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Eles têm a força

Quem são os quatro poderosos militares venezuelanos que sustentam o regime de Maduro e — ainda — não decidiram bandear-se para o lado de Guaidó

Por Leandro Resende, de Caracas
Atualizado em 10 Maio 2019, 07h00 - Publicado em 10 Maio 2019, 07h00
QUARTETO NO COMANDO –  Maduro e os generais que dão as cartas: o difícil é achar a hora certa de abandonar o barco (Marco Bello/Reuters)

1. Tenente Diosdado Cabello (Vice-presidente do PSUV): Teve a influência reforçada com a substituição do chefe da polícia secreta por um oficial de sua confiança. Truculento e popular, foi muito próximo de Hugo Chávez
2. General Iván Hernández Dala (Diretor de Contrainteligência Militar): Um dos militares que, segundo os Estados Unidos, aceitaram conversar com a oposição sobre o afastamento de Maduro. Mas, quando chamado a mudar de lado, ele refugou
3. General Vladimir Padrino López (Ministro da Defesa): O mais influente entre os homens fortes da Venezuela, é o único com comando efetivo sobre todos os setores das Forças Armadas
4. Almirante Remigio Ceballos Ichaso (Comandante Estratégico Operacional das Forças Armadas): Militar obediente e sem espírito de liderança, é o elo mais fraco do núcleo duro do regime. Aceitou sem reclamar a presença de oficiais cubanos vigiando setores que comanda


Os muros grafitados de Caracas, a capital da Venezuela, são o retrato da convulsão que toma conta do país. Sob um viaduto, alguém escreveu FOME, em letras garrafais. Este é o maior problema hoje de quem não tem dinheiro para se prover no mercado negro. Em outro ponto, topa-se com uma parede de insultos a Nicolás Maduro, o presidente “usurpador” que se aferra ao poder. Mais adiante, o alvo da insatisfação popular é Juan Guaidó, o autoproclamado presidente que desafia o regime: em um cartaz, seu rosto aparece riscado. Atônitos, desesperançosos e divididos, os venezuelanos vão deixando seu recado nas ruas repletas de lixo de dia e vazias à noite, mas a esta altura são peões em um jogo que escapou de seu controle. O destino da Venezuela pende entre Estados Unidos, avalistas da oposição, e Rússia, suporte dos chavistas. E o fiel da balança é um restrito número de militares com voz de comando sobre a tropa. Para onde eles penderem, a Venezuela irá junto.

Em seu segundo erro estratégico relevante (o primeiro foi a tentativa frustrada de fazer entrar ajuda humanitária pela fronteira à revelia das patrulhas chavistas), Guaidó postou um vídeo em 30 de abril no qual, cercado de um punhado de soldados, proclamava que o fim de Maduro havia chegado. Tinha a seu lado Leopoldo López, líder oposicionista havia anos em prisão domiciliar, solto pelos próprios carcereiros da polícia secreta. “Saiam dos quartéis e unam-se a nós”, pediu Guaidó aos soldados, inclusive mandando cartas às guarnições e orientando a população a entregar bilhetes à tropa de choque nos protestos. Parecia um plano promissor — mas deu tudo errado. Guaidó calculou mal, nem soldados nem comandantes mudaram de lado, o grupinho ao seu redor precisou pedir asilo ao Brasil e o único resultado concreto da bravata foi abrir os olhos de Maduro para a existência de fraturas relevantes nas fileiras militares.

Existem atualmente mais de 2 000 oficiais de alta patente na Venezuela. A promoção indiscriminada foi uma ferramenta acionada por Hugo Chávez, o fundador do regime bolivariano, e aperfeiçoada por seu sucessor, Maduro, para garantir a base que sustenta o governo. Aos generais foi dado o controle de nacos da economia, garantindo-lhes enriquecimento rápido e fácil — e uma hegemonia de corrupção e má gestão que afundou o país. Entre os milhares de oficiais, quatro dão efetivamente as ordens. O homem mais forte de todos é o general Vladimir Padrino López, de 55 anos, ministro da Defesa desde 2014. Padrino já poderia ter se reformado, mas permanece na ativa pela influência que exerce no alto-comando e pela capacidade de controlar cerca de 130 000 integrantes do Exército, Marinha, Força Aérea e Guarda Nacional Bolivariana. Além desse contingente — proporcionalmente, quase o dobro do das Forças Armadas brasileiras —, Maduro conta com as temidas milícias bolivarianas, grupos de civis armados e uma espécie de reserva dos militares que o regime propala totalizar mais de 1,6 milhão de apoiadores fiéis, número que todos os especialistas consideram exagerado.

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À MARGEM – Venezuelano recolhe água de chuva acumulada em rua de Caracas: população sem comida e sem voz ativa (Vladimir Marcano/VEJA)

“As Forças Armadas controlam o destino do país e Padrino controla o destino delas”, resumiu a VEJA o general da reserva Juan Betancourt, que foi comandante de Hugo Chávez quando ele era tenente do Exército. Os demais militares que compunham a cúpula poderosa do regime, até a desastrada ação de 30 de abril, eram o general Iván Hernández Dala, chefe da contrainteligência; o almirante Remigio Ceballos, comandante de Operação Estratégica das Forças Armadas; e o general Manuel Figuera, chefe do temido Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin, a polícia secreta). Os dois generais, além do juiz Maikel Moreno, presidente da Suprema Corte, foram incluídos por John Bolton, assessor de segurança da Casa Branca, em um grupo de membros do regime que estiveram negociando com a oposição e pareciam dispostos a mudar de lado. “Se Padrino não fosse tão poderoso, teria perdido o cargo”, acredita Luís Salamanca, cientista político da Universidade Central da Venezuela.

Acontece que, na hora H, o general Hernández, o almirante Ceballos e o juiz Moreno deram para trás. Só Figuera cumpriu sua parte, mandou soltar Leopoldo López (o que, aparentemente, assustou os colegas) e agora se encontra preso. No seu lugar, para comandar o Sebin, entrou Gustavo Gonzáles, que ocupava o cargo até outubro de 2018, quando um opositor morreu na sede da polícia secreta. A colocação de González na chefia do Sebin incluiu na cúpula todo-poderosa o tenente Diosdado Cabello, que o indicou. Político popular e número 2 do regime, Cabello, que andava meio de escanteio, aproveitou a chance de manobrar para ter sua influência reforçada e assim se instalar no núcleo duro do poder. Acusado de envolvimento com narcotráfico e corrupção, Cabello é vice-presidente do PSUV, o partido chavista, e implacável com opositores. “Mesmo não sendo general, ele tem mais ascendência sobre parte dos oficiais do que o próprio Maduro, por ter sido muito próximo de Chávez”, explica Sebastiana Barráez, jornalista especializada em cobertura militar na Venezuela.

Um dos motivos para o chefão Padrino manter-se firme com Maduro é o sentimento de gratidão e medo que tem por ele, resumiu a VEJA o general Antonio Rivero, seu colega de turma na academia militar. Em 2015, o ministro da Defesa enfrentou sérios problemas de saúde e o presidente bolivariano facilitou sua remoção para tratamento em Cuba. “Salvaram sua vida, e ele me disse que seria para sempre fiel ao socialismo”, afirma Rivero, afastado do Exército desde que se insurgiu contra a presença de militares cubanos na Venezuela, em 2010. “Eu o conheço há muito tempo e sei que as chances de ele abandonar Maduro agora são bem baixas.”

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SEM RESPOSTA – Manifestantes fazem apelo pela adesão dos soldados: a oposição insistiu, mas eles não atenderam (Vladimir Marcano/VEJA)

Encerrada a tentativa de Guaidó de cooptar os militares, Padrino, Hernández, Ceballos e Cabello marcharam ao lado de Maduro no desfile de milhares de oficiais e soldados no Forte Tiuna, um quartel nos arredores de Caracas, para comemorar a “vitória sobre o golpe”. Enquanto os dois generais estão no topo do poder e o tenente Cabello é mestre em se projetar, o almirante Ceballos é considerado um militar obediente e sem liderança ativa. “Ele convive tranquilamente com a presença de cubanos vigiando venezuelanos atrás de indícios de traição nos setores sob sua responsabilidade”, diz a especialista Sebastiana Barráez.

Um dos grandes motivos para que os militares não abandonem Maduro é o temor de que, em situação menos protegida, acabem virando alvo de algum inimigo. Mas o maior incentivo à fidelidade é, sem dúvida, jurídico-­financeiro. Primeiro, ninguém quer perder a boquinha. Calcula-se que um militar de alta patente venezuelano ganhe soldo de 70  000 bolívares soberanos, o suficiente para comprar um pouco de carne de frango, alguns legumes e uma dúzia de ovos no país onde a inflação é galopante e cinco das oito cédulas de dinheiro não compram nada. O que lhes garante o brioche de cada dia são os bônus (em dólares) que recebem por cargos em setores do governo, sem falar nos desvios contumazes de verbas. Na Venezuela, oficiais-generais da ativa comandam bancos, empresas e a distribuição de alimentos — sem falar em tudo o que se refere a petróleo. Um general preside o Banco de la Fuerza Armada Nacional Bolivariana, outro a Compañía Anónima Militar de Industrias Mineras, Petrolíferas y de Gas (Camimpeg). O fatiamento é minucioso: existe um oficial para cuidar do azeite, outro, do arroz, um terceiro para os ovos, outros ainda para o café, os artigos de higiene pessoal, e por aí vai.

Se o cerco da oposição apertar a ponto de balançar o apego dos generais ao regime, eles querem ter a certeza de que, no novo governo, não serão levados a julgamento por corrupção e abuso de poder. Por mais que Guaidó acene com a anistia, a dúvida permanece forte, o que dificulta a escolha da hora certa para debandar (já que a saída de Maduro é tida como inevitável). Nas hostes governistas, a aposta é que os venezuelanos vão se desencantar de Guaidó. “Ele é um produto de marketing dos Estados Unidos e vai se desidratar”, disse a VEJA o ministro do Trabalho, Eduardo Piñate, durante uma reunião do partido bolivariano. A poucos metros dali, pessoas retiravam água da chuva de um buraco no asfalto para consumir em casa. “O país está em uma encruzilhada na qual, ao que tudo indica, a população não tem voz ativa”, reitera Gorka Roman Etxebarrieta, especialista em América Latina da Universidade do País Basco, em Bilbao. De fato, o destino da Venezuela dança entre americanos, russos e generais.

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Publicado em VEJA de 15 de maio de 2019, edição nº 2634

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