O gabinete do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, recebeu nesta semana um longo dossiê assinado por acadêmicos e organizações não-governamentais que pedem o congelamento das negociações diplomáticas com o Brasil, assim como a suspensão da importação de produtos que estejam ligados ao desmatamento na Amazônia.
“A principal prioridade deve ser restringir, por meio de ordem executiva ou legislação, importações de commodities de risco florestal, como madeira, soja e produtos pecuários, a menos que possa ser determinado que as importações não estão vinculadas a desmatamento ou abusos de direitos humanos”, diz o documento, de 27 páginas, a qual VEJA teve acesso.
Em sua introdução, o dossiê afirma que o “relacionamento especial” recente entre os Estados Unidos e o Brasil possibilitou a violação de direitos humanos e ambientais e protegeu o presidente Jair Bolsonaro de sofrer as “consequências internacionais” de suas ações.
O documento também lista seis ações pontuais que o novo governo americano deve adotar em prol da proteção ambiental e do cumprimento dos direitos humanos no Brasil. A primeira delas é o congelamento das negociações de comércio bilateral com o Brasil.
Além disso, os especialistas ainda pedem que a administração de Biden retire o atual apoio à entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e suspenda o auxílio e cooperação militar enquanto não houver “revisão rigorosa nas forças de segurança”. Ainda solicitam a denúncia de casos de assassinato ou ameaça de defensores de direitos humanos e ambientais, uma avaliação da estratégia de investimento em infraestrutura no Brasil e a investigação do envolvimento do crime organizado em crimes ambientais no país.
Além de professores das universidades de Harvard, Brown, Columbia, Berkeley e Princeton, assinam também o documento acadêmicos da Universidade de São Paulo (USP) e representantes de organizações não governamentais como Greenpeace e Amazon Watch. O dossiê foi publicado primeiramente pela BBC Brasil.
Em nota, o Greenpeace Brasil afirmou que o completo descaso de Bolsonaro com o patrimônio ambiental brasileiro, com as comunidades tradicionais e com a democracia, “deixa o país em uma posição cada vez mais vulnerável política e economicamente no cenário internacional, colocando em risco acordos diplomáticos e comerciais”.
“Esse documento é mais uma sinalização da comunidade internacional, por parte da sociedade civil e de pesquisadores, de uma realidade que é, muitas vezes, maquiada pelo governo Bolsonaro”, diz a nota.
As recomendações para o governo americano ainda estão acompanhadas de um amplo relatório que analisa as ações do governo de Jair Bolsonaro em áreas como desmatamento, mudança climática, direitos de povos indígenas, direitos humanos, saúde pública, democracia e cumprimento do Estado de Direito. “Bolsonaro continua a ignorar as práticas democráticas que garantem eleições livres e justas e controles e balanços vitais sobre o poder do governo”, diz o documento.
A análise ainda acusa a gestão atual de falhar em seu dever de garantir a proteção ambiental e garantir os direitos dos povos indígenas. Também aponta cortes de gastos e infraestrutura no sistema de saúde pública (SUS) e uma má condução na resposta brasileira à pandemia de Covid-19.
A mudança de ares na Casa Branca é o combustível para o dossiê. O governo de Jair Bolsonaro começou a estabelecer uma relação mais próxima com os Estados Unidos durante o governo de Donald Trump, motivada principalmente pela compatibilidade ideológica entre os presidentes.
Com a vitória de Joe Biden nas eleições de novembro passado, porém, já temia-se que os laços poderiam ser enfraquecidos. Uma das principais bandeiras levantadas pelo democrata durante sua campanha foi a preservação ambiental, um tema pelo qual o Brasil vem sendo cobrado e criticado internacionalmente.