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Os chefes de Estado que se aproveitam do surto para endurecer as regras

Em nome do combate à pandemia, alguns líderes mundiais encaminham medidas para sua força, controlar a população e esmagar a oposição

Por Ernesto Neves Atualizado em 4 jun 2024, 14h50 - Publicado em 24 abr 2020, 06h00

Governantes autoritários costumam desabrochar nos períodos de crise. Invocando a necessidade de pulso firme para domar os problemas, aproveitam para investir-se de novos poderes, livrar-se de críticos incômodos e fixar-se na posição de “quem manda sou eu”. Para eles, portanto, a pandemia que está virando o mundo de cabeça para baixo tem sido terreno fértil — haja vista o recente rasgo de brabeza de Jair Bolsonaro ao demitir o ministro da Saúde para impor sua vontade sobre o bom senso no combate ao novo coronavírus. Deve ter dado inveja ao parceiro Donald Trump, fã declarado de lideranças na linha brucutu. Mesmo impossibilitado de assumir plenamente esse seu lado por força de uma Constituição feita na medida para cortar as asas da autoridade federal, o americano tem esperneado para mostrar que são suas tanto a iniciativa quanto a palavra final em qualquer assunto relativo ao coronavírus. Poucas vezes consegue, mas que tenta, tenta. “Líderes autoritários, em regimes fechados ou não, estão usando a crise do novo coronavírus para reforçar seu poder e enfraquecer a dissidência”, diz Cas Mudde, cientista político da Universidade da Geórgia especializado em populismo.

O embate mais direto de Trump “quem manda sou eu” foi com os governadores e envolveu o fim do isolamento social e a volta à normalidade, que ele quer apressar a todo custo. “A decisão final cabe ao presidente”, decretou, via Twitter — para em seguida decidir que cada governador indicaria o melhor momento para relaxar as regras. Ainda ameaçou dispensar a aprovação do Senado e instalar 129 indicados seus em cargos do governo, mas também não foi adiante. Mais sucesso ele tem tido em aproveitar o novo coronavírus para barrar imigrantes. Na quarta-feira 22, assinou sua 151ª ordem executiva (instrumento que abominava quando era usado por Barack Obama), desta vez suspendendo a concessão de residência a estrangeiros. “Trump sabe que o descontrole da epidemia e o desemprego galopante complicam suas chances de reeleição e por isso vem cedendo mais ainda à tentação autoritária”, diz Darrell West, cientista político da Brookings Institution, em Washington. Nada que se compare, porém, às manobras que têm sido empreendidas nos últimos dois meses por chefes de governo eleitos escancaradamente ditatoriais, como os da Hungria e das Filipinas.

AFINIDADES – Putin (à esq.) e Erdogan: punir fake news é desculpa para apertar a censura (Sefa Karacan/Anadolu Agency/Getty Images)

Viktor Orbán, o primeiro-ministro húngaro, aproveitou a confortável maioria no Parlamento para aposentar a Casa: fez aprovar uma lei de emergência que lhe dá plenos poderes para governar por decreto, prender adversários pelo tempo que quiser e, inclusive, extinguir leis existentes — isso, indefinidamente. “Os termos são subjetivos, e qualquer um pode ser enquadrado. É o mais grave atentado à democracia no país desde o fim do comunismo”, revolta-se o jornalista Zoltán Batka, do jornal Népszava, de Budapeste. A mesma trilha ditatorial foi seguida por Rodrigo Duterte, o presidente das Filipinas, que seria folclórico se não fosse tão brutal. Munido de poderes extraor­dinários, deu ordem à polícia para atirar em quem “criar problema” durante o período de quarentena. Sim, Orbán e Duterte são a favor do isolamento social — um assunto controverso no círculo dos déspotas. Na ex-­república soviética de Belarus, o ditador Aleksandr Lukashenko, há 25 anos no poder, simplesmente proibiu que se pronuncie e escreva “novo coronavírus” no território nacional, onde tudo continua funcionando e a orientação oficial é prevenir-se contra doenças com vodca e sauna.

Interino dos mais longevos após três eleições inconclusivas, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, estava a um passo de sair do governo e entrar no tribunal, onde está para ser julgado por corrupção, quando a pandemia chegou ao país. Não teve dúvida: em nome do combate ao vírus, suspendeu as sessões do Parlamento, adiou todos os processos (o seu inclusive) e ainda abriu os dados da população amealhados pelos serviços antiterrorismo para o monitoramento, por celular, das movimentações durante o isolamento obrigatório — este, motivo de um inédito ato de protesto em Tel-Aviv, com os manifestantes cumprindo a distância regulamentar entre si. Na segunda-feira 20, Netanyahu e seu xará e adversário Benny Gantz anunciaram a formação de um governo de coalizão que, se assumir e conseguir durar, não deve mudar muito o rumo das coisas: Bibi, um ás da resiliência, seguirá primeiro-­ministro.

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A 2 METROS – Protesto contra excessos de Netanyahu: a distância foi mantida (Corinna Kern/Reuters)

No ambiente turvo em que se movimentam os praticantes do despotismo ou aspirantes a déspota, a ebulição do noticiário e das redes sociais em consequência da pandemia tornou mais fácil calar a oposição: basta que se lance uma cruzada punitiva contra a disseminação de fake news. O objetivo, louvável em si, virou ferramenta de repressão na Turquia, onde o primeiro-ministro Recep Erdogan, que já acumula poderes extraordinários, empreende agora uma campanha para fechar de vez as poucas publicações que lhe fazem frente e instaurar a censura nas redes sociais. O russo Vladimir Putin, seu parceiro de conveniência (e inimigo eventual), tomou idêntica providência, à qual aliou uma ampliação dos sistemas de reconhecimento facial. Fica a questão: superada a crise, quantas medidas de exceção voltarão para o fundo do baú?

Publicado em VEJA de 29 de abril de 2020, edição nº 2684

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