O governo da Irlanda encaminhou a seu Parlamento nesta sexta-feira, 22, um projeto de lei com o objetivo de mitigar os danos de um eventual Brexit sem acordo. Embora esse cenário seja o mais provável, em atitude diplomaticamente optimista, Dublin disse esperar que a legislação nunca tenha de ser utilizada.
O governo irlandês pretende acelerar a tramitação do projeto no seu Parlamento, de modo que seja aprovado antes da saída do Reino Unido da União Europeia (UE), prevista para 29 de março.
Como grande parceiro comercial da Grã-Bretanha e único país da União Europeia que compartilha uma fronteira terrestre com o Reino Unido, a Irlanda está sujeita a sofrer um gigantesco impacto econômico com o Brexit. Sem um acordo, o prejuízo será ainda maior, e ambos os lados da fronteira terão de montar novamente estruturas tarifárias, de inspeções alfandegárias e outras barreiras hoje inexistentes.
O vice-primeiro-ministro irlandês, Simon Coveney, disse que o projeto de lei tentará compensar “os piores efeitos de um Brexit desordenado”, ao oferecer assistência às empresas e garantir que os cidadãos tenham acesso a serviços.
Coveney ressaltou, porém, que seu “único desejo” é que a lei fique engavetada. Por isso, o governo da Irlanda afirmou que pretende continuar trabalhando para conseguir que a primeira-ministra britânica, Theresa May, ratifique o pacto de saída feito com Bruxelas em novembro passado, embora esse texto tenha sido rejeitado pelo Parlamento de Londres dois meses depois.
O projeto
O projeto de lei inclui nas suas 70 páginas 15 ‘minileis’ elaboradas por nove ministérios, nas quais se identificam as áreas que mais sofrerão o impacto de uma saída brusca do bloco.
Entre os principais pontos abordados estão a manutenção da legislação judicial atual e dos acordos de extradição entre Dublin e Londres e a garantia de que as aposentadorias e outros benefícios de cidadãos vivendo no Reino Unido não serão cortados.
Além disso, a nova lei procura dar continuidade ao transporte de pessoas em ônibus e trens entre as duas jurisdições, ainda que o Reino Unido se torne um “país alheio da noite para o dia”, lembrou Coveney.
Um dos setores que mais preocupa o governo do primeiro-ministro irlandês, o democrata-cristão Leo Varadkar, é o agroalimentar, que representa mais de 4,8 bilhões de euros anuais.
A Federação Irlandesa de Agricultores (IFA) lembrou que mais da metade da carne desse país é exportada ao país vizinho, conforme as regras do livre comércio da União Europeia. A atividade pode deixar de ser rentável se forem o Reino Unido aplicar tarifas de importação e/ou acordos de liberalização comercial com outros fornecedores mais competitivos, como o Brasil.
A este respeito, Coveney comemorou que a Comissão Europeia (CE) tenha aceitado exceções para a Irlanda, permitindo a seu governo elevar o nível de ajuda econômica estatal para este setor. A medida visa a reforma dos modelos de negócio das empresas e redução de sua dependência do mercado britânico.
Negociações
As negociações entre o Reino Unido e a União Europeia permanecem em andamento para garantir as mudanças que os britânicos querem em seu acordo de saída, disse a porta-voz da primeira-ministra Theresa May nesta sexta-feira.
A premiê discutiu as mudanças com o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, na quinta-feira 21 e falou com 26 líderes da União Europeia nas últimas duas semanas.
May também realizará reuniões bilaterais com líderes da União Europeia em uma cúpula no Egito no fim de semana. “Ela terá uma agenda com os líderes europeus novamente no domingo e na segunda-feira … o trabalho continua em andamento para fazer o tipo de progresso de que precisamos”, disse a porta-voz.
Cláusula da discórdia
O principal desacordo em torno do pacto fechado entre May e a União Europeia é o chamado “backstop”, criado para evitar o retorno a uma fronteira dura entre o Reino Unido e a República da Irlanda.
O sistema emergencial estabelece que, caso não haja um acordo comercial entre a União Europeia e os britânicos ao fim do período de transição, em dezembro de 2020, as partes permanecerão temporariamente como união aduaneira.
A Irlanda do Norte, portanto, seguiria no território aduaneiro e alinhada à União Europeia. O Parlamento britânico, contudo, não quer que a região esteja ajustada ao mercado único europeu após o Brexit.
Entre os críticos do “backstop” estão a ala mais nacionalista do Partido Conservador, liderado por May, o Partido Democrático Unionista (DUP), da Irlanda do Norte, também aliado da premiê, e o governo da República da Irlanda.
(Com EFE, Estadão Conteúdo e Reuters)