As autoridades da Venezuela proibiram que emissoras de rádio e televisão divulguem o plebiscito simbólico que a oposição vai realizar neste domingo sob pena de sanções, denunciou o Sindicato Nacional de Trabalhadores da Imprensa (SNTP, na sigla em espanhol), que considerou a medida um ato de “censura”. O SNTP rechaçou a “arbitrária e inconstitucional decisão (…) de proibir os meios de comunicação de publicar informações que façam referência à ‘consulta popular'”, destacou o órgão em comunicado.
A Comissão Nacional de Telecomunicações (Conatel), órgão oficial do governo, citou na quarta-feira os representantes de emissoras de rádio e televisão para “aconselhá-los” a ter “cuidado com o tratamento desta cobertura”, disse à agência France Presse Mayela León, diretora do canal Globovisión. A Conatel considera que o plebiscito contra o presidente Nicolás Maduro é uma “atividade à margem da Constituição, pela qual o veículo poderá ser sancionado se promover alguma atividade fora deste marco”, destacou León nesta quinta.
A medida proíbe a divulgação de publicidade sobre a consulta. “Vamos poder cobrir o evento, o que não podemos é fazer convocações”, completou a diretiva. Contudo, admitiu que será “muito complicado, pois cabe ao órgão regulador determinar se os meios cumpriram. Vamos ser criativos”, garantiu. O SNTP afirmou que se trata de um ato de “censura prévia” para favorecer o oficialismo.
Com o plebiscito simbólico, a oposição pretende expressar um maciço rechaço à Assembleia Constituinte convocada por Maduro. A consulta pública também questiona se os venezuelanos estão de acordo com uma mudança de governo e com a exigência de que as Forças Armadas – aliadas de Maduro – respeitem a Constituição.
A Conatel pediu também à imprensa para “colaborar com a divulgação da Constituinte”, cujos integrantes serão eleitos em 30 de julho, comentou León. Diante da medida do órgão regulador, o SNTP demandou aos veículos “compromisso máximo” com seu trabalho.
Qual o objetivo do plebiscito?
O plebiscito é apresentado como um ato de “desobediência civil” contra Maduro. A coalizão opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD) se apoia em um artigo constitucional que garante o direito de se rebelar contra governos autoritários. Apesar de não valor legal, a votação quer dar forma à rejeição à Constituinte, que chega a 70%, segundo pesquisa Datanálisis.
Uma grande participação no plebiscito contra uma hipotética baixa participação na eleição dos membros da Assembleia Constituinte, em 30 de julho, afetaria a “viabilidade e governabilidade da Constituinte”, acredita o analista Benigno Alarcón. “O governo se verá numa situação muito complicada para avançar com a eleição”, e, em todo caso, “será muito difícil implementar decisões sob esse esquema”, acrescentou.
Segundo a MUD, a consulta de domingo iniciará a fase decisiva para tirar do poder Maduro, que enfrenta mais de três meses protestos contra seu governo, com saldo de 95 manifestantes mortos.
É possível parar a Constituinte?
O governo assegura que a Constituinte será um “superpoder”, poderá dissolver o Parlamento e “trará paz e recuperação em plena crise econômica”. Segundo analistas, porém, Maduro poderá utilizá-la para “governar sem limites”, aproveitando que a oposição não participará desse processo por considerá-lo fraudulento.
A iniciativa provocou protestos, críticas internacionais e impugnações na mais alta instância judiciária do país, acusada de servir a Maduro. O plebiscito “é simbolicamente importante, mas será muito difícil atingir seu objetivo, que é deter a Constituinte”, opina Michael Shifter, presidente do Inter-American Dialogue, com sede em Washington. “O Parlamento pode ter razão e legitimidade, mas o poder real está concentrado no Executivo, incluindo nos tribunais e nas Forças Armadas”, acrescenta.
Para deter a Constituinte, seria importante uma declaração de rejeição do alto comando militar, o qual jurou “lealdade incondicional” a Maduro. “Se isso não acontecer, a Constituinte será eleita independentemente da quantidade de votos”, estima o cientista político Luis Salamanca.
Já Alarcón acredita que a situação pode mudar após a deserção da procuradora-geral Luisa Ortega, que agora enfrenta Maduro e sua Constituinte após anos de chavismo, e a rejeição de ex-funcionários do falecido presidente Hugo Chávez.
O que acontecerá após a Constituinte?
O mandato de Maduro termina em janeiro de 2019, mas a oposição teme que a Constituinte mude o sistema eleitoral para perpetuar o chavismo. Se, apesar da pressão da oposição, a Constituinte for instalada, “ninguém irá reconhecê-la, e o governo deverá contar com as Forças Armadas para impor suas decisões”, alerta Alarcón.
O risco de frustração das bases opositoras também é grande, como aconteceu em 2016. No ano passado, a militância protestava porque o poder eleitoral freou um referendo revogatório contra Maduro. Na ocasião, a MUD aceitou um diálogo com o governo, que acabou fracassando, e perdeu entre 7 e 14 pontos de apoio, segundo pesquisas. “Pode haver desencantamento, mas a liderança deve estar pronta para a luta, porque o capítulo que se inicia será muito duro”, ressaltou Salamanca, defendendo que a oposição participe da Constituinte.”Seria preferível tentar ganhar uma maioria, ainda que precária, e não deixar o campo vazio, que era o que eles queriam”, alega.
(Com AFP)