O Departamento de Justiça dos Estados Unidos está se esforçando para investigar e conter as consequências de um grande vazamento de documentos secretos do Pentágono sobre a guerra na Ucrânia, que abalou autoridades americanas, membros do Congresso e aliados importantes nos últimos dias.
Os documentos incluem detalhes sobre como os Estados Unidos espionam amigos e inimigos, bem como informações sobre os exércitos da Ucrânia e da Rússia. As informações foram publicadas no mês passado em redes sociais, como Twitter e Telegram, e vieram à tona devido a investigações jornalísticas na sexta-feira 7.
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Até o momento, pouco se sabe sobre o responsável pelo vazamento ou como alguns dos segredos mais bem guardados do país acabaram na internet. O Departamento de Defesa ainda está analisando o assunto e tomou medidas para restringir o fluxo dos documentos altamente confidenciais, mas autoridades americanas e aliados próximos já temem que as revelações possam colocar em risco fontes sensíveis e comprometer as relações exteriores.
O que aconteceu?
Os documentos apareceram online no mês passado na plataforma de mídia social Discord, de acordo com capturas de tela das postagens analisadas pela emissora americana CNN.
As postagens mostraram fotos de documentos amassados, colocados em cima de revistas e cercados por outros objetos aleatórios. É como se tivessem sido dobrados às pressas e enfiados em um bolso antes de serem removidos de um local seguro, segundo a investigação jornalística. Toda a papelada continha marcações classificadas, algumas ultrassecretas – o mais alto nível de classificação.
Não está claro quem está por trás dos vazamentos e onde, exatamente, eles se originaram.
O que está nos documentos?
Acredita-se que há, ao todo, 53 documentos vazados, produzidos entre meados de fevereiro e início de março deste ano. Eles contêm uma ampla gama de informações secretas – revelando como os Estados Unidos espionam aliados e adversários.
Alguns dos documentos, que autoridades americanas dizem ser autênticos, expõem a extensão da espionagem de Washington contra aliados importantes, incluindo Coreia do Sul, Israel e Ucrânia. Outros revelam até que ponto os Estados Unidos penetraram no Ministério da Defesa russo e na empresa mercenária russa Grupo Wagner, em grande parte por meio de comunicações interceptadas e fontes humanas, que agora podem estar em perigo.
Além disso, os papéis ainda detalham as principais fraquezas do exército ucraniano, incluindo limitações da defesa aérea e tamanho de batalhões em áreas sensíveis. O vazamento é particularmente preocupante agora que a Ucrânia se prepara para lançar uma contra-ofensiva contra os russos, e algumas autoridades do país afirmaram que tiveram que mudar planos por causa dos dados revelados.
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Um dos documentos de fevereiro era intitulado “Rússia-Ucrânia: batalha pela região de Donbas provavelmente caminhando para um impasse ao longo de 2023”. O documento observa os desafios de avaliar a “resistência das operações da Ucrânia”.
Um documento mostrou que os Estados Unidos têm espionado o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky. Isso não é surpreendente, disseram altos funcionários do governo do país, mas as autoridades ucranianas estão frustradas.
O relatório de inteligência dos Estados Unidos, que tem como fonte a inteligência de sinais – comunicações interceptadas de sistemas eletrônicos –, afirmou que Zelensky no final de fevereiro “sugeriu atacar o Oblast de Rostov, na Rússia” usando veículos aéreos não tripulados, já que a Ucrânia não possui armas de longo alcance capazes de chegar tão longe.
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Ainda outro documento descreve, com detalhes notáveis, uma conversa entre dois altos funcionários sul-coreanos sobre as preocupações do Conselho de Segurança Nacional do país em relação a um pedido de munição dos Estados Unidos, para enviá-la à Ucrânia. Segundo as autoridades, acatar ao pedido violaria a política da Coreia do Sul de não fornecer ajuda letal a países em guerra.
O documento já gerou polêmica em Seul. Funcionários do governo disseram a repórteres que planejam levantar a questão com Washington.
Um registro sobre Israel, entretanto, gerou mal estar em Jerusalém. Produzido pela CIA e obtido da inteligência de sinais, o relatório diz que a principal agência de inteligência de Israel, o Mossad, encorajou protestos contra o novo governo do país – “incluindo vários apelos explícitos à ação”, alega.
Como os aliados dos EUA estão reagindo?
Embora os aliados dos Estados Unidos saibam que a coleta informações sobre nações amigas é de praxe, diplomatas consideram prejudicial à reputação de Washington que essas informações venham à tona.
Funcionários do governo dos Estados Unidos “estão se envolvendo com aliados e parceiros em altos níveis sobre isso, inclusive para tranquilizá-los de nosso compromisso em proteger a inteligência e a fidelidade de garantir nossas parcerias” após o vazamento, disse o vice-porta-voz do Departamento de Estado, Vedant Patel, na segunda-feira 10.
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Mykhailo Podolyak, assessor do chefe do Gabinete do Presidente da Ucrânia, disse em seu canal Telegram na sexta-feira 7 que acredita que os documentos divulgados não são autênticos, “não têm nada a ver com os planos reais da Ucrânia” e são baseados em “ uma grande quantidade de informações fictícias” divulgadas pela Rússia.
Quem está investigando o vazamento?
O Departamento de Justiça já iniciou uma investigação e o Departamento de Defesa também está analisando o assunto.
“O Departamento de Defesa continua revisando e avaliando a validade dos documentos fotografados que circulam em sites de mídia social e que parecem conter material sensível e ultrassecreto”, disse a vice-secretária de imprensa do Pentágono, Sabrina Singh, em um comunicado no fim de semana. “Estamos focados em avaliar o impacto que esses documentos fotografados poderiam ter na segurança nacional dos Estados Unidos e em nossos aliados e parceiros.”
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O Estado-Maior Conjunto, liderança mais sênior do Departamento de Defesa que assessora o presidente, está examinando suas listas de distribuição para ver quem recebe esses relatórios. Muitos dos documentos tinham marcas indicando que foram produzidos pelo braço de inteligência do Estado-Maior Conjunto, conhecido como J2.
A equipe do Pentágono que trabalha para determinar a escala e o escopo do vazamento inclui autoridades legislativas, de inteligência e segurança e escritórios conjuntos do Departamento de Defesa. No entanto, o coordenador do Conselho de Segurança Nacional para Comunicações Estratégicas, John Kirby, disse que ainda não há desfecho à vista.
“Não estou ciente de que há qualquer conclusão neste ponto sobre de onde [os vazamentos] vêm”, disse Kirby. Ele acrescentou que “realmente não sabemos” se mais documentos podem vir à tona, ou se há alguma ameaça em andamento.