Todos os doze garotos e o treinador de futebol presos em uma caverna na Tailândia por mais de duas semanas foram resgatados com sucesso nesta terça-feira (10). Por se tratarem de crianças – com exceção do técnico, de 25 anos, todos tinham entre 11 e 16 anos – os impactos psicológicos dessa experiência podem ser graves, explica a médica Alexandrina Meleiro, da Associação Brasileira de Psiquiatria e professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
“Nessa fase, o cérebro ainda está em formação”, diz a especialista, indicando que este é um fator agravante para os impactos negativos dessa experiência na vida dos jovens. “A principal coisa que pode acontecer é que essas crianças desenvolvam um transtorno de estresse pós-traumático, que as faria reviver o tempo todo aqueles momentos.”
Os garotos permanecem em quarentena no hospital por mais sete dias, para a verificação de infecções ou de outras doenças que eles possam ter contraído durante a longa permanência na caverna.
Os jovens desapareceram em 23 de junho e foram encontrados presos dentro da caverna inundada nove dias depois. Durante esse período, eles permaneceram sem água, comida, luz e perspectiva de resgate. Quando o grupo de socorristas britânicos conseguiu chegar até eles, os meninos agiram como se fossem apenas exploradores que os encontraram acidentalmente. Disseram estar com muita fome e precisarem de ajuda.
As operações de resgate duraram três dias de operações e envolveram mais de 90 mergulhadores tailandeses e estrangeiros. Os primeiros meninos só conseguiriam sair do local seis dias depois, permanecendo um total de 15 dias enclausurados. Os últimos deles, resgatados somente hoje, passaram 18 dias dentro da caverna.
Segundo a psiquiatra brasileira, os sintomas do estresse pós-traumático costumam se manifestar de maneira diferente nas pessoas. Segundo a psiquiatra, é possível que jovens apresentem comportamentos de hipervigilância, distúrbios do sono, pesadelos recorrentes, flashbacks (lembranças repentinas) e até desenvolvam fobias relacionadas aos acontecimentos, como claustrofobia (pavor de espaços fechados) ou nictofobia (medo do escuro).
O episódio também poderia intensificar problemas psicológicos prévios ou disparar o gatilho de alguma pré-disposição genética. Ainda assim, o surgimento desses sintomas depende do preparo psicológico a ser dado às vítimas desses traumas.
“O mais positivo nesse episódio foi o fato de que, durante todo o resgate, as equipes se esforçaram para manter a esperança. Isso foi positivo para os meninos e também para as suas famílias, que devem manter-se estruturadas para receber esses adolescentes depois de tudo o que aconteceu”, diz Alexandrina.
Mesmo após a morte de um mergulhador tailandês que levava tanques de oxigênio para uma possível rota de fuga dentro da caverna, os socorristas e os familiares se mantiveram otimistas em relação à possibilidade de um resgate bem-sucedido. Além disso, os jovens puderam se comunicar com seus parentes por meio de cartas, o que ajudou a aliviar parte da tensão e da ansiedade dos pais e dos próprios meninos.
Houve também um esforço por parte das autoridades tailandesas para preservar a identidade dos garotos. A retirada deles da caverna e o transporte ao hospital ocorreram discretamente, e os nomes dos adolescentes permanecem ainda sob sigilo. Isso ajudou a manter as famílias daqueles que ainda permaneciam na caverna igualmente esperançosas e evitou que elas fossem excessivamente assediadas.
“Todos esses detalhes são importantes para minimizar os impactos emocionais dessa experiência”, afirma Alexandrina. Para a especialista, os meninos ainda devem passar por um acompanhamento psicológico e psiquiátrico para verificar maiores transtornos. Mas, a menos que algum distúrbio sério seja identificado, é pouco provável que eles precisem de atendimento profissional para o resto da vida.
“Graças a toda a ajuda que eles estão recebendo, felizmente, os impactos desse trauma não devem ser tão grandes quanto poderiam ser caso as equipes de resgate não tivessem atuado com esses cuidados”, diz a psiquiatra. “Em casos como o desastre de Mariana, por exemplo, em que as vítimas não receberam todo esse atendimento profissional, os índices de depressão, ansiedade e abusos de substâncias são muito altos por causa do trauma que aquela situação desencadeia.”
Com o acompanhamento adequado, explica a médica, o mais provável é que aquela experiência sirva para aumentar a resiliência dos meninos tailandeses, que pode ser definida como a capacidade emocional de lidar com situações adversas. Ainda assim, é importante avaliar cada caso separadamente, considerando as experiências particulares dos meninos.