A denúncia contra o presidente Jair Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional (TPI) por “incitar o genocídio e promover ataques sistemáticos contra os povos indígenas do Brasil” está “fadada ao arquivamento”, segundo especialistas em direito internacional. A corte em Haia atua em grandes casos de crimes contra a humanidade, genocídios, crimes de guerra e de agressão.
“É uma representação que está na competência do Tribunal e que se houver indicativos de que houve uma incitação poderia levar a uma condenação”, diz Cláudio Finkelstein, professor de direito internacional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “Mas, na prática, é improvável que aconteça, pois tem que haver provas irrefutáveis dessa incitação. Por enquanto, me parece fadada ao arquivamento.”
A denúncia foi assinada pelo grupo de advogados Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu) e pela Comissão Arns, associação formada por personalidades do mundo político, juristas, acadêmicos, intelectuais, jornalistas e militantes sociais. As entidades consideram Bolsonaro responsável por “um crime contra a humanidade” por suas declarações sobre os incêndios na Amazônia, responsáveis pela primeira crise internacional do governo Bolsonaro.
Segundo a advogada Eloísa Machado, do CADHu, o presidente teria incentivado o genocídio ao “sucessivamente” colocar a demarcação de territórios indígenas em oposição ao desenvolvimento do país, estimular a grilagem e garimpagem em terras indígenas, se omitir frente às queimadas e promover o desmonte de órgãos ambientais.
A representante da organização explica que a denúncia foi apresentada diante da gravidade dos casos e da falta de ação da Justiça brasileira. “O sistema de Justiça nacional não é capaz de dar uma reposta adequada para estes atos e por isso recorremos a uma instância internacional com o objetivo de que essa incitação pare e de que haja uma reparação por tudo que já aconteceu”, diz.
Para Valerio Mazzuoli, professor de direito internacional da Universidade Federal de Mato Grosso, a denúncia mostra que as organizações estão vigilantes e acompanhando a situação da população indígena no Brasil, mas não deve ir para frente. “O Tribunal Penal Internacional atua em grandes crimes contra a humanidade, como no uso de armas químicas, bacteriológicas, ou no uso de uma bomba contra uma capital”, diz.
“Me parece que teria que ser uma conduta muito mais grave e com consequências muito mais palpáveis do que essas que estamos vivendo para o caso ser aceito”, diz Cláudio Finkelstein.
Eloísa Machado afirma que o objetivo da comunicação é justamente prevenir crimes mais graves. “Nós sabemos que o TPI tem atuado em casos em que esses crimes chegaram ao seu pior terreno. Mas ao mesmo tempo o Tribunal só aperfeiçoa sua maneira de agir a partir da provocação”, afirma.
As denúncias apresentadas ao Tribunal são primeiro submetidas ao escritório do procurador-chefe da corte. Atualmente, o cargo é ocupado pela gâmbia Fatou Bensouda. Após apurar a representação e buscar mais informações com Estados, órgãos das Nações Unidas, ONGs e outras fontes que considere relevantes, a procuradora decidirá se o caso será aceito pelo Tribunal e encaminhado a um juiz.
Os casos do TPI
Entre os casos de maior repercussão julgados pelos TPI está o do ex-ditador líbio, Muammar Kadafi, que teve sua prisão decretada por crimes contra a humanidade pela repressão aos protestos contra o seu governo em 2011. A primeira ordem de prisão emitida pelo Tribunal contra um chefe de Estado foi contra o presidente do Sudão, Omar Hassan Ahmad al Bashir, em 2008, acusado de genocídio pelos crimes cometidos na região de Darfur. O general servo-bósnio Dragomir Milosevic foi condenado a 33 anos de prisão, em 2007, por comandar o cerco à cidade de Sarajevo durante a Guerra da Bósnia (1992-1995), entre outros crimes. Slobodan Milosevic, ex-presidente da antiga Iugoslávia, também foi acusado por crimes de guerra e genocídio. Milosevic morreu aos 64 anos, antes do final de seu julgamento.