No hemisfério norte, é primavera. Se há alguma coisa que a pandemia do novo coronavírus não pode parar, pelo menos por enquanto, é a mudança das estações. Para o artista britânico David Hockney, em isolamento na Normandia, no norte da França, as abundantes árvores frutíferas em flor – macieiras, cerejeiras e amexeiras – são tema de sua última série de obras digitais, divulgada na terça-feira 31.
Considerado o mais caro artista plástico do Reino Unido, com uma de suas pinturas vendidas pelo valor recorde de 90 milhões de dólares em 2018, Hockney já havia planejado passar a primavera retratando seu jardim, com sua cadela Ruby. Claude Monet já fizera, nas primeiras décadas do século XX, obras célebres diante de seu jardim em Giverny, também na França, onde se manteve em auto-exílio no final da vida. Mas os tempos diferentes, muito além da técnica e da sensibilidade artística, trouxeram diferenças. A primeira notada é a divulgação digital dos trabalhos. A segunda, o coronavírus. Como reporta o jornal britânico The Times, Hockney afirma que, “com o vírus enlouquecendo”, suas obras acabaram tornando-se “um grande respiro do que estava acontecendo”.
Mais de 905.200 casos de coronavírus foram confirmados no mundo. As mortes já chegam a quase 45.500, segundo levantamento da americana Johns Hopkins University, e trazem a amargura do isolamento e do medo.
O artista fez uma série de desenhos usando um iPad. Mesmo sem transbordarem com sofisticação, as imagens capturam uma sensação de frescor. É a primavera sutil, que se faz notar inesperadamente em meio a uma situação caótica. A França está em bloqueio nacional total até, pelo menos, o dia 15 deste mês. De acordo com a crítica do The Times, é esse sentimento de despertar que Hockney procura provocar: um levantar de espíritos.
A vida como ela é
De maneira igualmente singela, outros artistas ao redor do mundo também estão retratando suas vidas em confinamento – mesmo que sem poder desfrutar de um belo jardim na Normandia.
Ruth Manning vive em Wisconsin, nos Estados Unidos. Mas, de acordo com seu site, seu estúdio é onde quer que esteja. Ela observa a vida e traduz essas experiências em artes visuais, como os desenhos, as pinturas e as tapeçarias.
Antes da pandemia, Manning desenhava imagens do cotidiano que nem poderia imaginar tornarem-se raridade neste momento de pandemia. No dia 14 de dezembro do ano passado, ela retratou uma manhã no mercado, fazendo compras.
Em março, a artista americana entrou em quarentena em Madri, na Espanha, onde ficou ilhada durante uma visita à sua filha. No dia 21, desenhou os vasinhos de plantas em cima da mesa da cozinha. O país ficará bloqueado até, pelo menos, sexta-feira, 9.
A artista americana Deb Monti estava em Valência, na Espanha, quando o país entrou em quarentena. Ela criou uma série chamada “De repente, precisávamos decidir onde era nosso lar”, em que retratou o cotidiano de isolamento.
Monti já voltou a Pittsburg, nos Estados Unidos, e agora se mantém em auto-isolamento por temor de estar contaminada com coronavírus.
Eric Diotte, um artista canadense que estava trabalhando em Quioto, no Japão, quando a pandemia explodiu, retratou um dos mais famosos acontecimentos do país, o Hanami, quando as flores de cerejeira brotam na primavera. Entre março e maio no ano passado, a temporada de cerejeiras em flor atraiu cerca de 8,5 milhões de turistas ao Japão. Neste ano, as autoridades cancelaram festividades tradicionais.
“Ver as cerejeiras é uma das tradições de primavera mais emblemáticas e antigas do Japão. À medida que as árvores começam a florescer, mais e mais dessas reuniões são canceladas; vamos celebrar em isolamento”, escreveu o artista nas redes sociais.