O Senado dos Estados Unidos aprovou nesta quarta-feira, 27, um amplo projeto de lei de US$ 280 bilhões destinado a aumentar as áreas de indústria e tecnologia do país, sempre de olho em combater a China. A votação quebrou as divisões partidárias entre senadores e deu aval à intervenção governamental mais significativa na política industrial em décadas.
O foco do texto é investir dinheiro federal em tecnologias e inovações de ponta para reforçar a indústria do país, sua força tecnológica e militar. O Congresso polarizado entrou em raro consenso (com o apoio de 17 republicanos) para lidar, no longo prazo, com a intensificação da rivalidade geopolítica de Washington com Pequim.
Isso mostra que a competição com Pequim mudou as ortodoxias partidárias de longa data, gerando um acordo entre os republicanos que costumam evitar a intervenção do governo nos mercados e os democratas que resistem a serem tão caridosos com empresas.
“Nenhum governo de país – mesmo um país forte como o nosso – pode se dar ao luxo de ficar à margem”, disse em entrevista o senador Chuck Schumer, democrata de Nova York e líder da maioria no Senado. “Acho que é uma mudança radical que vai ficar.”
O presidente Joe Biden, que apoia o pacote há mais de um ano, pode sancioná-lo ainda nesta semana.
O projeto, uma convergência de política econômica e de segurança nacional, direciona US$ 52 bilhões em subsídios e créditos fiscais adicionais para empresas que fabricam chips nos Estados Unidos. Também eleva em US$ 200 bilhões os investimentos em pesquisas científicas, especialmente em inteligência artificial, robótica, computação quântica e uma série de outras tecnologias de ponta.
A aprovação do projeto só foi possível por uma improvável colisão de fatores, como uma pandemia que expôs os problemas de uma escassez global de semicondutores, assim como o forte lobby da indústria de chips.
Muitos senadores acreditam que é preciso fortalecer as habilidades de fabricação desses produtos nos Estados Unidos (que despencou 12%), já que o país se tornou dependente de estrangeiros – especialmente de Taiwan, que está cada vez mais vulnerável às garras da China.
O projeto de lei foi conhecida em Washington por um carrossel de nomes pomposos em constante mudança. Sua versão inicial chamava-se Endless Frontier Act, uma referência ao relatório histórico de 1945 encomendado pelo presidente Franklin Roosevelt, perguntando como o governo federal poderia promover o progresso científico e a mão de obra.
“Novas fronteiras da mente estão diante de nós, e se elas forem desbravadas com a mesma visão, ousadia e determinação com que travamos esta guerra”, escreveu Roosevelt na época, “podemos criar um mundo mais completo, com empregos e uma vida mais plena e frutífera”.
Com os subsídios para as empresas de chips, espera-se que dezenas de milhares de empregos sejam gerados. Fabricantes se comprometeram a construir novas fábricas ou expandir as fábricas existentes em Ohio, Texas, Arizona, Idaho e Nova York. O projeto também busca criar empregos de pesquisa, desenvolvimento e manufatura a longo prazo.
Os fabricantes de chips fizeram um lobby pesado – e, muitas vezes, descarado –, pelos subsídios, ameaçando vocalmente investir seus recursos na construção de fábricas em países estrangeiros, como Alemanha ou Singapura, se o Congresso não concordasse rapidamente com a lei.
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A maioria dos senadores viu a ameaça como incentivo. Mas o senador Bernie Sanders, independente de Vermont, ficou particularmente enfurecido, acusando os CEOs dessas empresas de abalar o Congresso.
“Para obter mais lucros, essas empresas pegaram dinheiro do governo e o usaram para enviar empregos bem remunerados para o exterior”, disse Sanders. “Agora, como recompensa por esse mau comportamento, essas mesmas empresas estão na fila para receber uma enorme esmola dos contribuintes para desfazer o dano que causaram.”
No final do mês passado, o projeto foi ameaçado de outro lado, depois que o senador republicano Mitch McConnell, líder da minoria, anunciou que se os democratas do Senado continuassem perseguindo sua política social e plano tributário – peça central da agenda doméstica de Biden –, não poderia deixar a legislação ser aprovada.
Segundo o jornal americano The New York Times, com a posição de McConnell incerta, isso desencadeou um esforço de última hora para garantir o apoio de republicanos suficientes – pelo menos 15 – para restaurar os investimentos críticos em manufatura e tecnologia.
Antes da votação final, reportou o Times, o democrata Schumer disse: “Este projeto de lei terá um dos maiores e mais abrangentes efeitos sobre os Estados Unidos que já fizemos. Muitos de seus netos estarão em empregos bem remunerados por causa do seu voto.”