Ataques de Israel em Gaza podem constituir crimes de guerra, diz Bachelet
Governo brasileiro se posicionou contra investigação internacional sobre possíveis violações, apesar de 'profundamente preocupado' com escalada de violência
Os recentes ataques com mísseis lançados por Israel contra a Faixa de Gaza, que deixaram ao menos 242 mortos e 74.000 deslocados, podem constituir crimes de guerra, afirmou nesta quinta-feira, 27, a alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, durante sessão extraordinária do Conselho de Segurança da ONU. O governo brasileiro, por sua vez, se posicionou contra a realização de uma investigação internacional sobre possíveis violações, apesar de estar “profundamente preocupado” com a escalada recente de violência, interrompida por um cessar-fogo no dia 21 deste mês.
Durante a reunião emergencial convocada por países árabes para discutir o confronto e a “grave situação humanitária” em Gaza, na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, Bachelet afirmou que os ataques “lançam dúvidas sobre a conformidade israelense com os princípios de distinção e proporcionalidade do direito humanitário internacional”. Os três territórios envolvidos foram ocupados por Israel após a Guerra dos Seis dias, em 1967.
“Se for comprovado que foram indiscriminados e desproporcionais, tais ataques podem constituir crimes de guerra”, advertiu a ex-presidente chilena.
Os ataques, que aconteceram em resposta a projéteis lançados pelo Hamas e outros grupos armados palestinos contra Israel (que causaram pelo menos 10 mortes), resultaram na destruição em larga escala de instalações civis, incluindo casas, escritórios de organizações humanitárias, centros médicos e meios de comunicação, lembrou a alta comissária.
Os bombardeios na Faixa de Gaza atingiram 19 instalações de saúde, incluindo a destruição completa de uma clínica de cuidados primários e danos em seis hospitais, entre eles um cujas operações tiveram de ser completamente interrompidas. Entre as instalações que tiveram suas operações comprometidas pelos bombardeios israelenses está uma planta de dessalinização que permitia o fornecimento de água para cerca de 250.000 pessoas. Ao todo, cerca de 800.000 palestinos tiveram seu acesso à água comprometido.
“Apesar da afirmação de Israel de que muitos destes edifícios abrigavam grupos armados ou eram utilizados para fins militares, não vimos qualquer prova nesse sentido”, destacou.
Em referência ao Hamas, Bachelet destacou que “é também uma violação do direito internacional colocar meios militares em áreas civis densamente povoadas, ou atacar a partir delas”, embora tenha indicado que “as ações de uma das partes não isentam a outra das suas obrigações”.
Bachelet também comparou a situação dos civis em Israel e na Palestina, observando que enquanto os primeiros “têm o Domo de Ferro e forças militares profissionais para defendê-los, os palestinos não têm proteção contra ataques aéreos contra uma das áreas mais densamente povoadas do mundo”.
Inquérito independente
Após votação dos 47 Estados-membros, o Conselho de Segurança anunciou nesta quinta-feira a criação de uma comissão internacional de inquérito independente para analisar “todas as violações do direito humanitário internacional desde 13 de abril de 2021”.
O texto, aprovado por 24 dos 47 membros do Conselho, prevê a coleta de evidências de abusos e crimes, além da identificação de responsáveis para que sejam levados à Justiça. Nove membros se opuseram e 14 se abstiveram.
A resolução também pede que a comissão internacional de especialistas analise “todas as causas profundas das tensões recorrentes (…), como a discriminação e a repressão sistemática baseadas na identidade nacional, étnica, racial ou religiosa”.
Em comunicado, o Ministério das Relações Exteriores israelense rejeitou a resolução do Conselho, que disse ser “um órgão com uma maioria a priori anti-Israel, guiado por hipocrisia e absurdo”.
Qualquer resolução que não condene o lançamento de mais de 4.300 foguetes por uma organização terrorista contra civis israelenses e que nem mencione a organização terrorista Hamas, nada mais é que uma falha moral e uma mácula na comunidade internacional e na ONU”, afirmou.
A embaixadora brasileira nas Nações Unidas em Genebra, Maria Luisa Escorel de Moraes, afirmou que o Itamaraty não irá se posicionar a favor da medida. Segundo a embaixadora, a proposta não ajudaria a superar a situação neste momento.
O Brasil apoia todos os esforços diplomáticos que acomodem os interesses de “ambos os lados”, afirmou Escorel. O governo brasileiro também condena “todos os ataques contra os civis” e crê que tanto palestinos quanto israelenses merecem ter seus direitos respeitados.
Durante a sessão, no entanto, especialistas das Nações Unidas ressaltaram a ampla desproporcionalidade entre os dois lados. Bachelet comparou a situação dos civis em Israel e na Palestina, observando que enquanto os primeiros “têm o Domo de Ferro e forças militares profissionais para defendê-los, os palestinos não têm proteção contra ataques aéreos contra uma das áreas mais densamente povoadas do mundo”.
O relator da ONU para direitos humanos no território palestino, Michael Lynk, acrescentou na mesma sessão do Conselho que os palestinos em Gaza “vivem em uma situação desesperada que as Nações Unidas descreveram como insustentável e inviável, uma forma de punição coletiva”.
Ele denunciou as expulsões de palestinos em Jerusalém Oriental, um dos desencadeadores do recente conflito, como parte do plano de Israel para aumentar os assentamentos ilegais, a fim de estabelecer uma reivindicação ilegal de soberania, apesar dos repetidos apelos das Nações Unidas para pôr fim a esta prática.
À luz da situação atual, Lynk reiterou seu pedido, emitido recentemente junto com outros funcionários de direitos humanos da ONU, de que os recentes incidentes em Gaza e na Cisjordânia fossem investigados pelo Tribunal Penal Internacional.