Coreia do Norte: assassinatos e traições na família Kim
Desde que chegou ao poder no final de 2011, Kim Jong-un teria mandado matar o tio, a tia e o irmão mais velho
Na Coreia do Norte, sangue é poder. A autoridade do atual ditador do país, Kim Jong-un, vem de três fatores: o primeiro é que ele pertence à família que governa o país há quase 70 anos. O segundo é que seu irmão mais velho caiu em desgraça depois de uma tentativa fracassada de visitar a Disney no Japão em 2001. O terceiro é que ele está disposto a eliminar da face da terra qualquer pessoa que considere um ameaça.
Como se trata do país mais fechado do mundo, as brigas e traições familiares ocorrem dentro de uma elite dinástica protegida do escrutínio público. Há histórias de amantes, tentativas de fuga, execuções e até parentes que “casualmente” desapareceram da história.
Depois da malsucedida viagem ao parque de diversões, o meio-irmão de Un, Kim Jong-nam, conseguiu fugir do país com o filho e acabou por se tornar uma voz dissidente do regime. As críticas vindas de alguém do mesmo sangue se tornaram intoleráveis e o final da história ocorreu em fevereiro, com o assassinato de Nam no aeroporto de Kuala Lumpur, na Malásia, na fila do check-in para um voo para Macau, um território chinês.
Em 2013, Kim-Jong-un ordenou o fuzilamento do tio, Jang Song-thaek, até então o segundo homem mais poderoso do país. Os laços de parentesco não só não o salvaram, como acabaram por condenar toda a sua família. Um dia depois do assassinato de Jang, policiais invadiram a casa de centenas de parentes dele e levaram todos embora. Até os que habitavam cidades distantes da capital, Pyongyang, foram sequestrados. Dois anos depois, um dissidente do regime afirmou que ele havia envenenado a tia, Kim Kyong Hui.
O destino de todos foi o mesmo: os infames campos de trabalhos forçados do país. Mesmo parentes do pai de Jang foram incluídos entre os banidos. A punição a familiares de condenados é uma prática comum na Coreia do Norte e se estende até àqueles que ainda não nasceram.
Também em 2013, jornais da Coreia do Sul acusaram Un de ter mandado matar a ex-namorada, a cantora pop Hyon Song-wol. Mas meses depois, o regime divulgou um vídeo em que afirmava que Hyon ainda estava viva. A última vez que ela apareceu em público foi em 2015, quando atuou em uma missão diplomática na China.
Conheça algumas das figuras importante da família Kim – e suas polêmicas:
Kim Il-sung, o fundador
Conhecido como o “grande líder” ou o “presidente eterno”, Kim Il-Sung foi o fundador do regime ditatorial da Coreia do Norte e comandou o país desde 1948 – época em que foi dividido entre o sul, alinhado com os Estados Unidos, e o norte soviético – até sua morte em 1994. O ditador nasceu em uma ocupação japonesa em Mangyungbong, no território norte-coreano, sob o nome de Kim Song-ju.
Na juventude, Kim fundou grupos de oposição ao imperialismo do Japão e se juntou ao Partido Comunista da China. Registros estatais apontam que, quando lutava na guerrilha anti-japonesa, mudou seu nome para Kim Il-sung, algo como “Kim se torna o sol”. Após anos no comando de batalhas em favor do regime soviético, Kim foi indicado pelo ditador Josef Stalin para mandar no novo país, que surgia com a separação das Coreias.
O culto à personalidade do ditador ainda é amplamente divulgado na imprensa e nas escolas, que contam com os “Institutos de Pesquisa Kim Il-sung”, e há mais de 500 estátuas suas pelo país.
Kim Jung-suk, a “esposa perfeita”
Também parte da guerrilha anti-japonesa, Kim Jung-suk é divulgada como a “perfeita esposa comunista” pelo regime norte-coreano e teria conhecido e casado com Kim Il-sung na União Soviética. A história oficial conta que tinha extraordinárias habilidades de guerra, mas que também dedicava sua vida a cuidar do marido ditador – a não oficial diz que sofria com depressão e com a infidelidade do cônjuge.
A morte da primeira esposa de Kim Il-Sung, aos 29 anos, também é cercada de informações incertas. Na biografia oficial, divulgada pelo regime, se explica apenas que faleceu pelas “durezas que enfrentou durante os anos como guerrilheira”. Relatos não confirmados pela família apontam que morreu no parto de um bebê natimorto ou até que foi baleada.
Kim Jong-il, o “querido líder” fashion
Sucessor do pai na dinastia, Kim Jong-il foi a figura mais venerada (e falsificada) pelos propagandistas do regime, entre 1994 e sua morte. Apesar de registros soviéticos mostrarem que nasceu em um vilarejo da Sibéria, sua biografia oficial relata um nascimento mágico no sagrado Monte Paektu, com direito a arco-íris, uma nova estrela no céu e mudança repentina nas estações.
As invenções sobre seus feitos incluem habilidades intelectuais e esportivas. Na imprensa estatal, se diz que Kim fez 11 hole-in-ones na primeira vez que jogou golfe, escreveu 1.500 livros durante a faculdade e inventou o hambúrguer. Em 2010, o jornal do regime Rodong Sinmun noticiou que o ditador também se tornara um ícone fashion ao redor do mundo com seu modelito clássico, uma espécie de abrigo marrom. Kim, porém, está longe de ser querido no ocidente e sua falha administração econômica levou o país a uma terrível crise fome entre 1994 e 1998, que pode ter matado até 3,5 milhões de pessoas.
Obsessivo por cinema, Jong-il tinha uma coleção de mais de 20.000 fitas. A fixação chegou a tal ponto que mandou sequestrar Shin Sang-ok, diretor sul-coreano, e sua esposa, a atriz Choi Eun-hee, para fomentar a indústria do entretenimento da Coreia do Norte. Eles fizeram sete filmes até escaparem do país, oito anos depois.
Ko Young-hee, a “mãe de Pyongyang”
Nascida no Japão, mas com ancestrais coreanos, Ko Young-hee era a esposa oficial de Kim Jong-il e mãe do atual ditador, Kim Jong-un. Sua história está entre as mais escondidas pelo regime, por causa da herança japonesa – essa característica a colocaria na escória da sociedade comunista. Apesar de suas origens serem de conhecimento geral, elas não podem ser discutidas entre os cidadãos. O título oficial usado pelos propagandistas para se referir Ko é “a respeitada mãe que é o sujeito mais fiel e leal ao querido líder companheiro comandante supremo”, resumido eventualmente para “mãe de Pyongyang”. Ela faleceu em decorrência de um câncer, em 2004, aos 51 anos, após tentar tratamento em Paris.
Sua irmã, Ko Young-suk vive exilada em Nova York com o marido e os três filhos desde 1998, onde tem uma lavanderia. Foi ela quem criou Kim Jong-un na pré-adolescência, quando o acompanhou para que fosse estudar na Suíça. A família evita revelar os motivos para a fuga, mas defende que foi uma tentativa de encontrar tratamento para o câncer de Ko Young-hee.
Kim Kyong-hui, a tia poderosa
É a irmã caçula de Kim Jong-il, única filha mulher de Kim Il-sung e Kim Jung-suk (o casal ainda teve outro filho, do meio, que morreu afogado na infância). Confidente do irmão, foi figura presente no regime e a única a ter contato direto com a liderança. Ela também auxiliou o sobrinho quando assumiu o comando da nação, em 2011, e foi descrita como a segunda figura mais poderosa do país.
A participação da tia na política norte-coreana praticamente acabou após a execução do marido, Jang Song-thaek, em 2013. Com o desaparecimento dos holofotes, a imprensa internacional noticiou sua morte algumas vezes, com especulações de infarto e suicídio. Em 2015, um desertor próximo ao regime declarou também que Kim Jong-un mandou auxiliares envenenarem a tia. A inteligência sul-coreana, porém, confirmou que ela está viva, mas possa por tratamentos médicos.
Curiosamente, Kyong-hui é dona do único restaurante de hambúrguer do país, descrito como “carne moída e pão”, para evitar o uso da palavra americana. Ela teve uma filha com Jang que se suicidou aos 29 anos, quando estudava em Paris.
Jang Song-thaek, o traidor
Vice-presidente da poderosa Comissão de Defesa Nacional da Coreia do Norte, Jang estava apenas abaixo de Kim Jong-il na hierarquia vermelha e quase comandava o país no fim de sua vida. O cenário mudou quando Kim Jong-un assumiu o posto e precisou ouvir os conselhos do tio.
Em 2013, o jovem tirano expulsou Jang do Partido dos Trabalhadores e, dias depois, mandou que fosse executado sob acusações de traição. Em comunicado, o ex-assessor foi chamado de “escória humana, pior que cachorro”, por ter supostamente formado uma facção contra o regime.
Song Hye-rim, a amante fugitiva
Uma das primeiras atrizes famosas da Coreia do Norte, Song Hye-rim fascinou o ditador aficionado por cinema, Kim Jong-il, e se tornou sua amante favorita. O casal chegou a morar junto em segredo e o duradouro caso resultou no nascimento de Kim Jong-nam, em 1971 – rejeitado pelo avô por anos. Na década de 80, Song viajou à Rússia para tratamentos médicos e fugiu de vez para o país após a queda da União Soviética. Sua melhor amiga, Kim Young-soon, ficou nove anos presa em um campo de trabalhos forçados, assim como seus familiares, por ter revelado o caso de Song e o ditador. A atriz morreu em 2004, em Moscou.
Kim Jong-nam, o filho renegado
O membro mais falado da dinastia norte-coreana em 2017 é Kim Jong-nam, fruto da relação de Kim Jong-il com sua amante atriz. Apesar de ser escondido na infância, o primogênito caiu nas graças do pai e foi considerado como o melhor posicionado para substituí-lo. A preferência acabou em 2001, ao ser detido no aeroporto de Tóquio com um passaporte falso, que pretendia usar para visitar a Disneylândia japonesa. Jong-nam, sempre mais liberal pelos anos de estudo na Europa, se mudou para a China em 1995 e vivia desde então entre Pequim e Macau, na Malásia, amparado pelo governo chinês. Ele foi assassinado na capital malaia em fevereiro deste ano, por meio de um agente químico, em ação que o governo sul-coreano acredita ter sido ordenada pelo regime.
Kim Han-sol, o herdeiro mente aberta
Nascido em 1995, o filho de Kim Jong-nam viveu em Pyongyang durante a infância, até seu pai ser rejeitado pelo regime e levar a família para viver em Macau. Ao longo da juventude, Han-sol deu entrevistas em que chamou o tio de “ditador”, disse desejar paz entre as Coreias e contou ter diversos amigos americanos. Segundo a rede BBC, ele estudou na Bósnia-Herzegovina, em Paris e estaria com planos para ir à Universidade de Oxford antes da morte do pai. Depois do incidente, apareceu em um vídeo na internet onde diz estar seguro, junto à irmã e à mãe.
Kim Jong-un, o “líder supremo”
Era difícil imaginar que Kim Jong-un poderia ser mais brutal que o pai, porém, aos 33 anos e há seis no poder, o atual ditador mostrou sua personalidade histriônica e cruel. O mimado filho mais novo não era o sucessor esperado do regime, mas foi o único a não decepcionar o pai. Sobre seu hobbies, se sabe que é fã da Disney e visitou os parques de Tóquio e Paris na infância, além de amar o basquete americano.
Desde que assumiu o poder, Jong-un já ordenou 340 assassinatos, inclusive do próprio tio e, possivelmente, do irmão. Recentemente, o desenvolvimento do programa nuclear do país também tem acirrado a relação com os vizinhos do sul e os Estados Unidos.
Menos carismático que Kim Jong-il, para os padrões coreanos, os propagandistas do regime têm se dedicado incessantemente a cultuá-lo em escolas e na imprensa. Os mitos incluem que teria começado a dirigir aos três anos de idade e escreveu seis óperas completas em dois anos, “melhores que qualquer outra na história”, segundo sua biografia oficial.
Ri Sol-ju, a esposa invisível
Com os olhos do mundo focado em Kim Jong-un, pouco se sabe sobre sua mulher, apresentada à imprensa em 2012. Ri Sol-ju, de 27 anos, foi membro da Orquestra Unhasu e é filha de uma médica e um professor. Ela nunca aparece sozinha em frente às câmeras e raramente está presente ao lado do marido em eventos oficiais, por isso, é frequentemente alvo de especulações de morte ou fuga. Em 2013, o jogador de basquete americano Dennis Rodman, amigo do ditador, deixou escapar que o casal teve uma filha chamada Ju-ae.
Kim Jong-chul, o playboy
Filho mais velho de Kim Jong-il com a esposa oficial, Kim Jong-chul foi superado pelo irmão mais novo como sucessor por ser “afeminado demais”, segundo relatos de um ex-chef de cozinha da dinastia. Ao contrário dos cidadãos do país, ele viaja ao exterior para assistir a shows e mantém uma vida repleta de entretenimento. Sua grande paixão é o músico Eric Clapton: em 2015, foi a dois concertos em Londres, além de outro em Cingapura, em 2011, e quatro na Alemanha, em 2006. Jong-chul é a representação dos privilégios da família de ditadores: quase toda música ocidental é proibida aos norte-coreanos, mas não aos Kim.
Kim Yo-jong, a propagandista
Oficial sênior do regime comunista, aos 29 anos, a irmã caçula do ditador norte-coreano é um dos nomes mais influentes da Coreia do Norte. Assim como os homens da família, estudou na Suíça e ganhou notoriedade no funeral do avô, quando apareceu à frente de homenagens e como braço direito do irmão. Desde 2015, ocupa o posto de chefe do Departamento de Propaganda e é responsável por convencer a população de cultuar Kim Jong-un. Yo-jong é casada há três anos com um filho de Choe Ryong-hae, considerado o número três do regime.