Desde o fim de setembro, quando as Forças Aéreas de Israel atacaram o sul do Líbano e a capital, Beirute, para atingir os líderes da milícia xiita Hezbollah, financiado pelo Irã, o mundo vive novo momento de sobressalto — o medo de que o conflito no Oriente Médio, movido a ódio de ambas as partes, seja irreversível, capaz de se espalhar por toda a região e atravessar fronteiras. Um grupo, em especial, convive com o drama mergulhado na ansiedade, em compasso de espera: os mais de 20 000 brasileiros descendentes de libaneses ou que selaram laços familiares com cidadãos do país árabe e ali moram. Nos últimos dias, cinco aviões enviados pelo governo brasileiro trouxeram de volta pessoas com medo. Em solo brasileiro, a maior comunidade libanesa em todo o mundo dá outra feição à agonia, numa espera que não acaba, muitas vezes sem notícias daqueles que hoje sobrevivem entre bombardeios.
É momento histórico e delicado, aceno a um dos mais tradicionais grupos de imigrantes que fizeram o Brasil crescer. Há, por aqui, mais de 10 milhões de mulheres e homens de herança libanesa, em casamento que começou a crescer a partir de uma visita de dom Pedro II à nação do extremo leste do Mediterrâneo, em 1876, acompanhado por uma comitiva de 200 indivíduos. É contingente de onde saiu um ex-presidente da República, Michel Temer, e outras personalidades do campo político, de todos os matizes ideológicos, como Gilberto Kassab e Guilherme Boulos, Paulo Maluf e Fernando Haddad, para ficar apenas em alguns nomes.
Desde a recente eclosão de bombas e tiros, VEJA dedicou-se a acompanhar de perto a dor dos que tiveram de sair à força, abandonando familiares e sonhos de futuro. A reportagem conduzida pelo editor Ricardo Ferraz e pelos repórteres Paula Freitas e Caio Saad mergulha no cotidiano e nas complicações pessoais e coletivas de um grupo assaltado pelo horror da guerra, forçado ao refúgio e à separação. É o caso de Rami Rkein, libanês casado com uma paulista que retornara à terra natal para ficar com os pais idosos. Preocupados com a vida do filho, eles fizeram com que Rami voltasse ao Brasil, em decisão emotiva e dolorosa. Relatos como os dele, fortes e contundentes, aliados à cuidadosa explicação das origens do confronto, missão de VEJA desde o seu lançamento, em 1968, impõem uma constatação: as diferenças geográficas, religiosas e políticas devem ser resolvidas sempre no campo da diplomacia, com bom senso e inteligência, e não no grito, pela lei do mais forte, com sangue.
Publicado em VEJA de 18 de outubro de 2024, edição nº 2915