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‘O seio não é um objeto sexual. É uma arma de protesto’

Jovem de 19 anos é a primeira brasileira a integrar o Femen, grupo da Ucrânia que reúne mulheres de topless em protestos contra os mais variados assuntos

Por Gabriela Loureiro
16 jun 2012, 18h15

“O brasileiro não está acostumado com seios nus. Se eu tirar minha blusa na rua agora, vai parar tudo e vou ser presa em 10 minutos. É um país de maioria católica, os brasileiros são muito conservadores, e a crítica aqui é muito pesada.”

Sara Winter

Com uma coroa de flores na cabeça e os seios à mostra, elas tomam as ruas em protestos contra os mais diferentes temas – desde os escândalos de prostituição envolvendo o ex-premiê Silvio Berlusconi na Itália até o “monopólio do gás natural” na Rússia. Esse é o Femen, o grupo feminista que nasceu em 2008 na Ucrânia e, desde que aderiu ao topless, alcançou fama mundial. Seu alvo atual é a Eurocopa no país natal do movimento. Segundo elas, o evento incentiva o turismo sexual. E a partir da próxima semana, esse time de ativistas – em sua maioria lindas e de gritos estridentes – ganhará um reforço brasileiro: Sara Winter (o sobrenome é fictício para não expor a família). Ela é a primeira mulher do Brasil – e da América Latina, garante – a integrar o grupo, que conta hoje com quase 400 militantes. Em troca, parte delas pretende trazer a luta contra a exploração sexual ao Brasil, na Copa de 2014.

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Sara se inspira na mistura de erotismo e ingenuidade das pin-ups dos anos 1950, como Betty Page. O estilo serviu inclusive de inspiração para ensaios fotográficos feitos antes de aderir ao Femen. O corpo curvilíneo, tipicamente brasileiro, destoa um pouco da estrutura magra das colegas europeias. Ela tem o sorriso fácil, mas também garante ser brava. A notícia recebida na sexta-feira, de que três ativistas do Femen haviam sido sequestradas, pegou-a de surpresa. Mas a estudante de cinema de 19 anos diz que não se intimida.

Na próxima quarta-feira, ela embarca para Kiev para receber um “treinamento intensivo” de três semanas e conhecer uma das líderes do Femen, Inna Shevchenko – com quem só manteve contato pelo Facebook até agora, mas já considera uma amiga. Para juntar o dinheiro necessário para pagar a passagem à capital ucraniana, pede contribuições no site https://www.vakinha.com.br sob o título Convite do Femen à Sara Winter. Ela jura que os pais – com quem ela vive em São Carlos, interior de São Paulo – ainda não sabem da nova empreitada, e tem a ajuda dos irmãos para a notícia não chegar até eles. “Se eu falar, minha mãe me amarra no quarto e não me solta nunca mais”, conta, sem qualquer tom de brincadeira, durante entrevista concedida (de roupa) ao site de VEJA na Avenida Paulista, essa semana. Confira os principais trechos abaixo:

Como você aderiu ao Femen? Eu leio notícias todas as manhãs, e um dia vi: “Ucranianas fazem topless contra o sexismo”, e falei “Nossa, que legal!”. Pesquisei bastante e falei com a Inna no Facebook, ela me deu a maior atenção. Então, pensei: “O Brasil é um dos países com os maiores índices de turismo sexual. Alguém vai começar esse grupo aqui”. Isso foi em outubro do ano passado. O tempo passou e ninguém fez nada. Conversei com a Inna, e ela disse que o Femen me dava todo o apoio para começar a protestar. Então, eu comecei, dia 1º de abril deste ano, tirei a minha primeira foto de topless, mais para divulgar. Pouco depois foi a Virada Cultural, onde eu fiz o meu primeiro protesto, que deu errado, mas deu certo. Fui no palco Cabaret, cheguei lá já pintada e vestindo apenas um sobretudo. Estava escondida esperando a Gretchen entrar, e quando isso aconteceu, à meia-noite, tentei subir. Um segurança me viu e me bateu. Só que fui conversar com os organizadores e contei que ele tinha me batido, e eles esperaram o show acabar para eu divulgar o movimento. Não foi do jeito que eu queria, mas protestei.

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Quem faz parte do Femen Brasil hoje? O Femen Brasil tem três meninas que fazem topless: eu, uma que mora em Santos e outra de Bauru, mas a gente ainda não conseguiu se unir para fazer alguma coisa. E o grupo que não faz topless, mas ajuda, tem 30 pessoas, algumas procurando donativos para eu conseguir viajar, vários fotógrafos, historiadoras, filósofas, webdesigners, assessores, etc.

O que os seus pais acham dos seus protestos? Confesso que meus pais não sabem ainda.

Você escondeu seu ativismo deles? Não, só não contei. Mas vou ter que contar quando eu for para a Ucrânia, né?. Eles não vão gostar, mas vou deixar uma carta e sair de casa. Se eu falar ao vivo, minha mãe me amarra no quarto e não me solta nunca mais. Meus pais são muito tradicionais, mas meus irmãos e minhas cunhadas me ajudam, são todos cúmplices.

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No que consiste o “treinamento intensivo” que você vai fazer na Ucrânia? Eu vou protestar. Vou aprender como elas se organizam lá e vou protestar também. Quero aprender como elas administram o dinheiro que é doado, elas têm uma loja de roupas e artigos do Femen, e eu vou fazer a mesma coisa aqui. Vou aprender quais são as estratégias jurídicas que elas usam lá, além de várias técnicas para os protestos, como altura dos gritos e o que fazer quando se é presa, que é basicamente pesar o próprio corpo no policial para ele cair junto no chão.

E por que mostrar os seios? Em 2008, quando o grupo começou, no interior da Ucrânia, elas protestavam pelos direitos estudantis, de roupa, e ninguém prestava atenção. O dia que elas resolveram fazer topless, no final de 2009, com os seios pintados (como era no começo), a imprensa caiu em cima e muita gente ficou sabendo dos problemas da Ucrânia.

Mas qual mensagem vocês querem passar quando mostram os seios na rua? O propósito do seio, além de ser uma excelente estratégia de marketing, é a maneira de a gente falar: “Somos mulheres, o corpo é nosso, e a gente faz o que quiser com ele”. O peito do homem não serve para nada. O da mulher, amamenta, acolhe, dá amor. O homem pode mostrar, a mulher não. Existe alguma coisa muito errada na sociedade em relação a isso. É um modo de falar que o seio não é um objeto sexual, é uma coisa muito mais importante que isso – e serve para chocar as pessoas também. É uma arma de protesto.

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E essa ideologia é bem interpretada? Não.

Protestar contra a exploração sexual nua pode parecer um pouco contraditório. Demora bastante para as pessoas entenderem a mensagem. As ucranianas fazem isso há quatro anos e ainda não foram compreendidas. A gente não está nem aí para o que a sociedade pensa da gente. O propósito do Femen não é resolver o problema, e sim expor o caso para o governo negligente e a população ignorante, que não tem conhecimento.

Você acha que isso pode dar certo mesmo no país do Carnaval? O brasileiro não está acostumado com seios nus. Se eu tirar minha blusa na rua agora, vai parar tudo e vou ser presa em 10 minutos. É um país de maioria católica, os brasileiros são muito conservadores, e a crítica aqui é muito pesada.

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Ser bonita é um pré-requisito para protestar no Femen? É a genética, elas são do Leste Europeu, é pura coincidência. E os fotógrafos precisam vender as fotos, então escolhem as mais bonitas para fotografar. Elas não têm culpa de serem bonitas, é o padrão de beleza eslavo. E eu sei que vou destoar lá, porque sou mais baixinha e gordinha do que elas.

O que motivou você ao ponto de tirar a blusa e gritar na rua contra a exploração sexual? Coisas que aconteceram na minha vida… Já tive um namorado que me agredia, e uma das minhas amigas foi estuprada por três caras. Essas coisas foram acontecendo em um período curto de tempo, e foram me engasgando.

Você não acha que as pessoas podem se cansar desses protestos com seio nu? Na Ucrânia, já cansaram.

E qual é a próxima estratégia? A Sasha, outra líder do grupo, irmã de Inna, invadiu o campo onde tem um desenho feito de plantas e se vestiu de pênis do mascote da Eurocopa. Elas vão inovando. Em Kiev, as pessoas já estão acostumadas, mas o intuito é que o mundo inteiro veja.

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