O presidente do Chile, Gabriel Boric, negou “categoricamente” nesta terça-feira, 26, ter cometido o crime de abuso sexual, um dia após vir à tona uma investigação no Ministério Público do país. Na segunda-feira, o advogado do líder chileno, Jonatan Valenzuela, confirmou que autoridades se debruçam sobre uma denúncia de assédio sexual e “divulgação de registros de imagens privadas” contra o presidente.
O caso teria acontecido entre 2013 e 2014, quando Boric concluía a faculdade de Direito aos 27 anos, mas a acusação foi apresentada apenas em setembro deste ano. No centro do caso, estão 25 e-mails trocados entre Boric e a denunciante. Nas mensagens, analisadas pelo procurador Cristián Crisosto, há sete imagens explícitas enviadas pela mulher, que não teve a identidade revelada.
Segundo Valenzuela, o presidente é quem seria a vítima da situação, devido a “um envio de e-mails que constituem assédio sistemático contra ele”. O advogado sustentou que as imagens teriam sido enviadas de maneira “não solicitada e sem conentimento” e Boric “rejeita e nega categoricamente a denúncia”, de acordo com o advogado.
Em 2021, durante a corrida eleitoral, o líder chileno foi acusado de assédio sexual, mas a denúncia nunca foi investigada. Na época, também negou qualquer irregularidade.
A denúncia contra Boric vem à tona em um momento em que o seu governo enfrenta um escândalo devido às acusações de abuso sexual e estupro feitas contra o ex-subsecretário de Segurança e Interior, Manuel Monsalve, que está em prisão preventiva há uma semana.
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Primeiros contatos
O primeiro e-mail foi enviado pela denunciante em 3 de agosto de 2013. Na ocasião, ela escreveu: “Estive vendo seu Twitter. Eu não tenho conta, na verdade, mas me atrevo a te dar um conselho: não diga ainda em quem vai votar nas eleições presidenciais. Sei que você já descartou a (Evelyn) Matthei, eu também”, em referência às eleições das quais Michelle Bachelet, primeira mulher a governar o Chile, saiu vencedora. Boric não respondeu.
A mulher só voltou a entrar em contato em outubro de 2013. Na mensagem, ela revelou o desejo de participar da campanha de Boric para deputado, mas que seus pais a proibiram porque ela devia priorizar os estudos. A denunciante afirmou no e-mail que ele poderia contar com ela “para o que precisar, pelo Facebook e espiritualmente”, acrescentando: “Te conto que não vou votar em nenhum presidente, só em você, hahaha.”
“Vejo que você é uma boa pessoa e que tem Deus no coração. Como te disse antes, seria legal a gente se encontrar para conversar um dia. Já te passei meu número. Se eu disser aqui em casa que vou sair para te ajudar, eles vão me castigar, porque ainda fazem isso, sempre dizendo que eu tenho que terminar os estudos para poder sair de casa. Faz 10 anos que dizem a mesma coisa. Sucesso em tudo, beijos”, concluiu o texto.
No mesmo dia, Boric respondeu: “Muito obrigada pelo seu e-mail e pela confiança, mas tem algo que não entendi. Quem é o Rodrigo? Eu o conheço?”. A mensagem sugeriu que os dois teriam conversado pessoalmente, já que não há menção anterior ao nome. Por sua vez, ela pede desculpas pela “ousadia” e pede um emprego (afirmando que ele tem “contatos”) porque seus pais a “expulsaram de casa”. Mais uma vez, Boric não respondeu.
Depois disso, ela mandou dois e-mails para Boric em novembro. No último, avisou que sua conta foi hackeada e que não consegue “enviar mensagens, nem curtir, nem comentar”. A mulher questiona: “Será inveja? Devo me preocupar?”, e afirma que “está bem claro” quem ela apoia, referindo-se ao atual presidente. Em seguida, deseja “que tudo corra bem” e sugere que os dois se encontrem “para conversar sobre a vida”. O político responde apenas com um ponto final e um parêntese (símbolo que se refere a um sorriso).
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Declarações e ameaças
A mudança no teor da conversa acontece ainda em dezembro daquele ano. Ela escreve: “Quando quiser, me liga e eu vou com você para onde quiser. Não aguento mais morar com meus pais. Eles vão se mudar para Viña e viajar de carro, não aguento, vou enlouquecer. Me liga, por favor?”. A mensagem é replicada por Boric com “???”. Ela volta a mandar um e-mail apenas em fevereiro de 2014.
“Eu te amo, estou sofrendo. Como você pode ter tanta paciência? Eu não sou A. Eu preciso de você, você é Deus, você comanda. Se fiz algo errado, por favor, me perdoe. Mas você não acha que já é suficiente continuar se machucando por aqueles que não querem acreditar? Não podemos ser felizes juntos neste planeta? Te imploro que tenha piedade de nós, por favor. Não me abandone, eu quero viver com você. Estar em casa, como sempre quis. Eu te amo”, disse a mulher.
Na mesma data, ela mandou uma segunda declaração, na qual relatou sentir muitas saudades e que sua vida não fazia sentido desde que soube quem Boric era. Ela relembrou de um momento em que o encontrou, escrevendo: “Nunca vou esquecer quando estávamos na CAJ (Corporação de Assistência Judicial), eu estava revisando uns arquivos, me virei, e você estava atrás de mim. Ficamos nos olhando por uns dois segundos”.
“Quero te ver, por favor. Me resgata? Da forma que você quiser, mas me leva com você? Esses são os principais motivos das minhas depressões. Eu te peço de coração, mas não consegui segurar e precisei te escrever isso por e-mail. Te amo para sempre. Para mim, você é meu único amigo”, concluiu ela.
Mais uma vez, Boric pareceu confuso, e respondeu com “???” no mesmo dia. Depois, quando a mulher mandou outra declaração em 27 de fevereiro, ele disse: “Não estou entendendo nada”. Meses depois, no final de abril, ela enviou sete fotos íntimas, alegando estar “morrendo de amor”. Ela, no entanto, advertiu: “: “Não mostre as fotos para mais ninguém, ok? São só para você, é a primeira vez que me exponho tanto para alguém”. Essa e nenhuma das outras mensagens seguintes são replicadas por Boric. Por vezes, ela ameaça o político e cobra pagamentos.
“Eu tinha caído em uma manipulação da sua parte. Cometi um grande erro ao te enviar fotos minhas. Só havia feito isso com meus ex-namorados. Apague-as e além disso, te proíbo de mostrá-las para outras pessoas. Estou te escrevendo isso para que fique registrado, caso você tente me extorquir, ou caso veja que você publicou, mostrou a outra pessoa ou ainda não apagou, para um possível processo, se eu achar necessário”, disse o último e-mail.