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Sanções a Putin deixam a desejar, e Rússia ainda fatura alto com petróleo

Passados quatro meses de guerra, Moscou de fato perdeu rotas de comércio importantes, mas abriu outras e está com os cofres abarrotados

Por Amanda Péchy Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 11h31 - Publicado em 2 jul 2022, 08h00
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  • Cercada de sanções por todos os lados, a Rússia bem que tentou pagar os 100 milhões de dólares em juros a investidores em papéis do seu Tesouro em maio, mas não achou no Ocidente um canal que aceitasse seus rublos e acabou em situação de default, ou seja, inadimplente. Isso quer dizer então que a bateria de punições econômicas e financeiras está enfraquecendo a carapaça russa, como pretendiam Estados Unidos e Europa ao lançar uma cruzada contra Vladimir Putin por ter invadido a Ucrânia sem um pingo de justificativa? Não, nada disso. O pagamento não foi feito por questões burocráticas.

    Passados quatro meses de guerra, Moscou de fato perdeu rotas de comércio importantes, mas abriu outras e, graças à disparada dos preços do petróleo e gás, dos quais o país é um dos maiores produtores, está, isso sim, com os cofres abarrotados. A questão esteve no centro das discussões do G7, o grupo dos países ricos que, em seu mais recente encontro na Bavária, todos sorridentes e informais (e Boris Johnson mais mal-ajambrado do que nunca), quebrou a cabeça para reverter a realidade incontornável: por mais que ainda peleje para dobrar os ucranianos na frente de batalha, no front da energia Putin está ganhando, enquanto a Europa procura quem vai aquecê-la neste inverno.

    Antes da invasão da Ucrânia, a Rússia fornecia 30% do gás e 27% do petróleo que a União Europeia consumia (no caso da Alemanha, motor do continente, a conta do gás chegava a 60%). Os Estados Unidos anunciaram logo em março a suspensão total da importação de hidrocarbonetos russos, mas a decisão foi fácil: autossuficientes, os americanos importam meros 8% de seu óleo da Rússia. Já os europeus, presos em uma saia mais justa, adiaram quanto puderam, até anunciarem o plano de proibir as importações de petróleo russo que chegam por mar até o fim de 2022 — o que corta o volume atual em dois terços — e reduzir as importações de gás também em dois terços em um ano. Antes disso, a própria Rússia tomou a iniciativa de encerrar o fornecimento de gás para a Polônia, Bulgária, França e Holanda e a estatal Gazprom anunciou corte de 60% na capacidade do gasoduto Nord Stream 1, que corre sob o Mar Báltico até a Alemanha — supostamente, por problemas técnicos.

    O INIMIGO - Putin: as vendas continuam -
    O INIMIGO - Putin: as vendas continuam – (Sasha Mordovets/Getty Images)

    Graças ao salto de preços das exportações nos primeiros quatro meses de 2022, Putin pode se gabar de um superávit de quase 100 bilhões de dólares, o triplo do mesmo período do ano passado. O preço de referência do gás na Europa, 130 dólares por megawatt/hora, é 300% acima do valor de um ano atrás. O petróleo subiu 50% neste ano e está no mais alto patamar em uma década. O rublo, que desabou para 139 por dólar no início das sanções, bateu em 53, o valor mais alto desde 2015. “A Rússia está lucrando mais, compensando a redução dos volumes vendidos”, diz Euan Graham, pesquisador do think tank de energia e clima E3G. Na reunião do G7, o americano Joe Biden adiantou um plano ousado: pressionar os bancos e as empresas de seguro a só conceder financiamento e emitir apólices aos importadores de petróleo e gás russos se eles puserem em prática um preço-­limite para os produtos, o que acabaria minando a vantagem de Putin.

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    A economia russa está, claro, sentindo o efeito das sanções. Prevê-se que seu PIB encolha 7,6% neste ano (ruim, mas melhor do que a projeção de recuo de 12% feita pelo Ministério da Economia em março). A salvação vem dos novos clientes. Os dois principais, que desfrutam um generoso desconto de 30% sobre o preço internacional, são a China, que elevou em 55% a importação de petróleo bruto russo e relegou a Arábia Saudita ao segundo lugar nas suas compras, e a Índia, que fez de Moscou seu segundo maior fornecedor depois do Iraque e, espertamente, refina o óleo e o revende para todo mundo. “A Índia está se tornando o centro de refino para a Europa”, pontua um recente relatório da Capital Markets. Sem falar na própria UE, que ainda respondia por 61% da compra de gás e óleo russo nos primeiros 100 dias de guerra.

    Substitutos para o fornecimento de petróleo são abundantes e petroleiros cruzam os mares nesse comércio há décadas. Já a falta de gasodutos para suprir as necessidades do continente é mais complicada. A União Europeia ordenou que os países-membros assegurem 80% de suas reservas de gás, hoje em 57%, até 1º de novembro, preparando-se para a vital demanda de aquecimento no inverno rigoroso. “Considero uma meta impossível. Não existe alternativa imediata à energia russa”, alerta Edward Chow, do think tank Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais. Correndo contra o tempo, nos primeiros quatro meses do ano a Europa aumentou em 18% os embarques de gás natural liquefeito (GNL) dos Estados Unidos, transportado em navios, mas o volume é insuficiente — nesse pé, em 2026 os portos europeus estariam recebendo 60% do gás comprado da Rússia no ano passado. A UE firmou ainda um acordo com a Noruega, de quem importa 20% do gás, para aumentar o fornecimento. Putin confia que tem mais condições de aguentar o tranco de uma crise prolongada do que a aliança que sustenta a Ucrânia. Agora é ver quem pisca primeiro.

    Publicado em VEJA de 6 de julho de 2022, edição nº 2796

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