Um relatório publicado nesta terça-feira, 20, por uma comissão independente formada por decisão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas afirma que possíveis crimes contra a humanidade foram documentados na Venezuela sob ordens dos mais altos escalões do governo de Nicolás Maduro.
Entre as denúncias reforçadas pela Missão Internacional estão torturas físicas e psicológicas e violência sexual. Em 2020, o grupo de trabalho já havia alertado para a prática sistemática de tortura e execuções extrajudiciais no país desde 2014.
“Nossas investigações mostraram que o Estado venezuelano utiliza os serviços de inteligência e seus agentes para reprimir a dissidência”, afirmou Marta Valiñas, presidente da Missão Internacional Independente de Apuração de Fatos da ONU sobre a Venezuela, durante o lançamento do relatório, em Genebra. “O plano foi orquestrado no mais alto nível político, liderado pelo presidente Nicolás Maduro”.
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Apesar das denúncias anteriores, o esquema continuou sob comando de Maduro. No relatório mais recente, a missão cita provas de que o próprio presidente, junto a pessoas de seu círculo íntimo, estariam envolvidos na “seleção de alvos”, em maioria opositores políticos, para detenção por agentes de inteligência. Segundo a ONU, Diosdado Cabello, deputado proeminente dentro do governo, também teria dado ordens diretas sobre alguns dos torturados.
A investigação não teve acesso direto ao território venezuelano e teve como base quase 250 entrevistas confidenciais, além de análise de documentos legais. Nestes registros, o grupo encontrou 122 casos de vítimas que foram submetidas a tortura, violência sexual e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes por agentes da Direção-Geral de Contra-inteligência Militar (DGCIM). Muitos dos casos, segundo o documento da ONU, teriam acontecido em uma sede da inteligência localizada no bairro de Boleíta, em Caracas.
A missão afirmou que também investigou pelo menos 51 casos de tortura e maus tratos de detidos pelo Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (Sebin) desde 2014. Nestes casos, “políticos da oposição, jornalistas, manifestantes e defensores dos direitos humanos” foram os que sofreram a maior parte dos abusos no centro de detenção El Helicoide, em Caracas.
“Tanto o Sebin quanto a DGCIM fizeram uso extensivo de violência sexual e de gênero para torturar e humilhar seus detidos”, disse a missão.
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A missão também monitorou o chamado Arco Mineiro do Orinoco, um megaprojeto governamental, onde, segundo o relatório, houve assassinatos, desaparecimentos forçados e torturas.
“Atores estatais e não estatais cometeram violações de direitos humanos e crimes contra a população local na luta pelo controle das áreas de mineração” no estado de Bolívar, no sul do país, segundo o texto.
Os especialistas lamentaram que as autoridades não apenas tenham falhado em prevenir e investigar tais abusos, mas pareceram ter conspirado ativamente com atores não estatais em partes da região.
O consenso em vigor no direito internacional sobre crimes contra a humanidade é definido pelo Estatuto de Roma de 1998, que estabeleceu o Tribunal Penal Internacional e que foi ratificado por mais de 100 países, incluindo a Venezuela.
O estatuto lista nove violações além da execução extrajudicial e da tortura como crimes contra a humanidade “quando cometidas como parte de um ataque generalizado ou sistemático dirigido contra qualquer população civil, e com conhecimento da agressão”.
No começo de outubro, haverá uma votação no conselho da ONU para analisar se o trabalho deste grupo poderá continuar a ser feito.