Quem são os inimigos da ideia europeia?
Partidos contrários à UE conseguiram uma votação significativa nas eleições para o Parlamento do bloco. Os governos terão de olhar com mais cuidado para os anseios dos descontentes em vários níveis e com demandas diversas
Por
Diego Braga Norte
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29 maio 2014, 07h26
Marine Le Pen durante um grande comício realizado no centro de Paris nesta terça (Kenzo Tribouillard / AFP/VEJA)
Um espectro ronda a Europa, o espectro do extremismo. Mas, para além do temor com o crescimento de legendas radicais contrárias ao projeto de união continental, o que as eleições para o Parlamento Europeu demonstraram, paradoxalmente, foi uma união de insatisfeitos em vários níveis. A lenta recuperação econômica do continente, as altas taxas de desemprego e o descontentamento com as políticas de austeridade ditadas por Bruxelas são os mais óbvios elementos desencadeadores de ressentimentos. E ainda há fatores sociais e políticos, desde o voto de protestos – quando eleitores escolhem o pleito continental para castigar seus governos – até o descrédito no projeto europeu de integração. Gerida a partir de um esforço para reconstruir o devastado continente após a II Guerra Mundial, a União Europeia falhou no esforço de criar uma identidade forte o suficiente para resistir às dificuldades.
Se antes a principal estratégia de propaganda usada pelos governos era lembrar as pessoas como a Europa costumava ser antes da existência da UE, um continente marcado por guerras e em constante tensão, hoje as lideranças precisam se dedicar a convencer que a melhor alternativa para o futuro é a Europa. O trabalho de convencimento será árduo, pois terá de responder a diferentes anseios. Entre jovens desempregados espanhóis e gregos, passando por comerciantes portugueses sem crédito, empreendedores alemães frustrados com a burocracia de Bruxelas, agricultores franceses com subsídios reduzidos e aposentados belgas que tiveram suas pensões cortadas, há um sentimento em comum: todos estão descontentes.
Falar em esquerda e direita no jogo europeu é simplificar demais o cenário. “A realidade nua e crua é que a linha de divisão política da Europa está mudando: de esquerda versus direita para pró-europeus contra anti-europeus”, resumiu a revista The Economist. Para os pró-europeus, o alívio é que os eurocéticos não formam um bloco coeso. Entre eles há tendências de esquerda e direita subdivididas em várias camadas. “No entanto, os eurocéticos agora têm força política. Governos na Grã-Bretanha e na França enfrentam um agudo dilema sobre como responder a isso, e é provável que eles endureçam sua postura sobre vários temas, particularmente imigração e ampliação da UE”, aposta a Economist.
Para Richard Youngs, analista político do Instituto Carnegie Europe, o presente desafio “não é tanto combater o euroceticismo através de algumas alterações cosméticas, mas minimizar sua influência no futuro, seja em nível nacional ou em Bruxelas”. Ele acredita que o resultado das eleições pode e deve influenciar os discursos e políticas nacionais de muitos países, sobretudo na França e Grã-Bretanha, duas das nações que registraram forte alta de votos para os anti-UE.
Quanto aos partidos de extrema direita e extrema esquerda, que também abocanharam votos, eles ainda não foram suficientes para barrar as legislações propostas ou emplacar uma lei de sua autoria, como explicou à CNN Simon Usherwood, especialista em política europeia da Universidade de Surrey. “Mas eles claramente terão mais espaço em debates e podem conseguir a presidência de algumas comissões, o que significa uma plataforma mais forte para defender suas ideias e para conquistar mais eleitores”.
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1. Grã-Bretanha
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(AFP/VEJA)
O Partido para a Independência do Reino Unido (Ukip, na sigla em inglês), antieuropeu e anti-imigração, foi o mais votado na Grã-Bretanha, com 27,5% da preferência, elegendo 24 deputados e deixando os tradicionais conservadores e trabalhistas para trás.
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2. Grécia
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(Aris Messinis/AFP/VEJA)
Na Grécia, a coalizão de esquerda Syriza, que defende o fim das políticas econômicas ditadas por Bruxelas e a saída do país da zona do euro, venceu com 26,6% dos votos, elegendo seis deputados.
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3. França
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(Christian Hartmann/Reuters/VEJA)
A Frente Nacional, liderada por Marine Le Pen, foi a grande vencedora das eleições parlamentares europeias na França, com 24,9% da preferência dos eleitores. O partido é contra a união civil de pessoas do mesmo sexo, contra o euro e a União Europeia. Eles também defendem medidas protecionistas e são contra a imigração.
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4. Hungria
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(AFP/VEJA)
Considerado por analistas como o mais perigoso dos partidos europeus, o Jobbik húngaro tem uma plataforma declaradamente racista e cultiva um visual neonazista (com direito à indumentária em muitos de seus apoiadores). O partido foi o segundo mais votado na Hungria, elegendo três deputados e conquistando 14,6% de preferência dos votos.
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5. Dinamarca
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(Jens N. Larsen/AFP/VEJA)
Com um forte apelo nacionalista, contra a imigração e a favor da independência da Dinamarca, o Partido do Povo Dinamarquês (Dansk Folkeparti) tem crescido rapidamente e hoje já o terceiro maior do país. Seu discurso contra a UE conquistou a preferência do eleitorado, e garantiu 26,6% dos votos, ou quatro vagas no Parlamento Europeu.
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6. Irlanda
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(Peter Muhly/AFP/VEJA)
O Sinn Fein (nós mesmos, em gaélico), partido republicano da Irlanda do Norte, conseguiu eleger dois deputados para o Parlamento Europeu - nas últimas eleições, em 2009, não havia conseguido ocupar nenhum assento. Nacionalista e eurocética, a legenda corresponde ao braço político do extinto grupo terrorista IRA transmutado em organização política convencional por um acordo de 1998 que encerrou três décadas de conflitos.
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7. Alemanha
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(Udo Voigt/VEJA)
Mesmo com apenas 1% dos votos na Alemanha, o Partido Nacional-Democrático (NPD) elegeu seu primeiro deputado para o Parlamento Europeu. No país, os integrantes da legenda são chamados de herdeiros de Hitler e defendem a restauração das fronteiras alemãs exatamente como eram antes da II Guerra, incorporando, por exemplo, parte da Áustria e da Polônia. Saindo dos devaneios imperialistas para temas mais realistas, vale citar que o NPD também prega o fim da União Europeia e é contra a ajuda financeira de Berlim para países do bloco que estejam em crise.
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1. França
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(Christian Hartmann/Reuters/VEJA)
A grande vencedora da disputa eleitoral na França foi a Frente Nacional de Marine Le Pen, que abocanhou 26% dos votos. Já na centro-direita e esquerda os resultados foram desanimadores. A União por um Movimento Popular (UMP) de Nicolas Sarkozy conquistou 21%, enquanto os socialistas do presidente François Hollande ficaram com apenas 14%. Com o resultado, o FN, que há anos vem sendo tratado como um pária pelo establishment francês, não poderá mais ser ignorado, já que conseguiu sair de bolsões tradicionais e teve uma boa votação nacional. Para Hollande, o resultado acentua sua impopularidade, além de expor a paralisia do seu governo.
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2. Grã-Bretanha
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(AFP/VEJA) “Ao votarem aos milhões pela rejeição da União Europeia, os britânicos revelaram o bando europeu que realmente são". Com essa frase, a revista Economist define o resultado da votação para o Parlamento Europeu entre os britânicos, que deram a vitória ao Partido Independente (Ukip), que defende a saída dos britânicos do bloco. E, nessa defesa, está alinhado com legendas de outros países da UE, como França, Dinamarca e Itália. “Os eleitores britânicos uniram-se aos seus vizinhos continentais em um lamento coletivo de angústia em relação a Bruxelas, à globalização e ao mundo do século XXI em geral”, continua a Economist (
leia a íntegra, em inglês).
A vitória do Ukip forçará trabalhistas, conservadores e liberais a se posicionarem mais energicamente em questões como a imigração para a disputa das eleições legislativas em maio do ano que vem. O eleitorado não parece ter levado em conta nem a queda do desemprego, nem a volta do crescimento econômico, nem os gestos do primeiro-ministro David Cameron em relação à ala mais eurocética de seu Partido Conservador, como a promessa de convocar um referendo pela continuidade ou não dos britânicos na União Europeia em 2017. Os conservadores podem ser vítimas do próprio êxito, porque a boa situação econômica contribuiu para atrair mais imigrantes e, paradoxalmente, fortalecer o Ukip. O premiê reconheceu que o Partido Conservador precisará convencer os eleitores de que seus planos econômicos estão dando certo. "Temos de manter o foco no que realmente interessa, que é concluir nosso plano econômico e recuperar o país", disse, em entrevista à rádio BBC.
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3. Alemanha
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(Thomas Peter/Reuters/VEJA)
Os resultados na Alemanha não causaram a turbulência observada em países vizinhos. Os democratas-cristãos (CDU) da chanceler Angela Merkel e os seus colegas bávaros da CSU conseguiram permanecer na liderança com 35,3% dos votos combinados. Ainda assim, o resultado significou um sinal amarelo para Merkel, por ser o pior na história das duas siglas nas eleições europeias. A chanceler também terá que lidar com a ascensão do Alternativa para a Alemanha, legenda conservadora que pede a saída do país da zona do euro. O AfD conquistou 7% dos votos – a maior parte deles de antigos eleitores da CDU.
Outro ponto a ser observado é o fato de que, pela primeira vez, o NPD conseguiu eleger um deputado ao conquistar 1% dos votos. A sigla de extrema-direita já correu o risco de ser considerada ilegal, depois da descoberta, em 2011, de um grupo extremista que agia no país e das acusações de que o governo teria negligenciado o perigo. Mas o fato é que o NPD e outras siglas nanicas alemãs que elegeram deputados, como o Partido Pirata, foram beneficiados pelo fim da cláusula de barreira exigindo o mínimo de 3% dos votos como condição para assumir um assento no Parlamento - a regra foi declarada inconstitucional em fevereiro por um tribunal do país.
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4. Itália
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(Giampiero Sposito/Reuters/VEJA)
O Partido Democrático, do primeiro-ministro Matteo Renzi, venceu o jogo contra o eurocético Movimento Cinco Estrelas, do comediante Beppe Grillo. A legenda de centro-esquerda pró-Europa conquistou mais de 40% dos votos, o que deverá ser interpretado como um voto de confiança ao jovem premiê de 39 anos, seu recém-formado gabinete e seu ambicioso programa de reformas políticas e econômicas. Os resultados na Itália são ainda mais significativos diante do elevado comparecimento às urnas (58,7%), bem acima do verificado em toda a União Europeia (43,1%), apesar de inferior à verificada nas eleições europeias anteriores no país, em 2009, quando 66,4% dos italianos aptos a votar o fizeram.
O movimento de Grillo – que insiste em não cooperar com a centro-esquerda – perdeu apoio, ficando com 21% dos votos, resultado pior que o alcançado nas eleições gerais do ano passado na Itália. Mesmo assim, ainda é a segunda formação do país, à frente do ex-premiê Silvio Berlusconi, condenado por fraude fiscal. O partido que fundou, o Forza Italia, de centro-direita, ficou em terceiro lugar. Renzi ainda precisará garantir o apoio tanto do Forza Italia como de seus parceiros de coalizão, a Nova Centro-Direita (formada pelos que abandonaram Berlusconi) para realizar mudanças na Constituição e na lei eleitoral. O premiê demonstrou confiança. Em sua página em uma rede social, disse estar determinado “a trabalhar por uma Itália que mude a Europa”.
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5. Espanha
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(Sergio Perez/Reuters/VEJA)
Os resultados na Espanha estão sendo interpretados pela imprensa local como o começo do fim da divisão do poder protagonizada pelas duas siglas mais tradicionais, o Partido Popular e os socialistas do PSOE, que se alternam no comando do país desde os anos 1980. O PP do primeiro-ministro Mariano Rajoy conseguiu 26% dos votos. Já os socialistas ficaram com 23%. O resultado é bem inferior aos 80% combinados que os dois partidos haviam recebido em 2009 - 5 milhões de votos foram perdidos. O passo atrás levou à renúncia do líder do PSOE. Entre as novidades eleitorais está a boa votação da Izquierda Unida e dos liberais centristas da UPyD (União, Progresso e Democracia) e do novato Podemos, que foi formado a menos de quatro meses com a participação de manifestantes que ocuparam ruas e praças do país entre 2011 e 2012, protestando contra tudo, inclusive contra as medidas de austeridade exigidas pela UE.