Henry Kissinger, ex-secretário de Estado dos Estados Unidos, morreu na quarta-feira 29, aos 100 anos de idade. Se líderes americanos, britânicos e até chineses não pouparam elogios em suas mensagens de luto, a reação dos chilenos foi um tanto diferente.
“Morreu um homem cujo brilho histórico não conseguiu jamais esconder sua profunda miséria moral”, escreveu Juan Gabriel Valdes, embaixador do Chile em Washington. A mensagem, em tom pouco comum para diplomatas, foi compartilhada pelo presidente Gabriel Boric e revela o profundo incômodo que Kissinger, décadas depois, ainda gera no país.
Ha muerto un hombre cuyo brillo histórico no consiguió jamás esconder su profunda miseria moral. K.
— Juan Gabriel Valdes (@jg_valdes) November 30, 2023
Apoio às ditaduras
O apoio às ditaduras latino-americanas, inclusive a militar que dominou o Brasil por mais de 20 anos, rendeu-lhe muitas críticas e acusações que pararam em tribunais europeus e sul-americanos.
Kissinger presidiu o comitê que autorizou operações secretas da agência americana de inteligência, a CIA, para tentar derrubar o governo do socialista Salvador Allende, eleito presidente em 1970 e que havia conseguido aprovar, entre outros pontos, nacionalizações.
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“Não vejo por que precisamos ficar parados vendo um país virar comunista devido à irresponsabilidade de seu povo”, disse Kissinger, sobre o Chile. “As questões são importantes demais para deixar os eleitores chilenos decidirem por si mesmos.”
Em 1973, sob as ordens do general Augusto Pinochet, os militares tomaram as ruas de Santiago e cercaram o palácio presidencial de La Moneda, que foi alvo de bombardeios. Allende morreu durante a violenta tomada de poder.
A Pinochet, segundo documentos desclassificados da CIA, teria dito: “Nos Estados Unidos, como você sabe, somos solidários com o que você está tentando fazer aqui”.
O diplomata então continua: “Queremos ajudar, não prejudicar você. Você prestou um grande serviço ao Ocidente derrubando Allende”.
Nos anos seguintes, Kissinger foi processado por tribunais que investigavam abusos de direitos humanos durante regimes militares. Magistrados de Argentina, Chile e Espanha queriam tomar depoimentos do diplomata sobre os casos, mas nunca conseguiram avançar.
O Chile de Boric ainda tenta, depois de um fracasso, a substituição da atual Constituição, datada da época da ditadura de Pinochet, que prendeu, torturou e matou milhares de seus oponentes. Até hoje, o paradeiro de cerca de 1.500 pessoas é desconhecido, sendo que o esforço para encontrá-las recaía apenas sobre os familiares.