Depois de um dia animado no Rio de Janeiro – grelhando bacalhau na churrasqueira, distribuindo bolinhos de peixe em um bar, andando de bondinho e assistindo a um campeonato de futebol no Leme –, o primeiro-ministro da Noruega, Jonas Gahr Støre, se confrontou com questões mais duras no fim da tarde. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, anunciou no domingo 17 que autorizou a Ucrânia a usar armas americanas contra a Rússia, cruzando uma “linha vermelha” traçada por Vladimir Putin.
O norueguês, convidado para a cúpula do G20, que começa nesta segunda-feira, 18, vem apoiando Kiev desde o início da guerra, em fevereiro de 2022, e diante do anúncio de Washington afirmou que o país invadido “tem o direito de se defender”. Mas reconheceu que a permissão do uso de mísseis de longo alcance de um país ocidental contra o território russo pode dificultar as negociações sobre a declaração final do grupo das maiores economias do mundo.
“Se você quiser chegar a um consenso entre esses 20 países, terá que ser realista”, disse Støre em uma roda de conversa com seis veículos estrangeiros e nacionais, entre eles VEJA.
Guerra na Ucrânia
Alguns dos pontos mais polêmicos sobre a declaração final da cúpula ficaram para a última etapa de negociações – entre eles, as guerras no Oriente Médio e na Ucrânia, com o agravante de que a delegação russa estará presente no evento –, e podem empacar sua assinatura por todos os países. Ou seja, existe a possibilidade que a reunião termine sem o documento, o que seria um fracasso para o Brasil, que ocupa a presidência rotativa do G20.
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Para Støre, a mudança de política dos EUA, que vem poucas semanas antes de Biden deixar a Casa Branca nas mãos de Donald Trump (muito menos afeito à causa ucraniana), é bem-vinda porque pode ajudar a por um ponto final no conflito.
“Essa guerra tem que acabar, com a Ucrânia no banco da frente. A Rússia invadiu um estado soberano democrático, e hoje a Ucrânia é atingida todos os dias e todas as noites por mísseis, drones e artilharia de longo alcance, destruindo redes elétricas, infraestrutura civil. A Ucrânia tem o direito de se defender contra essa agressão”, afirmou na noite de domingo, referindo-se ao uso de mísseis de longo alcance contra a Rússia.
Ele fez a ressalva de que espera que as forças de Kiev respeitarão “as regras fundamentais do direito internacional”, ou seja, distinguir entre civis e militares na hora de atacar um país inimigo. “Esse é o principal alicerce para o apoio da Noruega”, declarou Støre, cujo país doou 52,6 bilhões de coroas norueguesas (cerca de R$ 27,6 bilhões) à Ucrânia.
O primeiro-ministro acrescentou que a declaração final não pretende encontrar soluções para os vários conflitos que assolam o mundo hoje, mas que as questões do Oriente Médio, da Ucrânia, do Sudão, de Mianmar, entre outras serão discutidas às margens da cúpula do G20. “Essas reuniões e discussões informais podem ser úteis. O G20 representa 80% da economia mundial, mas não é um fórum de tomada de decisões. É um fórum de moldagem de decisões”, explicou.
Sinal verde
No Brasil para as reuniões do G20, Joe Biden autorizou neste domingo 17, o primeiro uso de mísseis de longo alcance fornecidos pelos Estados Unidos à Ucrânia para ataques dentro da Rússia. As armas serão inicialmente empregadas contra tropas russas e norte-coreanas em defesa das forças ucranianas na região de Kursk, oeste da Rússia.
A decisão do presidente americano aponta para uma grande mudança na política dos Estados Unidos. A escolha, que dividiu seus conselheiros, ocorre dois meses antes do presidente eleito Donald J. Trump tomar posse — o republicano prometeu na campanha limitar o apoio adicional à Ucrânia. “Permitir que os ucranianos usem mísseis de longo alcance, conhecidos como Sistemas de Mísseis Táticos do Exército (ATACMS) é uma resposta à surpreendente decisão da Rússia de trazer tropas norte-coreanas para a luta”, afirmaram autoridades do governo americano.
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Biden começou a aliviar as restrições ao uso de armas fornecidas pelos Estados Unidos em solo russo depois que a Rússia lançou um ataque além da fronteira em maio, na direção de Kharkiv, a segunda maior cidade da Ucrânia.
Para ajudar os ucranianos a defender a região, Biden permitiu o uso do High Mobility Artillery Rocket System (HIMARS), que tem um alcance de 50 milhas (cerca de 80km), contra as forças russas do outro lado da fronteira. Na época, porém, o presidente americano não permitiu que os ucranianos usassem o ATACMS de longo alcance, que chegam a até 190 milhas (cerca de 305 km), recurso militar que agora será permitido.