Enfim, férias. Construa casas em uma comunidade indígena do Panamá, cuide de elefantes idosos na Tailândia ou monitore crianças em uma creche de favela do Rio de Janeiro — sim, isso são férias. E tem uma turma que está disposta a pagar caro por elas. Esqueça luxo e vida boa. A ideia é fazer uma imersão completa em uma nova cultura como voluntário, pegando no pesado para valer. Quem vai atrás desses pacotes já rodou outros países à moda turística e agora quer viver uma experiência original, da qual possa extrair lições únicas e ao mesmo tempo ajudar — tudo feito sob medida para estes tempos politicamente corretos. O “volunturismo”, como a modalidade é chamada, movimenta hoje cerca de 10 milhões de pessoas por ano, incluindo brasileiros.
A maioria dos volunturistas, aqui e no exterior, é jovem, tem outros carimbos como voluntário e não se incomoda com a qualidade do colchão nem com falta de privacidade. O que importa é, para usar o verbo da vez, conectar-se com outros povos — e que isso ocorra do jeito local. A chef carioca Tati Lund, de 32 anos, ficou quinze dias na Jordânia alojada em um acampamento de refugiados sírios: deu aulas de culinária e visitou famílias que fugiram da guerra em seu país. “Em uma situação assim, você tem a chance de praticar pequenas ações de grande valor humanitário e ainda mergulha em uma cultura da forma mais autêntica possível”, avalia a chef, que planeja outra dessas viagens no Quênia, depois na Amazônia.
A previsão do VolunTourism Institute (formado por gente de nacionalidades diversas que estuda o crescimento e o impacto desses viajantes) é que o número de volunturistas dobre até 2020. O Brasil embalou nesse nicho, que nasceu nos anos 1980. A Volunteer Vacations, que opera em vinte países, estreou no Rio em 2014, por iniciativa de Mariana Serra, graduada em relações internacionais. “A participação de brasileiros na realização de trabalho voluntário aumenta ano a ano, o que impulsiona esse tipo de viagem”, diz Mariana. Ela própria, aliás, internou-se em uma favela de Kibera, no Quênia, onde deu reforço escolar a crianças — “uma temporada inesquecível”.
Os marinheiros de segunda, terceira viagem foram lapidando os métodos para pinçar bons pacotes em meio a tanta oferta — nem todas gratificantes. A primeira cilada é escolher por impulso porque a causa parece boa e o destino, exótico. Nesse caso, o risco é acabar envolvido em um mutirão para pintar casas, por exemplo, sem nunca ter segurado um pincel. Outro ponto essencial é fazer uma varredura nas redes sociais e conversar com outros viajantes para estar certo da idoneidade da ONG para a qual se vai trabalhar. À explosão do volunturismo se seguiu uma indústria de orfanatos de fachada, de vergonhosa contrafação. Até uma organização, a ReThink Orphanages, foi criada para alertar sobre o assunto. A experiência custa, em média, 100 dólares por dia, fora a passagem. Não é barato, mas quem vai garante: recebe-se muito mais em troca, com a sensação do dever cumprido.
Publicado em VEJA de 12 de dezembro de 2018, edição nº 2612