Rússia acusa Papa Francisco de racismo após entrevista sobre guerra
Papa afirmou que as minorias chechena e buryat no exército do Kremlin são mais cruéis com a Ucrânia do que outros soldados

Autoridades da Rússia acusaram o Papa Francisco de racismo nesta terça-feira, 29, depois que o pontífice sugeriu em uma entrevista que soldados das etnias chechena e buriate na Ucrânia seriam mais cruéis do que aqueles de etnia russa.
À revista católica America, o papa disse na segunda-feira 28 que os soldados da Buriácia, onde o budismo é a religião predominante, e da república da Chechênia, de maioria muçulmana, foram “os mais cruéis” enquanto lutavam na Ucrânia.
“Geralmente, os mais cruéis talvez sejam aqueles que são da Rússia, mas não são da tradição russa, como os chechenos, os buriates e assim por diante”, afirmou.
A Rússia depende desproporcionalmente de minorias étnicas para lutar na Ucrânia. Só que, enquanto grupos de direitos humanos documentaram evidências contundentes de crimes de guerra cometidos pelas forças russas, não há dados que sugiram que soldados dessas minorias tenham se comportado de maneira diferente que membros de etnia russa.
Os comentários do papa foram rapidamente condenados pelas autoridades russas.
“Isso não é mais russofobia, é uma perversão em um nível que nem consigo nomear”, disse a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, em seu canal no Telegram.
“Somos uma família com buriates, chechenos e outros representantes de nosso país multinacional e multiconfessional”, acrescentou Zakharova.
Alexandra Garmazhapova, fundadora da organização anti-guerra Free Buryatia, chamou os comentários de “imperdoáveis e racistas”.
“Fiquei extremamente desapontada ao ler essas declarações racistas e indesculpáveis”, disse Garmazhapova. “A Rússia está travando uma guerra imperial iniciada e liderada por Vladimir Putin, que, segundo todos os relatos, não é membro de uma minoria étnica. O papa deveria condená-lo pessoalmente, mas decidiu contornar o presidente russo.”
“Não vamos esquecer que a Igreja Ortodoxa Russa é uma das maiores apoiadoras da guerra”, acrescentou Garmazhapova, referindo-se ao líder da igreja, Patriarca Cirilo.
A ativista de direitos humanos também apontou para uma investigação ucraniana que identificou que os principais suspeitos por trás de um massacre na vila de Bucha, em Kiev, era um grupo de soldados de etnia russa.
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Não é a primeira vez que o papa enfrenta polêmica sobre suas opiniões sobre a Ucrânia. Kiev criticou o chefe da Igreja Católica desde o início da invasão da Rússia, em fevereiro, por não condenar diretamente o Kremlin por seu papel no conflito.
Francisco também chegou a afirmar que a invasão da Ucrânia foi “talvez de alguma forma provocada” pelo Ocidente. Na ocasião, ele mencionou uma conversa com um chefe de Estado não identificado que temia que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) estivesse “latindo nos portões da Rússia”, o que poderia levar a uma guerra.
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O papa parece ter tentado se blindar das críticas na entrevista à revista America. “Às vezes tento não especificar para não ofender. Prefiro condenar em geral, embora seja bem sabido quem estou condenando. Não é necessário que eu coloque nome e sobrenome”, disse.
“Por que não menciono Putin? Porque não é necessário. Às vezes as pessoas se prendem a um detalhe. Todo mundo conhece minha posição, com Putin ou sem Putin, sem nomeá-lo”, completou.