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Papa Francisco não entende o que está em jogo na guerra da Ucrânia

Ou dá a impressão de não entender: tentar aparentar isenção e pedir negociações de paz genéricas não ajuda em nada a resolver o conflito

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 7 nov 2022, 14h26 - Publicado em 7 nov 2022, 07h24

O papa Francisco é um homem de fé e de paz, com conhecidas preferências políticas provindas de sua experiência de vida na Argentina. Mas também usa uma linguagem dúbia quando fala da Ucrânia, dando a entender que a culpa deve ser igualmente dividida, com o acréscimo dos capitalistas malvados – “A Otan foi latir no quintal” de Putin, já disse, absurdamente.

Distribuir a culpa entre todos os envolvidos na guerra, que é da inteira e abjeta responsabilidade de Vladimir Putin, não dá ao Vaticano um papel em eventuais negociações e não traz a clareza moral que os fiéis da Igreja merecem ouvir.

Ao pedir “negociações sérias” para terminar a guerra, como fez na viagem ao Barein na semana passada, ele oferece ao Kremlin a chance de se passar por um interlocutor razoável. Seu secretário de Estado, portanto o número dois, Pietro Parolin, chegou a dizer que viu “pequenos sinais” positivos provenientes de Moscou, como a reabertura para as exportações de cereais.

Cinicamente, o porta-voz de Putin, Dimitri Peskov, declarou que a Rússia se dispunha a “discutir” as questões levantadas num apelo de Emmanuel Macron, em visita ao Vaticano, para a intervenção papal junto a Putin, ao presidente Joe Biden e ao patriarca Kirill, da Igreja Ortodoxa Russa, um dos maiores defensores da guerra,

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É perfeitamente possível entender que, no discurso no Barein, Francisco estava se referindo a Putin quando disse que “enquanto a maior parte da população mundial está unida pelas mesmas dificuldades, afligida por graves crises alimentares, ecológicas e pandêmicas, alguns poderosos se concentram em uma luta decidida por interesses particulares, desenterrando linguagens obsoletas, redefinindo zonas de influência e blocos contrapostos”.

Se é assim, como negociar com os tais “poderosos”? Fazendo concessões a eles? Entregando uma parte do país conquistada pela força?

A posição da Ucrânia é cristalina: não existe negociação possível depois que a Rússia simplesmente anexou os territórios que ocupa atualmente (sem falar na Crimeia, anexada em 2014).

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Em algum momento, no entanto, haverá negociações, visto que a Ucrânia não pode vencer uma guerra contra uma potência nuclear que deixou de ter qualquer pudor em falar no uso de armas atômicas. Segundo o Washington Post, o governo americano já está fazendo pressões nos bastidores para que a Ucrânia seja mais flexível.

Mas o reconhecimento de que o país trava uma guerra justa, seja pelas definições de São Tomás de Aquino, seja pelo direito à legítima defesa apoiado pela ONU, é um requisito fundamental para qualquer dos atores envolvidos numa negociação futura.

A ambiguidade do papa – e não somente em relação à guerra na Ucrânia – ficou patente numa entrevista extremamente infeliz que deu em junho a uma revista jesuíta. Portanto, à sua turma.

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“É preciso se distanciar do padrão de que Chapeuzinho Vermelho era boa e o lobo era mau”, disse o homem que deveria saber mais do que ninguém sobre as lupinas maldades que rondam o mundo. Sobre a Otan – em cuja órbita os países da antiga esfera russa suplicaram de joelhos ser admitidos, como proteção preventiva contra Moscou –, o papa afirmou: “É preciso que entendam que os russos são imperiais e não permitem que uma potência estrangeira se aproxime”.

Existe justificativa mais mascarada para a agressão de Putin?

“Qualquer um que ache que a Rússia foi provocada a desfechar a agressão militar por alguma causa externa está se deixando enganar pela propaganda russa ou deliberadamente enganando o mundo”, respondeu o arcebispo Sviatoslav Shevchuk, da pequena minoria católica da Ucrânia, que segue o elaborado rito bizantino.

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As simpatias políticas do papa são conhecidas: ele raramente, se é que o faz, critica regimes de esquerda. Ao contrário, tem resistido a defender abertamente a Igreja nicaraguense, perseguida em inúmeras instâncias pelo regime de Daniel Ortega. Exilados cubanos chegaram a ser tirados da Praça de São Pedro, para atender a um arbitrário limite de 50 pessoas no máximo. “Peça perdão a Cristo”, dizia uma música feita em protesto.

A mensagem que ele mandou à véspera da eleição brasileira não poderia ser mais clara sobre o lado que apoiava.

Curiosamente, a posição crítica em relação à Ucrânia do “papa peronista”, como já foi chamado, é espelhada por seu maior opositor à direita da direita, o arcebispo rebelde Carlo Maria Viganò. O ex-núncio nos Estados Unidos assumiu inteiramente a teoria da conspiração de uma elite globalista que “incitou” a Rússia e de Putin como defensor dos valores cristãos. E tem mais: são “bilionários de quipá que estão vendendo a Ucrânia para o corruptor e corrompido Ocidente”. Ou seja, o arcebispo virou adepto das maluquices mais entranhadas do antissemitismo.

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O papa e autoridades católicas renegadas têm influência quase zero na Ucrânia, mas o componente religioso da guerra é importante. O patriarca Kirill jogou todo o peso da Igreja Ortodoxa Russa do lado de Putin, convocando a população para uma verdadeira guerra santa, um confronto entre o Bem e o Mal, este representando pelas paradas gay, um tema pelo qual parece obcecado.

Kirill se encontrou com o papa Francisco em Havana em 2016, num gesto de aproximação entre os dois maiores ramos cristãos, divididos por um cisma de mais de mil anos. Fizeram uma declaração conjunta, criticando, entre outras coisas, o capitalismo. A ideia de que o papa possa demovê-lo do abismo maléfico em que se lançou é uma fantasia.

Francisco já consagrou a Rússia e a Ucrânia ao Imaculado Coração de Maria, tal como dizia o pedido que os pastorinhos de Fátima contaram ter ouvido de Nossa Senhora em 1917. Disse que era um “ato espiritual, não um passe de mágica”.

Infelizmente, parece que precisamos de mágica – ou milagres – para acabar com uma guerra como a atual. As orações do papa pela paz são sinceras, embora ele se manifeste muitas vezes de maneira equivocada e sujeita a manipulações.

Condenar agressões e crimes sem nomear os culpados pode acabar rendendo a Francisco comparações dolorosas com Pio XII, o papa que nunca falou abertamente sobre os crimes cometidos pela Alemanha nazista, dando nome aos bois – ou lobos, os piores que já andaram sobre a terra. Em sigilo, a Igreja ajudou a salvar centenas de milhares de judeus cujo destino era os campos de extermínio, mas até hoje é sentida a falta de clareza – e coragem – moral para chamar o mal pelo nome dos que o encarnam.

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