Ex-presidente da Fifa quando o Catar foi anunciado como país sede da Copa do Mundo de 2022, Joseph Blatter afirmou ao jornal suíço Tages Anzeiger que “a escolha foi ruim”. Com a declaração desta terça-feira 8 de que o “Catar foi um erro”, ele se soma às amplas críticas pela falta de representação do país no futebol e o péssimo histórico de direitos humanos, que surgiram assim que o país foi anunciado como anfitrião, há 12 anos.
“É um país muito pequeno. O futebol e a Copa do Mundo são grandes demais para ele”, disse o ex-dirigente sobre o Catar, primeiro país do Oriente Médio a receber o torneio.
Segundo Blatter, a Fifa chegou a mudar em 2012 os critérios usados para escolher os países anfitriões à luz de preocupações com condições de trabalho em locais ligados ao torneio.
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“Desde então, considerações sociais e direitos humanos foram levados em consideração”, acrescentou o ex-dirigente, que comandou a Fifa por 17 anos. Enrolado em acusações de corrupção durante sua chefia, ele foi inocentado por fraude por um tribunal suíço em junho, mas procuradores entraram com um recurso.
No mesmo dia da declaração de Blatter, um embaixador da Copa disse à emissora de televisão alemã ZDF que a homossexualidade era equivalente a um “dano na mente”. Em uma entrevista filmada em Doha, o ex-jogador de futebol Khalid Salman abordou a questão da homossexualidade, que é ilegal no país muçulmano conservador. Alguns jogadores de futebol levantaram preocupações sobre os direitos dos torcedores que viajam para o evento, especialmente pessoas LGBTQIA+ e mulheres, que grupos de direitos humanos dizem que as leis do Catar discriminam.
A entrevista foi interrompida por um funcionário que o acompanhava. Os organizadores da Copa do Mundo do Catar não comentaram o ocorrido.
A Fifa defendeu repetidamente que todos são bem-vindos no Catar durante a Copa do Mundo. Na semana passada, a autoridade do futebol emitiu um comunicado pedindo “foco no futebol, não em política”, durante o evento.
Apesar do histórico de direitos humanos, Blatter disse que assistirá de sua casa em Zurique o torneio, que começa em menos de duas semanas.
Críticas
Além de duras declarações de ativistas sobre a situação de direitos humanos no Catar, alguns participantes da Copa do Mundo também expressaram insatisfação. No final de outubro, a seleção de futebol da Austrália se tornou a primeira equipe da competição a condenar declaradamente os abusos no país anfitrião.
A federação australiana de futebol afirmou que a exploração de trabalhadores migrantes durante a construção dos estádios “não pode ser ignorada” e instou o país a legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo, em um dos protestos mais significativos do torneio até agora.
No final de setembro, a fornecedora de material esportivo da seleção da Dinamarca, Hummel, anunciou uma camisa de jogo preta, a cor do luto, para reconhecer de forma “velada” os trabalhadores migrantes que morreram no país durante a construção dos estádios. Além do protesto contra as violações, a Federação Dinamarquesa também aderiu a uma campanha europeia lançada na semana passada que promove a igualdade e a diversidade sexual, chamada “One Love”. Capitães dos times que apoiam o movimento como a Alemanha, França e Reino Unido usarão braçadeiras multicoloridas em formato de coração no país onde a homossexualidade é punível com tortura e morte.
O Catar tem sido criticado globalmente por acusações envolvendo o tratamento de trabalhadores estrangeiros na preparação para o espetáculo global. Muitos dos imigrantes foram alojados em campos de trabalho precários, tiveram compensação inadequada e foram forçados a permanecer no país por meio de passaportes confiscados.
Em relatório publicado no ano passado, a Anistia Internacional afirma que o Catar falhou em investigar as mortes de dezenas de trabalhadores migrantes na última década. De acordo com a organização de direitos humanos, a maioria das mortes de migrantes no país foi atribuída a “causas naturais”, falhas cardíacas ou respiratórias. As classificações, no entanto, são “sem sentido” quando não há a verdadeira causa da morte explicada, afirma um especialista citado no documento.
Faltando um mês para o início da competição, a Fifa confirmo negociações para a criação do fundo de compensação para trabalhadores migrantes feridos nas obras do evento esportivo.
A ideia já tinha sido defendida por diversas organizações de defesa dos direitos humanos, como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch, que recentemente fizeram uma proposta para que a Federação Internacional de Futebol destine uma verba de 440 milhões de dólares, o equivalente a 2,3 bilhões de reais, para operários e familiares.
Estatísticas oficiais do governo mostram que 15.021 trabalhadores de fora do Catar morreram no país entre 2010 e 2019. Os dados, no entanto, não indicam apenas trabalhadores migrantes que morreram por condições de trabalho, à medida que inclui pessoas de todas as idades, ocupações e causas. Os dados oficiais também não indicam quantos morreram em construções ligadas à Copa do Mundo.
Em fevereiro, o jornal britânico The Guardian revelou que mais de 6.500 migrantes do sul da Ásia morreram no Catar na última década. Ao todo, a força de trabalho do país composta por migrantes chega a 2 milhões de pessoas.