificar se estamos avançando ou andando para trás em questão das espécies de animais e plantas ou com os problemas do clima. Essa seria a base na qual outras coisas poderiam ser discutidas. Contudo, isso ainda está muito incipiente. Precisamos de modalidades automáticas de geração de fundo que não fossem vindas de doação dos países. Um dos caminhos é o crédito de carbono e pagar pelos serviços climáticos, de biodiversidade e o serviço da água.

O mercado de carbono já funciona há pelo menos cinco anos. Existem exemplos dos serviços climáticos? Um exemplo é a cidade de Extrema, na fronteira de Minas Gerais e São Paulo. A prefeitura gratifica financeiramente os agricultores que protegem as nascentes. O futuro do financiamento ambiental está nesse tipo de mecanismo. Você paga por um serviço e não na doação.

O que o Brasil poderia fazer para contribuir nesse sentido? É importante que haja uma implementação rápida da lei de mudança climática. O governo precisa adotar no projeto de país a dimensão ambiental. Não deixar o meio ambiente só no ministério de meio ambiente, mas ser uma preocupação central de todos. Não podemos aumentar o desenvolvimento só na base do consumo, temos que nos preocupar com o ambiente. Que eu saiba, não há ninguém hoje em dia cuidando disso. Uma pergunta que faço é: Por que na política industrial não existem elementos ambientais? Há um tempo dávamos preferência e premiávamos eletrodomésticos da linha branca que fossem mais econômicos, mas aquilo acabou e hoje não temos mais nada. Recentemente, quando o governo anunciou políticas industriais a favor da indústria automobilística, se dizia que as montadoras seriam estimuladas a produzir veículos com mais economia de combustível. Isso faria parte do pacote de mudanças. Contudo, as empresas reclamaram e o assunto desapareceu, talvez por uma razão legítima, mas isso deveria ser destacado em toda a indústria.

Quais bons exemplos deveríamos seguir? A China possui um projeto extraordinário de transição para economia verde. É o país que, de longe, mais investe nisso. Atualmente os chineses possuem o maior parque de energia solar do mundo e o segundo maior de energia eólica, que logo será o primeiro. São grandes poluidores ao lado dos Estados Unidos, mas estão investindo para mudar. Eles pretendem dominar as tecnologias de energia alternativa e ganhar dinheiro com isso. Será curioso: um dia vamos produzir energia solar pagando por tecnologia chinesa. O Brasil nesse ponto foi pioneiro, mas perdeu dinamismo. Saímos na frente com o etanol, mas ficamos parados. Não se vê planos de transição para economia verde. É preciso que o governo incorpore isso.

O que o senhor espera da Rio +20? As negociações serão muito cuidadosas. Os europeus querem a criação de uma organização mundial de meio ambiente, mas enfrentam a resistência dos EUA. Se a organização sair, teremos chefes de estado, presidentes e primeiros ministros. Se não sair, vão mandar delegações menos importantes. O Brasil, como anfitrião, quer repetir o sucesso da Rio-92. Contudo, aí mora um problema. Foi uma pena a ONU ter embarcado nessa de Rio +10, 20. Uma comemoração, por definição, não é igual ao evento. A comemoração da data que marcou o fim da Guerra Mundial não é a mesma coisa que se comemorar o fim da guerra, é uma memória. Todas essas comemorações nascem esvaziadas. A Rio-92 foi o fator catalisador para duas convenções importantes, a do clima e a da biodiversidade, mas se elas não estivessem planejadas para serem assinadas no início da conferência, dificilmente o processo negociador teria terminado naquela hora. É por isso que ela começou de maneira fantástica, com vários presidentes se sucedendo na tribuna. A realidade agora é outra, não teremos mais isso.

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